Como fechar e iniciar ciclos num final de ano marcado por perdas e indiferença?

O último Exclusiva de 2021 no formato podcast fez um debate sobre inícios e fins de ciclos num ano marcado por um ciclo não fechado em 2020, por perdas de vidas humanas, sofrimentos e indiferenças. Simples expectativas de fim de calendário criam um ano novo, um ciclo diferente? Como fazer um mundo melhor interna e externamente?

Para o debate, o Exclusiva entrevista Sérgio Thiesen, médico, físico e palestrante da FEB (Federação Espírita Brasileira) e José Alcimar, professor da Ufam (Universidade Federal do Amaonas) e filósofo. O segundo bloco conta ainda com Adeilson Salles, filósofo, escritor e psicanalista, que fala especificamente sobre como lidar com este processo em relação ao que sentem crianças e adolescentes.

O Exclusiva foi gravado no dia 20 de dezembro ao vivo na rádio BandNews Difusora (93.7), em Manaus, com a apresentação dos jornalistas Alex Ferreira e Rosiene Carvalho.

Ouça o podcast ou acompanhe a live do programa no final desta matéria.

Destaques

José Alcimar, filósofo e professor da Ufam: “Os ciclos da vida humana eram mais regidos pela força da natureza: plantio e colheita. Esta já não é a marca da época contenporânea, do século 21. O ciclo da existência e da própria natureza são submetidos à força da técnica, da tecnologia. E à força do capital, diferente em cada País. Estamos diante de uma pandemia em que vida e morte foram banalizadas. Sempre que chegamos no final de ano, a gente pensa: o que fizemos do ponto de vista pessoal e coletivo, político?“.

A questão que se põe, diante de cliclos e celebrações, é que devemos pensar isso como um processo. Não podemos cair na ilusão de que de forma mágica 2022 será completamente diferente de 2021. Se pensarmos do ponto de vista histórico, haverá muito de 2021 em 2022 porque é uma questão estrutural, não muda de uma hora para outra”.

“Por mais belas que sejam as manifestações e enfeites natalinos, nada disso tem como encobrir a situação dramática que temos no Amazonas, em Manaus, no Brasil que, como todos nós bem sabemos, no início de 2021, se tornou o centro mundial da pandemia. Não podemos atribuir isso a forças naturais. Tudo ocorreu por estruturas e decisões políticas que persistem. Vivemos um processo que atenta contra a vida. A vida é sempre fim e não meio.”

“Sócrates dizia que uma vida sem reflexão não é uma vida digna de ser vivida. Então, a passagem de clicos e dessa situação que nós brasileiros estamos vivendo deve nos convidar a uma reflexão. Porque, do contrário, a gente termina sendo levado e perder a autonomia. Insisto na ideia que devemos pensar na questão do clico a partir de uma reflexão do nosso próprio tempo. A gente vive o tempo como espaço de reflexão ou vive o tempo como objeto que não ter poder de interferir? O espaço de reflexão é necessário para a gente se assenhorar do tempo. O problema é que o tempo está submetido à política deliberada da morte, sofrimetos pessoal e social.”

“O tempo que não se transforma em espaço de formação, o tempo que não é cultivado como reflexão, vai ser ocupado por toda essa carga de propaganda ideológica que vende uma realidade que é falsa, que é o que a gente está vivendo neste País: um processo de negação da história, falsificação da memória. Parte dessa elite opera isso de modo deliberado e perverso, sobretudo em relação aos empobrecidos que não têm meios de fazer leitura de toda essa máquina de propaganda e fakenews. Pensar sobre ciclos deve incluir essa ideia. Para que a gente não aceite a realidade na forma de simulacro”.

Sérgio Thiesen, médico, físico e palestrante da FEB (Federação Espírita Brasileira): “É uma questão muito complexa porque há inúmeros aspectos que estão como que superpostos, relacionados à ciência, à natureza, ao vírus, a questões políticas, questões filosóficas, a limitações de entendimento das pessoas que, por circunstância, têm poder decisório que envolve a vida alheia. Não posso deixar de refletir que vivemos num mundo, que é o planeta Terra, muito atrasado que vive um ciclo longo que os espíritas chamam de provas e expiações. Expiações são questões de sofrimento, especialmente doenças. Temos milhares delas e agora, de dois anos para cá, um vírus letal a um determinado percentual em meio a um planeta com muitas dificuldades, dirigentes de Países ao redor do mundo tentando, alguns deles, fazerem o melhor por suas populações. Outros, nem tanto”.

