Rosiene Carvalho*
Há exatos 2 anos, a pandemia começou “oficialmente” no Amazonas. No dia 21 de março de 2021, cerca de uma semana após a confirmação do primeiro caso no estado, o governador Wilson Lima (PSC) decretou o fechamento do comércio e a diminuição de circulação de pessoas por 15 dias como tentativa de preparar o sistema de saúde e evitar o colapso dos hospitais. A data é um marco para a traumática posição que Manaus ocupou por duas vezes como epicentro da pandemia no País e também para os transtornos acentuados na vida das mulheres e suas diversas realidades no Estado do Amazonas.
A pandemia e o fechamento trouxeram medo e sofrimento a todos, mas foram as mulheres, que já viviam as consequências da desigualdade de gênero, que tiveram o maior impacto financeiro, emocional, de sobrecarga doméstica, do desemprego, do excesso de responsabilidade e da violência.
As mulheres do Amazonas sofreram tudo, a exemplo das demais, acrescentado ao pano de fundo: dois colapsos da saúde em menos de oito meses e as traumáticas mortes por desassistência e falta de oxigênio. Perderam pacientes, filh@s, pais, companheir@s, amig@s e suas próprias vidas. E continuam alijadas das políticas públicas e sem espaço que debata o que se passou e as consequências de tudo na vida delas.
Os casos mais graves da desigualdade de gênero são as alarmantes explosões de violência doméstica e de feminicídio. Os dados estatísticos do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontaram, desde o primeiro ano da pandemia, para o aumento de registros de violência doméstica e de feminicídio, como consequência do maior tempo de convívio isolado de mulheres com os agressores.
O Amazonas seguiu a tendência e registrou ampliação de 34% de registros de violência contra as mulheres, segundo dados divulgados pela SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas), em 2021. De acordo com o o Atlas ODS da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), a taxa de matança de mulheres aumentou em nove municípios do interior do Estado.
As tormentas pelo simples fato de ser mulher se espalham em vários setores exibindo as consequências de um sistema democrático falho onde as políticas públicas são pensadas, ditadas e executadas por homens.
De acordo com a Procuradoria da Mulher na Câmara dos Deputados, “o Brasil perde para quase todos os países da América Latina em percentuais de participação política de mulheres”. Até o Afeganistão tem percentual de representatividade maior com 27% de mulheres no parlamento, enquanto o Brasil tem 15% de mulheres como deputadas federais. No Senado, são 12%. O Amazonas não tem mulheres em nem uma das duas principais casas legislativas do País.
Durante a pandemia, a política pública que conseguiu expressar a diferença de gênero foi a aprovação do auxílio emergencial duplo para as mães solo em condições de vulnerabilidade. Mas quem se lembrou de questionar sobre onde e com quem as profissionais de saúde deixariam os filhos para cuidarem dos doentes sem correr o risco de infectá-los ao voltar para casa? Vamos incluir, nesta aflitiva decisão e culpa -a companheira infalível das mulheres-, as mulheres da segurança, da informação e da assistência social, todas também da linha de frente.
O acréscimo da pressão sobre as mulheres se dá por meio das mais diversas – e perversas – relações sociais nos ambientes familiares, de trabalho, religioso, ensino e afetivo. Nesses espaços, também há violência e dor quando se impõem silêncio e invisibilidade até para falar sobre as desigualdades que oprimem e punem mulheres de todas as formas que podem, inclusive e principalmente, por serem elas o canal da mais elevada função na Terra: dar continuidade à vida no planeta.
O especial “Amazonas: as mulheres e a pandemia” que o blog traz nesta data marco do efeito da covid-19 na vida das mulheres, e no mês dedicado a elas, é um exercício jornalístico e também político no ouvir, falar e aprender. Oito mulheres e uma menina do Amazonas contam, de diferentes perspectivas, como identificaram seus limites, suas possibilidades, seus lugares no mundo interno e externo durante a pandemia. Vale a leitura de cada um dos artigos. Vale também o exercício de ouvir, com a mesma disposição, as mulheres que cercam nossas vidas.
E é a voz, a fala, o espaço do diálogo e da audiência, o compartilhamento de experiências e as possíveis reflexões sobre o que nos aproxima e distancia na condição de mulheres, numa sociedade machista, as principais engrenagens de mudança que temos de acessar.
É urgente que possamos nos ouvir e nos enxergar mais, dentro das nossas realidades. Buscar meios de dar basta ao que nos exclui, oprime, nos traz sofrimentos e também nos mata de forma violenta ou por meio da exaustão e do esgotamento mental, tantas vezes experimentados na pandemia.
2022 é especialmente urgente porque somos maioria na população, somos maioria no mercado de trabalho, somos maioria como chefes de família e somos maioria como eleitoras. Somos, nós mesmas, a esperança de mudança.
P.S.: Agradeço à parceria da professora da Ufam Grace Soares na concepção desse espaço de vozes de mulheres do Amazonas e troca de experiências.
*Rosiene Carvalho é neta de Rosalina Carvalho, mãe solo da Sophia Maria, jornalista responsável pelo blog, colunista de política da rádio BandNews Difusora, colaboradora de veículos nacionais na cobertura da pandemia da covid-19 em Manaus
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