
Os cinco assassinatos da chacina no rio Abacaxis durante operação policial em agosto de 2020 no Amazonas “ajudou” a colocar o Brasil em posição de destaque no ranking dos países que mais matam defensores ambientais. As informações constam no relatório da organização internacional “Global Witness” divulgado há cerca de um mês.
A chacina é uma das três registradas durante o Governo Wilson Lima. Até agora, não houve denúncia e responsabilização de culpados. Segundo a Global Witness, os 20 assassinatos registrados no Brasil colocam o país como o 4º no planeta e 3º na América Latina entre os que mais matam pessoas que atuam em defesa do ambiente e de seus territórios.
A organização internacional fez um relatório sobre assassinatos de defensores da terra e do ambiente em todo o mundo e aponta que a violência também é resultado da crise climática, potencializada pela forma como exploradores e governos se relacionam com a natureza e seus protetores. A Global Witness classifica os defensores da terra como a “última linha de defesa contra o colapso do clima” e indica que governos deveriam garantir os direitos humanos e combater impunidade nestes crimes.
Abacaxis: “resposta dura”
A operação policial no rio Abacaxis iniciou com uma ordem pública do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), que exigiu “uma resposta dura” após a morte de dois policiais na região. A fala ocorreu durante um evento da SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública). A operação foi comandada presencialmente pelo comandante da PM-AM (Polícia Militar do Amazonas), coronel Ayrton Norte.
A onda de violência na região começou quando um funcionário do primeiro escalão do Governo do Amazonas participou, segundo o MPF (Ministério Público Federal), de pesca ilegal na região da Terra Indígena Coatá-Laranjal entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte.
Após registros de conflitos neste episódio, houve o assassinato de dois policiais. Na sequência, a exigência de resposta dura por parte do governador. E, depois, o relato de moradores sobre ameaças, torturas, abuso policial e cinco mortes de indígenas e ribeirinhos.
Os nomes das vítimas da chacina do Abacaxis – Anderson Barbosa Monteiro, Vanderlânia de Souza Araújo, Mateus Cristiano Araújo, Josimar Moraes Lopes e Josivan Moraes Lopes – constam entre os 20 ataques letais a defensores da terra no Brasil e 277 em todo mundo. Josimar e Josivan eram irmãos e indígenas Munduruku.
Vanderlânia era mãe de Mateus de apenas 14 anos. Os dois e Anderson Barbosa moravam na comunidade Monte Horebe, pertencente ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Abacaxis 2, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Na ocasião, após as denúncias dos moradores da região e a pedido do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, a juíza federal Raffaela Cassia de Souza determinou que a Polícia Federal enviasse um efetivo ao local do conflito alegando “potenciais abusos e ilegalidade relatados”.
A juíza federal determinou ainda que o estado do Amazonas se abstivesse “imediatamente” de impedir a circulação dos povos indígenas e ribeirinhos na região, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Os moradores relataram que os policiais os impediam da locomoção de rotina o que estava trazendo transtorno, inclusive, de abastecimento às comunidades atingidas pela violência.
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas também denunciou que a operação incluiu invasão de domicílio, condução ilegal, agressão e tortura, na frente do comandante-geral da PM, Ayrton Norte, de uma liderança ribeirinha. O comandante negou que tenha presenciado atos desta natureza.
Mortes se concentram na Amazônia: governos fecham os olhos
Segundo o relatório, mais de 70% dos registros das mortes de defensores ambientais do Brasil se concentram na Amazônia. Dentre os estados brasileiros, o Amazonas é o com maior número de assassinatos em 2020 e num só evento, a chacina no rio Abacaxis, foram cinco mortes de indígenas e ribeirinhos.
De acordo com a Global Witness, os governos fecham os olhos para os direitos humanos e, em muitos casos, são os agentes da violência. A organização destaca que 2020 foi o “ano mais perigoso já registrado para as pessoas que defendem suas casas, terras e meios de subsistência e ecossistemas vitais para a biodiversidade e o clima”.
“Os governos têm estado muito dispostos a fechar os olhos e falhar no cumprimento de seu mandato central de defender e proteger os direitos humanos. Eles não estão protegendo os defensores da terra e do meio ambiente, em muitos casos perpetrando diretamente a violência contra eles e, em outros, sendo cúmplices dos negócios.”, afirma trecho do relatório.
“A violência contra aqueles que protegem suas terras e nosso planeta também aumenta. Ficou claro que a exploração irresponsável e a ganância que impulsionam a crise climática também estão gerando violência contra os defensores da terra e do meio ambiente”, indica outro trecho do relatório da Global Witness.
Ainda segundo o relatório, os ataques letais ocorrem num contexto de “uma ampla gama de ameaças contra os defensores, incluindo intimidação, vigilância, violência sexual e criminalização”.
A organização acredita que há uma defasagem de dados em função da não divulgação dos ataques em todo o mundo. Em 2020, mais da metade dos ataques ocorreram em apenas três países: Colômbia, México e Filipinas.
“Sem uma mudança significativa, essa situação tende a piorar – à medida que mais terras são tomadas e mais florestas são derrubadas no interesse dos lucros de curto prazo, tanto a crise climática quanto os ataques contra os defensores continuarão a piorar”, diz outro trecho do relatório.
O relatório defende que os Estados devem garantir políticas pública de proteção dos defensores da terra e do meio ambiente e “descartar a legislação usada para criminalizá-los”, além de evitar a impunidade nestes tipos de crime como forma de combate à violência e o colapso do clima.
“Os defensores são nossa última linha de defesa contra o colapso do clima. Podemos nos animar com o fato de que, mesmo depois de décadas de violência, as pessoas continuam a lutar por suas terras e por nosso planeta. Em cada história de desafio contra roubo corporativo e grilagem de terras, contra poluição mortal e contra desastres ambientais, há esperança de que possamos virar a maré nesta crise e aprender a viver em harmonia com o mundo natural. Até que o façamos, a violência continuará”.
Outro lado
A reportagem solicitou informações sobre a investigação do caso à SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública), ao MP-AM (Ministério Público do Amazonas) e ao MPF (Ministério Público Federal), mas até o fechamento desta matéria não conseguiu respostas.
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