“Todos nós queremos concluir esta etapa do vírus, mas a ignorância das pessoas, dos dirigentes, têm sido tamanha que vamos encerrar o ano de 2021 no calendário, já estamos em janeiro sem concluirmos nada das questões anteriores. Em alguns lugares, o sofrimento é muito maior. Em função de toda uma falta de empatia, indiferença em relação à vida humana. Estamos vendo isso acontecer por meio daqueles que, pelo cargo que ocupam, deveriam ser os primeiros a estabelecer todas as pontes entre a ciência e a vida do dia a dia das comunidades. Estão construindo barreiras, muros e gerando dificuldades muito maiores. Do ponto de vista médico e sanitário, o que estamos vivendo no Brasil há dois anos é uma calamidade, que só não é maior porque temos a Anvisa, a Fiocruz, o Butantan, o SUS, funcionários e pessoas humildes, simples, mas muito dedicadas procurando multiplicar a vacinação e trabalhando contra o negacionismo”

“Uma outra questão que é humana e espiritual: quem nós somos? Há um luto e cada uma vai reagir da sua forma, de acordo com a sua sensibilidade, com a sua maturidade espiritual, emocional, mas existem aqueles que são indiferentes nisto também. As famílias estão sendo devastadas pela crueldade de pessoas que deveriam amar a sociedade e, na verdade, parecem que a odeiam”

“A morte física, a desencarnação como chamamos, não é o fim de tudo. Ponto. Somos imortais. Mas isso não significa que nossa dor será menor”

“Temos um vírus com percentual de letalidade e temos pessoas completamente frias, insensíveis, abandonando o barco da empatia, da comunhão de sentimentos. Então, é um ciclo que não fecha”.

Adeilson Sales, psicanalista, escritor e filósofo: “A criança é capaz de perceber tudo que acontece à sua volta, estados de hostilidade e irritação. Com a pandemia e a necessidade ficar em casa, os pais começaram a se deparar com a realidade de que nem sempre o problema é a escola, mas a falta do adulto, da conversa”.

“Os adultos não respeitam o sofrimento psíquico da criança e do adolescente. Quando a criança se queixa, o adulto simplesmente diz: vai brincar que passa. Acreditam que dando um brinquedo ou qualquer coisa que substitua a presença humana do afeto…essa é a realidade que existia antes da pandemia. Respeita-se muito pouco quem a criança e o adolescente são.”

Abandone o autoritarismo e adote a autoridade. As crianças e adolescentes precisam da presença dos pais. Vivemos hoje o tempo dos órfãos emocionais. Os pais estão dentro de casa, mas não estão dentro da vida dos filhos.”

“É fundamental um processo de empatia, olhar o mundo pelos olhos da criança. A criança precisa de segurança, de estar bem alimentada e precisa de afeto. Nenhum processo educativo se dá na base do grito, do berro, do adjteitvo e da comparação. É fundamental nos aproximarmos das crianças e adolescentes com intuito de levarmos uma educação que nós possamos de fato participar da vida educativa deles.”

“Na retomada desta quase normalidade que estamos começando a viver, é importante repessar se a melhor escola é o mais importante. Jovens que estudam nas melhores escolas se suicidam. Num tempo que o desvalor tem tanto valor, devemos pensar seriamente na educação ético-moral que os nossos filhos precisam. Pais e mães, parem de falar com seus filhos e comecem a conversar. Só assim você vai conhecer quem está dentro da sua casa”.

Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus:Nossas vidas são círculos. Fechou um, abriu outro. Assim vai a vida inteira até chegarmos à plena maturidade e santidade. Os momentos que estamos passando são realmente ciclos. Temos essa impressão, mas também vamos percebendo que os ciclos da dor vão se fechando. Claro que nem sempre cicatriza. Mas abre pespectivas novas, se prestarmos atenção podemos perceber o valor da vida, da presença do outro, da dor. Tudo isso nos faz mais humanos. Talvez nos torne mais divinos. Essa percepção que a vida é um crescer, mesmo na dor, no sofrimento, nós crescemos. Nós maturamos. “

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