
A doutora em Sociologia e uma das professoras mais requisitadas da Ufam para falar sobre Amazônia, em função da atuação e dedicação acadêmica ao tema, Marilene Corrêa, declarou que os ministros do Governo Bolsonaro demonstram ignorância quando falam sobre a região amazônica e as formas de desenvolvimento que planejam para o Amazonas.
A declaração foi feita aos jornalistas Gustav Cervinka e Rosiene Carvalho no programa de entrevista Exclusiva da Rádio Band News Difusora nesta segunda-feira, dia 9.
Para a pesquisadora, a floresta tem maior valor de pé e conhecida pela ciência. Marilene Corrêa afirma que o desenvolvimento e economia ecológica são muito mais caros que os criticados subsídios da ZFM (Zona Franca de Manaus). A socióloga questiona que desenvolvimento o País busca, se quer este caminho ou apenas o da exploração da região.
“Essa terra, depois de desmatada e devidamente queimada, tem um valor mais alto num mercado de especulação para uso da terra com finalidade no agronegócio, quando na verdade a floresta em pé vale muito mais. Mas ela só vale muito mais quando ela é conhecida cientificamente, quando ela é manejada pela sabedoria, quando ela é melhor aproveitada com relação às suas populações”, declarou à Band News Difusora.
Sobre as opiniões recentes do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Onix Lorenzoni (DEM), em relação ao desenvolvimento da região, Marilene Corrêa comentou: “Todos grandes especialistas da Amazônia, né? Esses dois ministros citados. Grandes sumidades sobre a Amazônia”.
E acrescentou:
“A Amazônia não só precisa ser reescrita como precisa ser difundida por quem conhece e não por ignorantes. Manifestar opinião sem conhecer cientificamente a Amazônia é dar um tiro no pé”, declarou.
A entrevista foi ao ar na tarde desta segunda-feira, dia 9, ao vivo pela 93.7 e está disponível na íntegra o Facebook da rádio.
Perfil
Marilene Corrêa tem doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campinas, Pós-doutorado pela Université de CAEN e na UNESCO. Entre o vasto currículo de experiências acadêmicas e funções públicas, já foi secretária de Ciência e Tecnologia do Amazonas e reitora da UEA (Universidade do Estado do Amazonas).
A socióloga, considerada uma autoridade no tema Amazônia, tem pesquisas voltadas para a sociologia, com ênfase em sociologia contemporânea, atuando principalmente nos temas da Amazônia, políticas públicas, política científicas, teoria sociológica e desenvolvimento sócio-econômico.
Leia a entrevista:
“O Brasil ainda não compreende bem o lugar estratégico de uma área como a nossa não estar integrada ao desenvolvimento brasileiro”.
Exclusiva: Por que há diferenças na compressão e preocupação sobre a Amazônia e sua preservação por parte da opinião pública e política internacional e quem vive no Brasil ou mesmo nos estados da Amazônia?
Marilene Corrêa: Em primeiro lugar, este é um assunto da maior relevância, da autocompreensão que nós temos da Amazônia, da compreensão que o Brasil tem da região Norte e da Amazônia brasileira e da compreensão que outros Países e o resto do mundo têm da Amazônia, inclusive a continental. São três níveis de representações diferentes. O primeiro, que seria a nossa autorepresentação e frequentemente muda, porque a cultura muda. A Amazônia tem uma longa história de ocupação. Ela é um território de uma diversidade enorme e se caracteriza principalmente pela reação homem/natureza predominantemente na dependência, ainda, dos recursos naturais. Tem a maior bacia hídrica do mundo, tem uma biodiversidade que todo mundo sabe e admira. Mas, no entanto, a historicidade da Amazônia é complexa e ela foi lançada no mundo antes do Brasil existir.
Exclusiva: Há uma anterioridade da Amazônia em relação ao Brasil?
Marilene Corrêa: Então, há uma anterioridade na Amazônia de seus povos de suas culturas, das suas formas de conviver com a natureza, da sua adaptabilidade e habitabilidade também. E, de algum modo, foram sendo transformadas pela colonização até chegar à sociedade nacional. Hoje, o que tem a sociedade nacional a ver com a Amazônia? Tem a ver com a integração da região Norte com o Brasil, como o modo como o Brasil se preocupa ou deixa de se preocupar com os processos de desenvolvimento da Amazônia. O Brasil ainda não compreende bem o lugar estratégico de uma área como a nossa não estar integrada ao desenvolvimento brasileiro. Ou seja, o Brasil só pode expandir no futuro se pensar que áreas ainda não estão totalmente inseridas na economia nacional.
