Foto: Secretária de Assistência Social em Maués, Renata Eliziário
Há dois anos a pandemia da covid-19 foi anunciada, e de cara, as três funções que exerço (mãe, filha e gestora) passaram por diversas mudanças comportamentais. Aqui por dentro muita coisa mudou, umas até ficaram mais fortes.
O medo da morte, que sempre esteve presente na minha vida, ficou pior. Medo de perder quem me era caro e medo de morrer precocemente sem dar tempo de organizar a rotina. A mulher gestora – ah essa – não tinha muita escolha: era linha de frente.
Como gestora da política de assistência em um município de médio porte no meio da floresta amazônica, comecei a ver o quanto a vida ficou cara e preciosa. Pessoas começaram a morrer e as famílias destes mortos exigiam serviços de humanidade e céleres.
Não era qualquer morte. Ela não dava trégua e nem dava tempo para se despedir. Precisei muitas vezes ir ao hospital anunciar óbitos e pedir para as famílias em questão de minutos se despedir e sepultar seus amores. Doeu muito e dói até hoje. Esperar do sistema serviços humanizados ficou urgente. Vai, garota, levanta a cabeça, enxuga as lágrimas porque as pessoas estão sofrendo e precisando do teu melhor.
O meu melhor poderia custar caro para mim e para os meus. Logo eu, com uma idosa em casa e uma filha (única filha de relação monoparental) com deficiência intelectual. Eu, mulher negra, ainda no mercado de trabalho, aos 40 anos, em um tempo de tantos desempregos. Pulei uma grande fogueira estatística.
As notícias a todo momento chegavam: entubou, está estável ou morreu. Passei por isso acreditando que guerra é guerra e essa bala perdida da pandemia era bilhete premiado da má sorte! Supliquei muitas vezes a Deus: piedade e misericórdia.
Antes, abraços e beijos de fato não eram meus forte, mas, desde então, senti a necessidade de tê-los todos os dias.
Fiz grupos novos de amizades para comunicar e trocar ideia dessa nova fase do mundo e outros desfiz por justamente aflorar sentimentos que a pandemia deveria de ter que extinto da terra. Teve muita solidariedade, mas faltou empatia.
O lado bom da vida na pandemia foi ver muitos milagres, muita ressureição! Vi também talentos aflorarem, criatividades que salvaram vidas no meu ambiente de trabalho e que puderam contribuir para diminuir a dor, o desespero e a fome.
Nas funções de gestão, as mulheres, embora maioria em números, são minorias em ocupar lugar de decisões, o que é digno de lamentação, uma vez que a percepção feminina diante de tomadas de decisões são imprescindíveis para um olhar mais abrangente das situações.
A mulher nesta nova sociedade pandêmica foi o indivíduo que mais sofreu consequências, com perdas sociais, psicológicas aflorando realidades de resignação e de convivências violentas.
No ambiente machista da gestão, mulheres precisam provar maior capacidade para fazer valer suas perspectivas e propostas de solução. Na pandemia, o olhar feminino foi fundamental para apontar boas e soluções práticas, que pudessem diminuir danos sociais e de saúde.
Um exemplo disso foi a produção de máscaras não somente eficazes, mas com assinaturas femininas mostrando segurança e eficácia. Quantos talentos descobertos!
Enfim, a lição não acabou! Continuo na fé e com o coração aberto para ter a melhor das experiências.
*Renata Eliziario é mãe da Hannah, filha da Dona Mocinha, Secretária de Assistência Social em Maués- AM, formada em Gestão Pública e especialista em Gestão do SUAS – Sistema Único de Assistência Social