
“Ainda bem que temos o Alencar”. Esta frase consta num dos diálogos extraídos dos telefones apreendidos na Operação Sangria. É a resposta de uma amiga da mulher do empresário e ex-policial Gutemberg Alencar, Helen Belota, após ouvir dela detalhes sobre o esforço do marido na compra de respiradores para o Governo do Amazonas.
Alencar é apontado pela investigação da Sangria e foi denunciado pela Procuradoria Geral da República como o operador ou “longa manus” (mão estedida ou executor de ordens) do governador Wilson Lima (PSC) no esquema que, segundo o MPF (Ministério Público Federal), fraudou um processo de compra para desviar recursos públicos do estado no momento em que as pessoas morriam por falta de leitos clínicos e de UTI.
No diálogo, usado como mais uma prova para indicar a participação do empresário no esquema e a proximidade dele do governador, a mulher do empresário afirma:
“Esses respiradores ali têm sido tudo que Alencar conseguiu, entendeu? É um imbróglio para te falar a verdade desse governo. Tu quer que eu te diga uma coisa? Na minha opinião, tá o Alencar e o Wilson tentando ajudar e o restante do governo inteiro tentando atrapalhar, entendeu? É impressionante. É uma corrente de gente despreparada, o Alencar me disse isso”.
E a amiga responde: “Ainda bem que temos o Alencar”.


Outro dado apresentado na denúncia pela PGR como demonstração da participação de Alencar no esquema é o depoimento do próprio governador Wilson Lima (PSC) admitindo que teve diálogo com o empresário e que partiu dele a indicação ao ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, para “ouvir” o ex-militar sobre a compra de equipamentos.
“Ele (GUTEMBERG LEÃO ALENCAR) não me ofereceu nada de ventiladores, de respiradores pulmonares, apenas disse que poderia ajudar e eu disse para que procurasse o TOBIAS … eu pedi que o TOBIAS o ouvisse (o ALENCAR) e entendesse que tipo de ajuda ele poderia dar naquele momento (…) eu não participei de nenhum compra, eu não tenho conhecimento da VINERIA, eu não sei onde a VINEIRA fica, não tenho relação com nenhum dos proprietários […]”, declarou o governador em depoimento.

O governador, no entanto, nega que tenha dado comando para irregularidade. Ainda assim, a declaração de Lima confirma informação fornecida à investigação em outros quatro depoimentos: da ex-gerente de Compras da Susam, Alcineide Figueiredo, do ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, do vice-governador Carlos Almeida Filho e do próprio Alencar.
A participação do empresário – como representante do governador na coordenação do processo que por meio dos documentos investigados na CPI da Saúde e na Sangria demonstram a fraude – veio à tona quando Alcineide revelou a reunião realizada na sala do ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, na presença do mesmo.
A ex-gerente de Compras afirmou que Alencar foi apontado como alguém que daria orientações a ela para as compras a mando do governador sob o conhecimento da Casa Civil, à época comandada pelo vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida.
Tobias disse, em depoimento, que foi o governador que mandou que ele ouvisse Alencar e a partir daí, segundo a investigação, Tobias viabilizou a influência de Alencar nas decisões de compra e acesso privilegiado aos documentos da contratação.
O vice-governador ao confirmar a atuação de Alencar da Saúde disse que não concordava e que, por isso, se afastou do governo porque queria “distância” de Alencar.
Alencar declarou que conversou com o governador e sugeriu importações de respiradores e que depois se prontificou a ajudar Tobias e Alcineide com o único intuito de ajudar a cidade por uma questão humanitária.
Questionado pelo blog em outubro do ano passado se havia se reunido com Alencar, Wilson Lima respondeu que não lidava com empresários.
Com alguns detalhes em divergência variando entre os denunciados, o fato é que o nome de Alencar aparece citado em vários outros documentos com farta demonstração de influência usados como prova – até num papel timbrado apreendido na casa da ex-secretária de Saúde Simone Papaiz.