Exclusiva: Como alterar esta condição?
Marilene Corrêa: Pelo jeito também, nós não temos um projeto. Seja para as áreas de fronteira, seja para as áreas do comércio comum, seja para as áreas de troca de políticas públicas, seja para as áreas de proteção aos grandes ilícitos internacionais, como, por exemplo, o narcotráfico. Então, este é um problema. Outro problema é como o Brasil se relaciona através de pactos e acordos internacionais. Tratados que já foram feitos, acordos que já foram assinados, compromissos que já foram assumidos historicamente. Se a gente pegar de 40, 50 anos para cá, inúmeros compromissos. E, de repente, o Brasil não pode cortar de uma hora para a oura este acordo com outros Países que tomam a Amazônia como referência de preocupação.
Exclusiva: Como a agenda científica acompanha este momento?
Marilene Corrêa: O desenvolvimento científico, a agenda nacional, a cerca do desenvolvimento científico e os consensos internacionais, desenvolveram algumas preocupações que não são só nossas, que são mundiais em relação à Amazônia. Entre as que a gente ouve falar mais: estabilidade climática, a questão da floresta, a questão do meio ambiente, o próprio ambientalismo que se pratica com as populações locais, a violência de processos de desenvolvimento que impactam o meio ambiente e as populações locais. Essas preocupações não são só nossas, na medida que a gente tem esse consenso formado na agenda científica e no desenvolvimento da própria ciência. Porque a ciência hoje demonstra que os biomas são vivos, que a terra é um ser vivo, que todo trabalho de proteção e preservação se monta num sentido de que nós tenhamos um controle maior sobre o nosso destino, que não é só nosso. É nosso e de quem vem depois. Se esse acordo é rompido, eu acredito que a gente muda a forma pela qual vamos passar a ser vistos internacionalmente.
“As pessoas pensam que tomam uma determinada decisão certa, mais ou menos certa, ou totalmente desastrada e isso só vai ter impacto naquele período e a responsabilidade será só deles. Não! Quem assume coletivamente esta responsabilidade é o povo brasileiro, é a memória nacional, é a sociedade brasileira.”
Exclusiva: Será uma carga ou culpa do atual governo?
Marilene Corrêa: Aí não interessa quem é o presidente. É o Brasil e são as populações brasileiras que passam a ser vistas de outra forma. É a ciência brasileira que passa a ser vista de outra forma, a agenda científica brasileira que sofre outro grau de prioridade. É a educação brasileira que passa a ser analisada mais criticamente e vista também sob outro foco e outra perspectiva. São os meios de comunicação que passam a ser pautados de outra maneira. Ou seja, a cultura e a inteligência nacional passam a receber uma outra classificação denominativa, outros qualificativos e isso é importante. É importante porque as pessoas pensam que tomam uma determinada decisão certa, mais ou menos certa, ou totalmente desastrada e isso só vai ter impacto naquele período e a responsabilidade será só deles. Não! Quem assume coletivamente esta responsabilidade é o povo brasileiro, é a memória nacional, é a sociedade brasileira.
Exclusiva: Isso é um pouco do que a gente está vivendo agora, professora, com as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que o modelo ZFM não é um modelo sustentável e atrapalha o desenvolvimento da região amazônica. A falta de conhecimento sobre a integração da região com o País e sua interrelação com os Países vizinhos é um pouco da justificativa de uma declaração como essa?
Marilene Corrêa: Cada ministro é porta voz do governo que merece. Você veja que já houve um tempo que o Calha Norte era um meio de integração nacional; a Transamazônica era um meio de segurança e integração nacional; que a ZFM era um meio de tirar o Amazonas de um subdesenvolvimento; que os polos minero-metalúrgicos do Pará, madeireiro e florestal do Acre; o polo de grãos de Roraima e os projetos de colonização e experiências agrícolas de agricultores da agricultura familiar e de pequenos e médios produtores de Rondônia seria a estratégia do governo autoritário para integrar a Amazônia ao restante do Brasil. Deve se perguntar ao ministro de agora qual a estratégia desse governo para integrar a Amazônia ao desenvolvimento nacional. Qual expectativa que se tem para o desenvolvimento nacional, cujos os indicadores econômicos, toda a opinião pública, toda crítica científica mostra que o Brasil está com grandes impasses no que diz respeito ao modelo escolhido historicamente para desenvolver a nossa economia.
Exclusiva: Emitem opiniões equivocadas sobre a ZFM?
