Contato de Mandetta no AM, médica diz que falta cloroquina e Susam não requisita reposição

Foto: Vice-presidente do Sindicato dos Médicos Patrícia Sicchar (Sindicato dos Médicos)

A vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas e médica do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), Patrícia Sicchar, declarou que o Amazonas está desabastecido do medicamento cloroquina, que o Ministério da Saúde tem estoque para enviar e que o estado não tem reposição porque a Susam (Secretaria de Estado de Saúde) não requisitou o remédio.

Usada em discursos com o intuito de criar polêmica política pelo presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), a cloroquina foi librada para o tratamento da covid-19 pelo Ministério da Saúde com a recomendação de que o uso do medicamento seria decisão entre médico e paciente. O ministério também ressalta o fato de que não há comprovação científica de sua eficácia e nem de suas consequências ao organismo humano infectado pela covid-19..

A cloroquina é usada para tratar pacientes de malária e lupus e tem sido receitada por muitos médicos aos pacientes diagnosticados com a covid-19.

“Falei com o ministro ontem (terça-feira, dia 14). Disse que não temos cloroquina na rede pública e que os pacientes não encontram para comprar aqui em Manaus. Ele (Luiz Henrique Mandetta) me disse que não tem nenhuma solicitação do remédio na secretaria. Tem cloroquina para enviar e a secretária não pede. Isso é gravíssimo”, declarou.

A médica disse que, mais uma vez, pediu socorro ao ministro Mandetta. Na semana passada, durante uma coletiva do Ministério da Saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o tamiflu, medicamento usando no tratamento da H1Ni, estava sem estoque em Manaus e que a cidade tem índices crescentes da doença também.

Na live do ministério, Mandetta disse que foi alertado do problema pela “doutora Patrícia”. O nome da vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas foi citado outras vezes pelo ministro nas coletivas nacionais em contexto de fonte de informação sobre a situação em Manaus.

Por outro lado, quando citou o executivo estadual, o ministro usou tom de crítica. Foi quando houve troca no comandado da Susam.

“É criminoso o que está ocorrendo. Tem remédio para ser enviado para o Amazonas e ela (secretária de Susam, Simone Papaiz) não pede. É como se estivéssemos às mil maravilhas aqui. Agora, o ministro já sabe que não tem. Eu pedi socorro. Disse: ‘Ministro, socorro. Mande remédio para o Amazonas'”, afirmou a médica.

Segundo a vice-presidente do Sindicato dos Médicos, o tratamento para a covid-19 envolve de 8 a 10 comprimidos de cloroquina, entre outros medicamentos. Só a cloroquina, segundo ela, sai entre R$ 80 e R$ 90 reais, nas farmácias de manipulação. Na drogaria, custava cerca de R$ 75. A médica destaca que, no entanto, o medicamento está em falta até para compra.

Susam informou que Delphina tinha apenas três vagas em UTI nesta quarta-feira.

Patrícia Sicchar relata colapso no sistema de saúde e que o estado está no limite do atendimento e que o pior é a falta de respiradores.

“Ontem (terça-feira), foram mais de 60 solicitações de remoções no Sister (sistema de saúde da rede pública estadual) e não tem vaga. Para o hospital de campanha da prefeitura, já conseguiram transferir. Recebi o relato de um profissional da Saúde de um SPA. Ele diz q foi um dos piores plantões da vida dele. Sem funcionários e as pessoas com medo e pedindo ajuda. E ela disse que a úncia coisa que podia fazer era orar porque não tinha como remover os pacientes. Não tem para onde transferir. O Delphina não tem  vaga”, disse.

Na live desta quarta-feira, dia 15, a secretária da Susam informou que dos 75 leitos de UTI com respiradores do Delphina Azz, havia apenas três vagas às 8h da manhã de ontem.

Segundo informação divulgada pela Secom (Secretaria de Estado de Comunicação), o governador Wilson Lima anunciou a abertura de 45 novos leitos no Delphina Aziz. Serão 25 de UTI e 20 clínicos. “Com isso, o hospital passa a operar com 100 leitos de UTI disponíveis para pacientes com o novo coronavírus”, diz o release.

Ainda segundo a Secom, ‘com a oferta de mais 25 leitos de UTI, o Delphina Aziz passa a usar toda a capacidade instalada do quarto andar da unidade. Já os 20 novos leitos clínicos que também serão abertos passarão a ocupar o quinto andar do prédio”.

Nos informes do governo não há clareza de quando os leitos passam a funcionar.

” A gente também adoece vendo os pacientes doentes”

Patrícia Sicchar disse que ver pacientes novos agravando e com medo de morrer e a falta de condições de tratamento deles nas unidades da saúde é um quadro desesperador, até para profissionais acostumados com a realidade do sistema de saúde.

