
José Alcimar de Oliveira*
(…) mas está já evidente que se o homem não é humano, também sua externação da essência não o pode ser (Marx)
A despeito da patológica apropriação burguesa das festas e celebrações comemorativas de alcance social e religioso, de sua compulsão por tudo transformar em dispositivo consumista e sempre acompanhado de culpa (porque sente-se culpada, culpado, quem não consegue converter – conversão impossível – amor ou solidariedade agápica em gesto de consumo), é preciso que a classe trabalhadora, armada de organização e consciência de classe, retome para si o sentido gratuito e solidário das festas (dos pais, das mães…) de que foi expropriada pela disseminada forma burguesa e egoísta de vida.
A essa forma de vida o Mouro de Trier (já em 1847) denunciava “como tempo da corrupção geral, da venalidade universal, ou, falando em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, ao converter-se em valor venal, é levada ao mercado para ser apreciada no seu mais justo valor”. Afinal, no chamado “reino dos fins”, conforme o velho Kant, “tudo tem ou um preço ou uma dignidade”. Mas há coisas que estão acima dessa determinação burguesa. “Portanto, não admitem equivalência, porque têm elas dignidade”.
Presentes não substituem nem podem compensar ausência de solidariedade e amor fraterno, paternal ou filial. Em memória dos pais que partiram, mas dignificaram a paternidade, biológica ou espiritual, o reconhecimento necessário. E aos pais (biológicos ou não, mas mamíferos humanos) que vivem a paternidade como solidariedade humana e classista, que assumem, no cotidiano da luta, a responsabilidade social, agápica e ética pelo mundo, os mais fortes e bons afetos spinozistas, com bom ânimo e saúde para seguir em frente e construir, no presente, formas coletivas e decentes de existência.
*José Alcimar de Oliveira, teólogo não ortodoxo e sem cátedra, filho orgulhoso do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe, iniciou sua formação fundamental em Jaguaruana, Ceará. Escrito em Manaus, AM, na Festa dos Pais, no dia 13 de agosto de 2023.
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