Marilene Corrêa: Então, se ela é insustentável, tem outras coisas que são insustentáveis também, inclusive a invenção dela. Ou seja, as próprias elites que inventaram o modelo de desenvolvimento da ZFM, agora, tratam de desqualificar o modelo inventado por outras elites, em outros momentos. Tudo isso compromete a opinião nacional.
“A ausência de esclarecimento pode ser uma estratégia no qual o desconhecimento passa a ser um fator político”
Exclusiva: Como a gente consegue entender essa diferença de percepção sobre essas falas e medidas para este modelo de desenvolvimento da região por pessoas que moram aqui?
Marilene Corrêa: Se vocês me permitem dizer, eu acho que tem setores de difusão da opinião nacional que não querem o esclarecimento. A ausência de esclarecimento pode ser uma estratégia no qual o desconhecimento passa a ser um fator político. Na medida que eu desconheço, eu não opino. Ou opino de uma forma sempre a concordar com aquela opinião mais disseminada. Eu não tenho opinião própria. Esse é um problema. Mas eu acredito que grande parte do desconhecimento do que se passa na Amazônia, de um modo é uma leitura equivocada que se tem da região.
“Há todo um descrédito deste acúmulo de percepções e de conhecimento que já foi feito sobre o Brasil e sobre a Amazônia”.
Exclusiva: Há uma desinformação generalizada?
Marilene Corrêa: É uma desinformação generalizada do que é e o que não é prioridade, é um descredenciamento da opinião pública qualificada. É possível dizer que está havendo todo um processo de desacredita a opinião científica, dos jornalistas especializados em política, das pessoas que tem experiência maior. Há todo um descrédito deste acúmulo de percepções e de conhecimento que já foi feito sobre o Brasil e sobre a Amazônia. Se nada deu certo, não serve para nada, esses doutores não valem nada, essas instituições só dão despesa. Tem um pouco essa opinião, que é brutal acerca do acúmulo histórico que se tem do conhecimento. Mas o principal problema desse desconhecimento é a alienação.
Exclusiva: De que maneira?
Marlene Corrêa: Uma alienação daquilo que não é ofertado permanentemente, do que a gente chama de educação pública. Essa educação não é só aquela da escola. É a educação que passa a vir pela televisão, pelos veículos de comunicação de massa, pela oferta de boas leituras e, especialmente, da imersão das pessoas na manifestação da opinião. Você vê, há inúmeros programas de televisão, mas poucos que se debruçam ao esclarecimento. Notícia, nós temos 24 horas, mas são fragmentos de informação que às vezes não tem tempo de aprofundar e montar esse quebra-cabeça.
“Para a ciência, preservar a floresta interessa justamente para conhecê-la melhor”
Exclusiva: Há uma pressão pelo desmatamento da região? Teve aí o dia do fogo. Como a gente pode entender melhor esta pressão pelo desmatamento da região?
Marilene Corrêa: Quando a gente fala em pressão, a gente fala da delimitação de um interesse muito específico para o desmatamento. Assim como quando a gente fala em proteção e preservação, a gente fala também de um outro conjunto de interesses muito específicos para preservar. Para a ciência, preservar a floresta interessa justamente para conhecê-la melhor, para conhecer as propriedades da natureza, que são caríssimas e que a gente às vezes toca fogo para criar gado ou explorar qualquer tipo de coisa que custa muito mais barato que o conhecimento profundo da floresta. Então, a problemática da pressão do desmatamento é para aumentar o estoque de terras a serem aproveitadas pelo agronegócio. Essa é a questão fundamental. Então, se registra com dados da economia e com pesquisa de campo, que a pressão pela terra desmatada nunca foi maior desde 1992.
“Essa terra, depois de desmatada e devidamente queimada, tem um valor mais alto num mercado de especulação para uso da terra com finalidade no agronegócio, quando na verdade a floresta em pé vale muito mais.”
“Mas ela só vale muito mais quando ela (floresta) é conhecida cientificamente, quando ela é manejada pela sabedoria, quando ela é melhor aproveitada com relação às suas populações”.
Exclusiva: Há uma pressão maior?
Marilene Corrêa: Hoje essa pressão se apresenta com uma agressividade maior, com potencial maior, um grau de destruição e com uma efetividade maior com relação à derrubada e queima da floresta. É neste sentido que se fala na pressão pelo desmatamento. Essa terra, depois de desmatada e devidamente queimada, ela tem um valor mais alto num mercado de especulação para uso da terra com finalidade no agronegócio, quando na verdade a floresta em pé vale muito mais. Mas ela só vale muito mais quando ela é conhecida cientificamente, quando ela é manejada pela sabedoria, quando ela é melhor aproveitada com relação às suas populações. Porque hoje várias populações que foram desterritorializadas passam fome na cidade e não passavam no interior.
