
*José Alcimar
01. A verdade é o modo de ser do real, que sempre tem precedência ontológica sobre o legal. Há sempre alegria quando o real se encontra com a verdade. Diz a sabedoria bíblica dos Provérbios que “sob o governo dos justos o povo se alegra; mas quando o ímpio domina, o povo geme” (29,2).
O grande Santo Agostinho, cuja Teologia da História mereceu reconhecimento do insuspeito de confissão cristã István Mészáros, afirma que é na sabedoria que a alma deve fundamentar sua medida. Um perfil autoritário guarda sempre uma refração ontológica à alegria. A mais feliz das tríades será sempre a que se constitui do alegre encontro entre real, verdade e justiça.
02. Desde o dia 31 de janeiro de 2020 a Arquidiocese de Manaus recebeu como seu servidor e pastor Dom Frei Leonardo Ulrich Steiner, OFM, transferido de Brasília para nossa Manaus, de inarredável alma indígena e cabocla.
Dom Leonardo, franciscano e doutor em Filosofia, completou 70 anos nessa sexta-feira, 06 de novembro de 2020. Ele é o 13º filho de Leonardo e de Carlota Arns Steiner. Nascido em Forquilhinha, SC, pequena cidade de origem do Grande Cardeal Arns, seu parente e também franciscano, reconhecido por sua resistência aos arbítrios da ditadura empresarial-militar instaurada no Brasil em 1964.
03. Há pouco menos de 10 meses à frente da Arquidiocese de Manaus, este servum do Povo de Deus e do Deus do Povo, começou seu ministério episcopal em 02 de fevereiro de 2005 na Prelazia de São Felix do Araguaia – MT, após a renúncia do Bispo, Pastor, Profeta e Poeta Dom Pedro Casaldáliga, por ter este completado 75 anos em 2003. Pelas leis da Igreja Católica um bispo ao completar 75 anos deve renunciar ao governo de sua circunscrição eclesiástica. Dom Leonardo, à época, poderia ter escolhido outra residência episcopal, mas fez questão de permanecer sob o mesmo teto, simples e libertário, em que morava Dom Pedro, então tornado Bispo emérito. Mais do que uma casa comum, os dois Pastores dividiram uma causa comum: a utopia do Reino de Jesus de Nazaré.
04. Sempre que posso, acompanho, nesses tempos de compulsório, mas necessário isolamento social, as homilias dominicais de Dom Leonardo, sempre enraizadas na práxis de Jesus de Nazaré e na fecunda relação entre o Evangelho pregado pelo judeu dissidente em terras palestinas e os desafios contemporâneos de uma América Latina sob o chicote da exploração capitalista, relação da qual se nutre a Teologia da Libertação, sempre combatida pela próspera teologia da prosperidade, até a raiz funcional à cópula indecente entre religião e capitalismo. O teólogo heterodoxo Walter Benjamin já bem o assinalou.
05. Desde ontem, 07 de novembro de 2020, as forças mediáticas corporativas não medem tela nem áudio para festejar o resultado das eleições no Império do Norte. Minha comemoração, noutro registro, se alinha à alegria dos empobrecidos, sobretudo a população negra e a população migrante, que votaram contra a reeleição de um presidente ultradireitista, xenófobo, misógino e racista.
A vitória não é propriamente de Biden. E a comemoração exige discernimento crítico, porque, seja democrata ou republicano, o poder do Império nunca escapa ao controle das grandes corporações. No Império do Norte se concentra a maior população empobrecida dentre as potências capitalistas.
06. Com ou sem Trump, só nos resta resistir à gestão subalterna e destrutiva do atual ocupante do Palácio do Planalto. Não nos iludamos com a vitória de Biden. Os Estados Unidos sempre tratarão Nuestra América como seu quintal. O Brasil não existe para o Norte senão enquanto destino à subalternidade de protetorado.
Nossa luta maior é aqui dentro, contra a geopolítica de destruição desse governo, e que, desconfio, não sofrerá inflexão na gestão Biden. Igualmente digna de comemoração é a luta do povo boliviano e chileno, sem espaço no noticiário da das corporações mediáticas.
Hoje, a propósito, toma posse Luis Arce, Presidente da Bolívia eleito pela conjugação das forças libertárias desse país irmão. Bem me lembro da letra dos anos 1980 da combativa CPT: “quem gosta de nós somos nós e aqueles que nos vêm ajudar”.
07. A maior e mais forte resistência é a que nasce da práxis, critério incontornável da verdade. A couraça da ignorância em que se protege e se reproduz o poder do capital sem controle não será rompida sem unidade de ação. A direita, hoje hegemonizada pela ultradireita, já nasceu organicamente unitária.
Suas pontuais diferenças de perfil no início sempre convergem para a uniformidade de interesses no fim. Sob o controle da autocracia burguesa sempre haverá o empobrecido de direita, sem consciência de classe. É da luta, teórica e prática, que nasce a consciência de classe. Por fim, saudações militantes à Chapa 1 – Unidade para Lutar, vencedora das eleições do ANDES-SN havidas nos recentes dias 03, 04, 05 e 06 de novembro de 2020.
* José Alcimar de Oliveira, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra e filho do fecundo cruzamento dos rios Solimões (AM) e Jaguaribe (CE), aos oito dias de novembro do ano coronavirano de 2020.