A PGR classifica, na denúncia, como “inusitado” que uma pessoa sem vínculo com a administração pública mantenha poder de comando sobre a secretaria de saúde, mesmo após troca de secretários.
“Servidores públicos ocupantes de altos cargos no Governo – FLÁVIO era chefe da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e atualmente é Chefe da Casa Civil; SIMONE era Secretária de Saúde -, ao invés de coordenarem a ação dos seus subordinados, servidores públicos, a fim de dar cabo às demandas do Estado, passaram a agir sob a coordenação de um extraneus, mas que era, em verdade, longa manus do Governador.”, afirma trecho da denúncia.
Fraude
Conversas de WhatsApp entre o governador e o subsecretário executivo da Susam João Paulo demonstram, para a PGR, que ambos além de montar o processo de compras depois que o mesmo havia sido efetivado tentaram embaraçar a investigação.
Num trecho exposto na denúncia, Wilson Lima pergunta ao funcionário sobre os documentos da compra de respiradores na loja de vinhos e o mesmo responde que a ex-subsecretária da Susam Dayana Mejia estava apresentando resistência em assiná-los.
O governador pergunta se o subsecretário que a substituiu pode assinar e João Paulo diz que não.
A investigação mostra a transcrição do áudio em que João Paulo tenta convencer Mejia a assinar o autorização de compras depois da mesma ter sido efetivada e depois que ela já havia sido exonerada do cargo. A justificativa dele era que se não fizessem o governador e os secretários poderiam ser prejudicados em investigações no Tribunal de Contas.
“Wilson Lima, na condição de gestor, supervisiona toda a “montagem” do procedimento licitatório (feito a posteriori) que gerou o contrato fraudulento feito em favor da Vineria Adega. Na ocasião, ele possuía a ciência, bem como o controle da situação, de que o processo ainda estava sendo “arrumado”, tanto é que ele sugere/questiona para JOÃO PAULO se um outro servidor da Secretaria de Saúde, de nome “Ítalo”, poderia assinar parte dos documentos que ainda estavam sendo confeccionados, com data retroativa (…)”, afirma a PGR em outro trecho da denúncia.
Segundo a denúncia, o grupo pretendia agir em outras compras, o que não ocorreu em função da repercussão do caso na mídia.
Respiradores
De acordo com a denúncia, o esquema fraudou licitação e superfaturou a compra de 28 respiradores inadequados para intubação em abril do ano passado, quando logo no início da pandemia no País.
A PGR afirma que uma organização criminosa se instalou no governo do Amazonas e se aproveitou da situação de calamidade para desviar o dinheiro público.
Na segunda-feira, dia 26, foram denunciados Alencar, o governador Wilson Lima, o vice-governador Carlos Almeida, dois secretários e dois ex-secretários foram denunciados, além de funcionários de segundo escalão da Susam e outros empresários.
Na ocasião, bem como na segunda onda, o estado não teve controle do avanço da doença e o sistema de saúde colapsou pela primeira vez com pessoas morrendo sem atendimento de saúde, cadáveres se acumulando ao lado de pacientes nos leitos ou em caminhões frigoríficos nos hospitais. Cenas com pessoas sendo atendidas com sacos plásticos para improvisar respiradores e enterros em valas comuns chocaram o mundo.
Oito meses depois, o sistema de saúde voltou a colapsar numa dimensão ampliada pela morte por asfixia de pacientes e leitos de hospitais e testes em pacientes do Amazonas com inalação de cloroquina sem controle ético e legal comparado aos estudos nazistas.
Outro lado
O governador Wilson Lima afirmou, por meio de nota emitida pela Secom (Secretaria de Estado de Comunicação), que sua orientação foi garantir o atendimento à população, respeitando todos processos legais. Lima diz confiar no devido processo legal e destaca que a denúncia não traz em nenhum ponto eventual benefício recebido por ele no caso.
O blog tentou contato com o ex-subsecretário João Paulo, mas não conseguiu retorno. O empresário Alencar também foi procurado por meio do telefone 984XX-XX68, mas não respondeu às mensagens.
O vice-governador emitiu nota destacando que não foi indiciado pela PF, desqualificando a denúncia apresentada contra ele pela PGR e acusando o governo de corrupção. Ele nega participação no esquema.
De ajudante de ordem de Amazonino a “homem de confiança” de Wilson Lima
“Não determinei compra. Não lido com empresários. Se alguém cometeu crime, que responda”
Alencar é o 4° a confirmar participação dele e do governador na articulação da compra de respiradores