Exclusiva: Uma condição diferente da que tinham no interior
Marilene Corrêa: Não passavam nas comunidades originárias. Não pela existência de políticas públicas, mas porque elas se alimentavam da natureza. Na área urbana não tem mais isso. De certa forma, esta pressão não é para distribuir terras para os pequenos ou para incentivar a agricultura familiar ou para novos projetos de colonização ou propiciar um novo deslocamento populacional para a Amazônia. A pressão pelo desmatamento é para o uso produtivo da terra destinado a uma faixa do agrobusiness.
“Todos grandes especialistas da Amazônia, né? Esses dois ministros citados. Grandes sumidades sobre a Amazônia”, declara pesquisadora sobre os ministros Paulo Guedes e Onix Lorenzoni.
“Ninguém vai investir em uma nova aventura para a Amazônia, se não for com conhecimento de causa. A economia ecológica é caríssima. Exige subsídios de grande expressão e não só coisa de renúncia fiscal, de ZFM (…) A questão toda é: quem vai financiar o desenvolvimento da Amazônia, qual preço que o Brasil quer pagar?”
Exclusiva: A professora Violeta Loureiro (UFPA) afirma que é preciso escrever outra história da Amazônia, em que Estado e sociedade não tratem a região apenas como um lugar de saque, de lucro imediato, e sim de como uma nova noção de desenvolvimento. Os ministro Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) recentemente declaram aqui no Amazonas que a alternativa econômica da região é a exploração mineral de suas riquezas…
Marilene Corrêa: Todos grandes especialistas da Amazônia, né? Esses dois ministros citados. Grandes sumidades sobre a Amazônia. Violeta põe uma questão fundamental: a Amazônia não só precisa ser reescrita como precisa ser difundida por quem conhece e não por ignorantes. Manifestar opinião sem conhecer cientificamente a Amazônia é dar um tiro no pé. Primeiro, porque não há comprovação científica, segundo porque não mantém uma credibilidade a longo prazo e terceiro porque ninguém vai investir em uma nova aventura para a Amazônia, se não for com conhecimento de causa. A economia ecológica é caríssima. Exige subsídios de grande expressão e não só coisa de renúncia fiscal, de ZFM , não, exige conhecimento científico, exige agenda científica., exige um conjunto de equipamento e conhecimento tecnológicos de alto porte, exige um processo de regulação no mercado nacional e internacional. Toda uma prática completamente diferente de uma economia verde que se paute pelos parâmetros totalmente científicos da produção. Na verdade, se os ministros soubessem que exigisse tanto, eles nem tinham tocado no assunto. A questão toda é: quem vai financiar o desenvolvimento da Amazônia, qual preço que o Brasil quer pagar?
“Questionar não significa dizer: nós vamos ser um obstáculo ao desenvolvimento. Questionar significa dizer, quais vão ser os parâmetros de convencimento que esta agenda (do Governo Federal) vai trazer à comunidade científica, à população e aos cidadãos, que convençam a estes segmentos de que vocês estão certos”.
Exclusiva: O professor Davyd Spenser enviou a seguinte pergunta, do México: A Amazônia é objeto de um novo processo de colonização política, econômica e mental por parte do atual Governo?
Marilene Corrêa: A recolonização da história do Brasil e da Amazônia do atual governo, me parece, que querem reinventar um processo de reacumulação originária para o Amazonas. Ou seja, (trazer) tudo aquilo que foi abandonado em um determinado momento porque, ou valeria muito pouco no cenário internacional ou de certa forma não traria os benefícios que estariam sendo esperados para uma economia capitalista. Alguma coisa foi abandonada porque não interessava mais. Então, parece que o que resta para a Amazônia é mais exploração mineral, madeireira, do agronegócio. É tudo aquilo que, de certa foram, se contrapõe a conservação e à preservação ambiental. É sobre isso que a opinião pública, nem tão pública, mas especializada questiona. Questionar não significa dizer: nós vamos ser um obstáculo ao desenvolvimento. Questionar significa dizer, quais vão ser os parâmetros de convencimento que esta agenda vai trazer à comunidade científica, à população e aos cidadãos que convençam a estes segmentos de que vocês estão certos. Isso de alguma forma vai trazer um retorno importante para a sociedade amazonense? E isso não se quer discutir.
Foto: Band News Difusora