
Ivânia Vieira *
A primeira pessoa, do singular, demarca a lógica de defesa do Polo Industrial de Manaus (PIM), matéria-prima da Zona Franca. Consequência: A ZFM, aos 53 anos, permanece em estado débil à espera do homem disposto a salvar o modelo de agência de desenvolvimento implantado nesta parte do Brasil.
Este é o enredo aplicado há mais de meio século e responsável pela naturalização de uma questão não natural.
Se o uso da primeira pessoa resolve, episodicamente, necessidades do ego de alguns em suas práticas políticas reducionistas, noutra perspectiva atua para ampliar a política de isolamento regional/local nos debates sobre as condições reais do modelo Zona Franca no século 21; gradualmente elimina a exigência do debate; afasta as representações da sociedade nessa discussão; ignora a institucionalidade como parte importante no trato do tema; e aprofunda o caráter privativista na análise de um assunto de enorme repercussão pública na Amazônia Ocidental.
O tempo do verbo encarnado na postura política dos representantes do Governo Estadual, dos parlamentares na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional é um dado valioso.
Precisa ser estudado e devolvido, como estudo, à sociedade como parte do
aprendizado exigido àquelas pessoas que se importam com o desenho socioeconômico-político do Amazonas.
A implantação do projeto ZFM dez anos depois da proposta apresentada em 1957, é fruto de decisão não coletiva, construída em ambiente fechado, esboçada dentro de uma visão da internacionalização da economia e da expansão do capitalismo.
O mundo à época vivia a guerra fria, dividido em lutas sangrentas e experiências ditatoriais em várias regiões. Na América Latina, esta era a realidade.
As implicações da ZFM na Amazônia e, particularmente, no Amazonas, vêm sendo estudadas, com foco diferenciado, por pesquisadores da Ufam, do Inpa, de outras instituições brasileiras e do exterior.
Há um volume expressivo de pesquisas colocado à disposição dos membros dos poderes, do setor produtivo e da sociedade organizada. No geral, é conteúdo ignorado por esses atores muitos dos quais pensam e agem como se carregassem no umbigo a solução de algo mais complexo.
Enquanto o verbo na primeira pessoa do singular individual e individualista é o recurso da estratégia de atuação no espaço legislativo x executivo, redistribuído em larga escala para possíveis eleitores, a instabilidade no PIM avança.
Enquanto o “eu faço”, “eu ameaço”, “eu tenho canal direto…” são superexpostos nas redes sociais pelos apoiadores do presidente da República (como se comporta a maioria dos oito deputados e dos três
senadores da banca do Amazonas no Congresso Nacional), a fragilização da única política de desenvolvimento do Estado é aprofundada.
O fantasma do desemprego, a realidade do emprego informal e da precarização da vida na cidade de Manaus e nos outros 61 municípios do Amazonas são tornados reais, provocam alucinações e instauram a modalidade do medo que faz reféns milhares de pessoas.
Nem os atores de Brasília e seus emissários em âmbito regional, nem a fatia mais generosa dos membros do parlamento e do executivo e do empresariado parecem dispostos a cumprir o que determinam os seus mandatos.
Nesse jogo do poder, falta compromisso real dos eleitos para com o povo do Amazonas.
*Ivânia Vieira é jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Ufam, doutora em Comunicação, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas) e articulista do jornal A Crítica.
* O artigo de Ivânia Vieira foi publicado no jornal A Crítica desta sexta-feira, dia 28.