“Busca-se desqualificar as pessoas, deixando de lado o que dizem”, analisa sociólogo

Foto: Marcelo Seráfico (Divulgação)

O doutor em Ciências Sociais, Marcelo Seráfico, analisa que artistas, youtubers e a internet criaram um novo instrumento de pressão social e que políticos e setores tradicionais não sabem lidar com a lógica democrática do meio. A reação elege a desqualificação desses agentes como estratégia de defesa.

Seráfico destaca que políticos tentam usar a internet como meio de promoção de suas imagens, mas não sabem reagir diante das cobranças e exposições que o meio permite e exige.

“Tem sido curiosa a resposta de setores tradicionais da política – políticos, sindicalistas, intelectuais, como têm reagido aos novos agentes, particularmente aos youtubers, mas também aos novos modos de fazer pressão, como o vídeo. Em geral, busca-se desqualificar as pessoas, deixando de lado o que dizem”, declarou o sociólogo.

Seráfico afirmou que a reação do deputado Marcelo Ramos, nesta semana, dá o tom geral da classe política, nestes casos. Para ele, os políticos “parecem não apresentar interesse em discutir se as críticas fazem ou não sentido”.

“Aliás, qual a urgência, numa época como a de agora, de se votar um projeto polêmico e que, numa democracia, deveria receber toda atenção dos vários segmentos da sociedade que tem o que dizer. Os artistas reivindicam algo muito simples: que o projeto seja mais discutido e votado apenas depois disso. Por que a reação destemperada?”, questionou o sociólogo.

Ramos virou alvo da cobrança da classe artística sobre a situação da pandemia no Amazonas. Mas o silêncio, na avaliação do professor de Ciências Sociais, acomete a toda classe política.

“Minha impressão é a de que ou não sabem o que fazer ou estão fazendo algo muito grave na surdina. O Marcelo Ramos estava dedicado às articulações para se tornar presidente da Câmara. A bancada amazonense, bolsonarista, deve estar tendo dificuldade para traduzir as barbaridades presidenciais em vantagens eleitorais. Zé Ricardo, o único desalinhado, parece não ter muito a dizer. Infelizmente, à direita e à esquerda o que temos é um vazio de alternativas”, declarou.

Para Seráfico, os acontecimentos e as posturas políticas adotadas por ação ou omissão neste momento deveriam ser usadas para que a população perceba a que interesses servem os políticos eleitos para representá-los.

“O máximo que se vê entre os que se dispõem a representar o povo ou os Estados e entre os que governam municípios e Estados é a pretensão de serem bons gerentes de linhas de produção bem estabelecidas. Não há nenhuma questionamento sobre para que e para quem governar. Eles têm a imaginação de uma planilha. Uma planilha na mão e nenhuma ideia na cabeça. Um deserto”, disse.

MP da Grilagem

Artistas e MPF criam constrangimento para o deputado federal Marcelo Ramos (PL), há cerca de uma semana, ao questionar num vídeo que circulou na mídia e redes sociais as consequências da MP da Grilagem e o andamento dela enquanto os efeitos imediatos da pandemia assolam a população.

No vídeo, os artistas colocaram em evidência o caos no sistema de saúde e funerário que atinge os amazonenses.

Em resposta, Ramos fez um vídeo. Nele, o deputado disse atender o estado do Amazonas com emendas, que foi o primeiro a falar sobre a “carnificina” que ocorrerá se a pandemia chegar às aldeias e desqualificou o apelo dos artistas, convidando-os a ler a matéria a debater com ele publicamente.

O deputado chamou ainda os artistas, alguns respeitados internacionalmente como intelectuais, de “covardes” por usarem imagens do sofrimento das famílias dos amazonenses, gente que ele “conhece de perto”.

O deputado afirmou que os artistas conhecem a Amazônia da perspectiva do “conforto dos apartamentos deles”, a partir da internet ou em visitas a passeio.

No dia seguinte ao vídeo resposta do deputado, o MPF (Ministério Público Federal), emitiu uma nota técnica assinada por vários procuradores alertando que aprovação apressada da matéria relatada por Ramos poderia incentivar o aumento de crimes ambientais na Amazônia.

Depois veio a público, o vídeo da reunião do presidente Bolsonaro com ministros em que o ministro do meio Ambiente, Ricardo Sales, propõe usar a ocupação da imprensa com a pandemia para “passar a boaiada” na área ambiental.

Alegando que o governo tentava alterar o projeto, Ramos retirou o mesmo de pauta, na sequência dos acontecimentos.

Outro lado

Procurador pela reportagem para comentar o assunto, o deputado Marcelo Ramos disse que subiu o tom no vídeo com os artistas pelo uso da imagem do sofrimento dos amazonenses num assunto que não tinha ligação com a pandemia. Para o deputado, destemperado foi a “exploração do sofrimento dos amazonenses” no vídeo.

“Isso merecia uma resposta e só não fica do meu lado quem não é amazonense”, disse.

O parlamentar lamentou a opinião do sociólogo sobre ele. “Virou modinha ficar apoiando essa postura de artistas. Acho que meu amigo Marcelo Seráfico, por quem tenho muito respeito, foi por este caminho”, afirmou o deputado.