“Tem médicos, enfermeiros e auxiliares se afastando por covid-19. Já chorei muito hoje. O que podemos fazer é falar com vocês jornalistas, denunciar aos deputados. A gente também adoece vendo nossos pacientes doentes”, declarou a médica que chorou durante a entrevista.

Para a vice-presidente do Sindicato dos Médicos a gestão mal feita do sistema de saúde agrava a crise durante a pandemia que deve ter registros maiores e de maior pressão no sistema de saúde nos próximos dias.

“O Amazonas precisa de socorro. Esse cara está brincando. Não é roleta russa. Ele está apontando para a cabeça das pessoas e matando. É criminoso ter remédio para ser enviado e não haver pedido da secretaria”, declarou a médica.

A médica indicou que o cara a que ela se referia é o governador do Estado do Amazonas, Wilson Lima.

Tomografia em falta e João Lúcio lotado

Patrícia Sicchar disse que recebeu nesta quarta-feira, dia 15, imagens do Hospital João Lúcio, na Zona Leste de Manaus, com salas lotadas com pacientes da covid-19.

“Hoje recebemos imagens do João Lúcio. O politrauma, que é para receber acidentados e pessoas com atendimento neurológico, todo está com pessoas com covid.. O João Lúcio não era para estar recebendo paciente com covid, se temos um hospital referência. Está errado”, disse.

Outro problema para oferecer tratamento mais rápido aos pacientes em função da rapidez e agressividade do coronavírus no pulmão é o baixo acesso à tomografia, segundo a médica.

“Não tem tomografia para todo mundo. Um paciente chegou no 4º dia de doença com 50% do pulmão tomado. É rápido demais. A gente não sabe mais o que faz. Me sinto impotente do meu paciente de 30 e poucos anos dizer não quer morrer. O que eu falo?”, disse Patrícia Sicchar

FMT: “Estamos desestimulando o uso da cloroquina”

O médico infectologista da FMT-HVD ( Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado) Marcus Lacerda declarou na live do Governo do Amazonas, com base na observação dos pacientes da covid e em estudos recentes sobre a cloroquina, que desestimula o uso do medicamento.

“Existe uma pressão muito grande da sociedade em face das dúvidas. E a própria população tem solicitado que seja prescrito. Nos não estamos mais recomendando cloroquina e estamos desestimulando. Até porque cardiologistas do mundo inteiro dizem que a cloroquina tem potencial de ser tóxica para o coração, especialmente associada com azitromicina”, disse.

O médico afirmou que o medicamento deve ser usado por pacientes que estejam participando de estudos sobre os efeitos e deve ser acompanhado. Ele afirmou que há relatos de médicos de danos cardíacos, resultado do uso do medicamento, e que pacientes tem chegado nas unidades em função de uso da cloroquina.

“A Associação Americana de Doenças Infecciosas publicou um guia de tratamento e manejo de pacientes com Covid. Nesse guia, eles são muito enfáticos em dizer que as pessoas só devem usar cloroquina ou azitromicina no ambiente de pesquisa. Elas têm que estar sendo monitoradas por um médico e sob um regime de pesquisa clínica para que se possa fazer o uso da medicação. Não há qualquer evidência no planeta de pessoas que usam cloroquina não vão desenvolver forma grave ou não, afirmou.

Ele acrescentou: “Na verdade, a gente já está vendo isso na prática. Várias pessoas que tem chegado aos hospitais em uso de cloroquina e estão agravando”.

O médico informou que a FMT auxiliou o Ministério da Saúde e a Secretaria de Ciência e Tecnologia a construir um guia de uso da cloroquina em pacientes graves com baixa dosagem e que continuam os estudos no Delphina Aziz sobre os resultados do medicamento no tratamento.

“Um dos primeiros lugares do mundo a começar a fazer uso da cloroquina nos pacientes doentes para estudo foi aqui no Delphina Aziz. A Fundação de Medicina Tropical ajudou o Ministério da Saúde a construir um guia de uso da cloroquina em pacientes graves. Tivemos uma participação importante com o ministério recomendando uma dose mais baixa que é o que hoje está sendo usado em todo Brasil”, explico.

Ele explicou que não recomenda o uso da cloroquina fora do monitoramento médico e do ambiente de pesquisa. Disse também que a alta dosagem do remédio é risco ao paciente

“O que mostramos aqui em Manaus, dando respaldo ao Ministério da Saúde, é que esta dose baixa tem segurança. E, caso algum profissional tenha o desejo de prescrever, ainda que sem evidencia, ele pode prescrever com segurança”, disse o médico indicando que a margem de segurança está no protocolo recomendado pelo Ministério da Saúde.

Outro lado

A reportagem enviou solicitação de resposta a Secom sobre as declarações da médica, mas até a publicação desta matéria não recebeu retorno.