
O sênior campaigner do Greenpeace Brasil, o ativista Danicley de Aguiar, criticou o uso de atividades predatórias da floresta como alternativa de desenvolvimento regional e o silêncio da classe política do Amazonas diante dos acontecimentos recentes envolvendo garimpo ilegal no estado.
Na semana passada, centenas de balsas se alojaram nas proximidades do município de Autazes, a 112 quilômetros de Manaus para extração ilegal do minério. As imagens circularam o mundo, o que dispersou os garimpeiros e, na sequência, uma operação da PF (Polícia Federal) queimou cerca de 130 balsas, o que expôs que parte delas eram operadas por ribeirinhos.
Para Danicley de Aguiar, o baixo desenvolvimento humano regional não pode ser justificativa para que a floresta e o meio ambiente sejam degradados. Ela critica o silêncio de quem deveria formular política pública para combater a vulnerabilidade social das famílias que garimpam.
“O silêncio de quem deveria formular política pública é o que mais preocupa. Não é possível que numa situação deste tamanho, os políticos que estão envolvidos na construção de políticas públicas silenciem da forma como estão silenciados. Estamos acompanhando aqui. Pouca gente tem comentado essa situação”, disse o ativista.
Danicley afirma que o fim da ilegalidade e das atividades que agridem o meio ambiente, bem como alternativas sustentáveis para a população, só virão por meio de políticas públicas.
“Não dá para achar que o fim do garimpo vai se dar por mágica ou por vontade de um ou de outro. O fim do garimpo na região amazônica vai se dar por meio de políticas de desenvolvimento que sejam capazes de fazer uma transição ecológica que nos permita construir alternativas de renda que sejam capazes de conviver com a floresta, como já existem iniciativas que utilizam-se dos recursos da floresta sem predá-lo. Isso é possível.”, defendeu o representante do Greenpeace.
O ativista argumenta que o Amazonas é um polo de turismo usando a floresta como principal recurso e isso é uma prova da possibilidade de alternativas à região. Ele argumenta, ainda, que há uma série de cadeias produtivas que podem conviver com a floresta. Mas que, para isso, é importante que as políticas públicas apoiem essas iniciativas.
“Que inclusive promova geração de emprego e renda dentro dessas cadeias para que essas famílias em estado de vulnerabilidade social sejam incluídas neste ciclo econômico positivo. (…) Cabe ao Estado estimular, aprovar medidas que estimulem e dinamizem a economia regional sem necessariamente ter que usar a atividade predatória como estratégia de desenvolvimento”, disse.
Doutor em física do ambiente da Ufam defende ordenamento da Bacia Hidrográfica
O biólogo e doutor em física ambiental e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Marcelo dos Anjos defende que antes de desenvolvimento de atividades na região é necessário promover o ordenamento da bacia hidrográfica com a participação dos estados brasileiros e de outros Países.
“Antes das atividades serem desenvolvidas se faz necessário o ordenamento da bacia hidrográfica, entender a dinâmica sobre como funciona e tentar ordenar a bacia hidrográfica, pensando em minimizar os possíveis impactos e essa condição que hoje lamentavelmente a gente tem passado”, afirmou o professor.
Marcelo dos Anjos afirma que toda atividade de garimpo no Madeira é ilegal e mesmo com a atuação dos ribeirinhos há uma cadeia de financiamento da ilegalidade que ganha dinheiro e explora o trabalho dos mesmos, que nunca mudam a condição de vida.
“O que eu entendo é que essas pessoas que hoje estão trabalhando no garimpo são cooptadas ou estão trabalhando para outras pessoas, que na verdade tem maior poder aquisitivo na região. Basicamente nunca mudam sua condição de vida. É utópico. Você não conhece nem um garimpeiro que esteja em cima de uma draga, operando essa draga, e tenha ficado milionário por conta dessa extração de ouro”.
O professor acrescenta: “A questão do garimpo é muito imediatista. Isso deixa o pescador ou o ribeirinho deslumbrado porque ele vê a possibilidade de mudar de vida da noite para o dia. Mas acaba sendo o famoso sonho dourado e ele pensa que aquilo vai virar uma rotina”.

De acordo com o professor, a rotina da atividade do garimpo, na verdade, garante apenas danos crescentes à bacia hidrográfica.
“As áreas de garimpo são sempre mutáveis. Exploram por um tempo e, quando não conseguem tirar aquela quantidade de outro, tiram a draga dali já procuram um outro ponto. E isso vai causando um dano para a bacia muito maior”, disse.
Outra questão que o professor da Ufam considera “crucial” para que a situação não se repita é que os órgãos ambientais tenham uma infraestrutura de trabalho e exerçam a fiscalização com recursos humanos suficientes para fazê-lo.
O doutor em física ambiental afirma que “é preciso políticas públicas direcionadas para a importância da preservação das bacias hidrográficas e dos mananciais” e alerta: “Não é algo tão simples (…) A única solução é fomentar políticas públicas que possam manter, por exemplo, os pescadores na pesca, pensar no solo, no zoneamento econômico ecológico. Ordenar o território, traçar estratégias socioambientais. Essas são alternativas viáveis para a Amazônia”, disse.
“A gente só muda este cenário triste com políticas públicas inclusivas com a participação social. Só dessa forma a gente consegue alterar esse nível de degradação”, afirmou Marcelo dos Anjos.

Política compensatória é necessária, diz ex-juiz de Humaitá
O juiz Luiz Cláudio Chaves que atuou entre 1998 e 2005 em Humaitá, na calha do Madeira e onde se concentram muitas balsas de extração de ouro, disse que o episódio deixou claro a necessidade de discutir uma política compensatória para as famílias que sobrevivem dessa atividade que precisa ser combatida.
“Porque está claro que eles não podem continuar esta atividade. É evidente, poluiu os rios, prejudica a cadeia produtiva de quem vive da pesca de subsistência porque contamina os peixes. Mas acho que a política não pode ser só queimar essas balsas. Acho que deveria ter algo como tem o seguro defeso para os pescadores. Pelo menos por um tempo para essas famílias sem estruturarem e se voltarem para outras atividades. Ao mesmo tempo, a política precisa investigar se e para quem eles trabalham. Quem financiou? Não é barato um equipamento daquele”, afirmou.
Sociólogo afirma que elites regionais lucram com a manutenção de ilegalidades, que são mercados centrais nas economias locais
Para o sociólogo, Fábio Candotti a solução para os conflitos na Amazônia não virá por meio de “mais polícia e, muito menos, mais exército”. Ele defende que é urgente valorizar economias menos violentas e mais sustentáveis.
“Minérios, madeira, gado e drogas são mercados centrais para a nossa economia regional e, mais ainda, para algumas economias locais. Esse é o problema. Se há conflitos violentos não é por ineficiência da segurança pública é pela forma como ela mesma atua, ou seja, com violência”, avaliou o sociólogo.
Candotti disse que há exemplos recentes no Estado do Amazonas que apontam para a participação direta de agentes públicos na operacionalização da ilegalidade. “Recentemente, tivemos o chefe da Inteligência do estado preso por conta disso. Do outro lado, veja quem são as pessoas presas. A questão não é que elas sejam enganadas, mas só são presas e têm seus bens destruídos por serem pobres, negras e indígenas.”, disse.
No dia 9 de julho, foi deflagrada pelo MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) a operação Garimpo Urbano que prendeu o secretário executivo de Inteligência do governo do Amazonas, o delegado da Polícia Civil Samir Freire. Samir é acusado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) da suspeita de roubar ouro de garimpos ilegais com uso da estrutura de pessoal e tecnologia da SSP-AM.
O sociólogo Fábio Candotti afirma que os grupos que ocupam o estado têm interesse em manter a ilegalidade porque lucram e não são eles que morrem ou são presos.
“As nossas elites, regionais e nacionais, têm muito interesse nesses mercados e até mesmo na manutenção de alguma ilegalidade. Mas elas raramente vão presas ou morrem em conflito.”, disse.
A propósito do garimpo no rio Madeira
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