Covid-19: matemático defende testes por amostragem para reabertura segura no AM

Foto: Chefe do Departamento de Matemática da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Alexander Steinmetz (Divulgação)
Foto: Chefe do Departamento de Matemática da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Alexander Steinmetz (Divulgação)

*Matéria atualizada em 13.07.2020

O doutor em Matemática e chefe do Departamento de Matemática da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Alexander Steinmetz, declarou que a implantação de testes por amostragem para medir os percentuais de infecção e imunização da covid-19 em Manaus e no Amazonas é um instrumento que reduz riscos à população no planejamento de reabertura.

Para Alexander Steinmetz, o método é viável financeiramente e traria bons resultados para a tomada de decisões com maior segurança sobre os riscos assumidos quando o planejamento é realizado sem o controle da atual situação da pandemia no estado.

Alexander é um dos pesquisadores que assinou nota técnica encaminhada ao MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) se posicionando de forma contrária à reabertura planejada pelo Governo do Amazonas e retomada nesta segunda-feira, dia 1º.

As declarações ocorreram durante entrevista ao programa Exclusiva da rádio BandNews Difusora (93.7), desta segunda-feira, dia 1º.

“O Amazonas e Manaus ainda não chegaram a um nível de infecção chamada de “imunização de rebanho” que garantam menor circulação do coronavírus no Estado”, disse.

O matemático chamou de falácia análises que afirmam que os riscos passaram diante de argumentos que Manaus não aderiu ao isolamento e por isso a população foi infectada de forma massiva e sem risco de circulação do vírus.

“A gente não pode cair nesse falácia de ver pela televisão pessoas circulando e deduzir que se quase não houve isolamento, muita gente já pegou então deve ter passado o perigo. Raciocínio convidativo, a gente fica tentado a pensar nisso. Mas artigos científicos publicados dizem que os riscos continuam sempre presente”.

Leia a seguir trechos da entrevista:

“A gente está muito longe de alguma  situação de que o risco passou. A gente não consegue ver que o perigo passou, não consegue ver isso nos dados científicos sobre a doença”

Rosiene Carvalho (RC): Em que se baseia a opinião de que não era seguro reabrir agora, professor?

Alexander Steinmetz: A gente se baseia na ciência, sobre artigos científicos publicados. E, conforme esses dados, não há indicação de que uma parcela suficientemente grande da população já foi infectada para ter algum efeito no que a gente chama de imunidade de rebanho. A gente estima que o número de infectados  atualmente não passa de 20% em Manaus, número pequeno para ter um efeito de esgotamento de suscetíveis, para evitar que a doença continue  a se espalhar.

Dia 11 de maio a gente estimou que 10 e 15%, agora deve ter aumentado um pouco. Mas se eu falo num valor agora estimo que não seja acima 20%. Então, a gente está muito longe de alguma  situação de que o risco passou. A gente não consegue ver que o perigo passou, não consegue ver isso nos dados científicos sobre a doença. Eu não entendo o raciocínio atrás dessas opiniões. Nosso trabalho é revisando a literatura cientifica e a partir disso chegar às nossas conclusões. Por isso, se tiver uma abertura nesse momento, corremos o risco de ter um novo incremento de infecção. Isso já ocorreu em outros países.

O problema é que o aumento de infecções pode se tornar incontrolável de novo. O aumento em abril foi incontrolável. Sim, houve aumento de leitos mas para o potencial da pandemia isso não seria suficiente para um ciclo incontrolável, isso é o que nossos dados apontam.

RC: Na sua opinião, a falta de dados seguros sobre o atual momento da pandemia fragiliza o controle necessário à reabertura da circulação de pessoas em Manaus?

Alexander Steinmetz: É o seguinte, nosso grupo acha que a abertura nesse momento é precoce. Para que uma abertura seja possível é preciso que sejam implementados certos protocolos de testagem. Plano A: é sempre uma testagem máxima. É a melhor maneira de entender a prevalência da doença na população. Plano B: testagem por amostragem. A gente estimou em mil testes repetidos a cada três dias, por exemplo, como o Ibope faz por amostragem. Preciso fazer isso de forma aleatória pra entender a prevalência da doença em Manaus.

RC: Isso é caro, professor?

Alexander Steinmetz: Testagem em massa é cara. Mas mil testes a cada três dias é um esforço financeiro bem menor. E fazer isso aleatoriamente é uma coisa relativamente fácil. Na saúde pública, há conhecimento desse trabalho e competência para fazer isso. No meu ponto de vista, é algo viável e deveria ser avaliado pelo governo. E não apenas acho, existe na literatura científica e mostra que é uma alternativa viável porque, como você entende quantas pessoas foram infectadas? Os modelos matemáticos podem dizer muita coisa sim, mas você estima. O ideal é ter no terreno uma testagem para entender a realidade.

“Dizer que muitas pessoas já pegaram, então provavelmente o risco passou, é um raciocínio falho”

RC: Testagem por amostragem é viável financeiramente e um bom condutor para tomada de decisão, então?

Alexander Steinmetz: Claro que uma testagem por amostragem seria mais barato, uma possibilidade bem viável. E se bem executada pode dizer muito sobre quantas pessoas já tiveram a doença em Manaus, porque essa é uma pergunta que parece ter muita especulação. Dizer que muitas pessoas já pegaram, então provavelmente o risco passou, é um raciocínio falho. Se você olha os indicadores de mobilidade, 40% aderiu ao isolamento e teve efeito na redução da disseminação do vírus. Se tem o fechamento de igrejas, shoppings, escolas, locais de aglomeração evita esse fenômeno (….) dessas pessoas que passam o vírus para muitas. Há casos de que uma pessoa passa para 100 pessoas.

A gente não pode cair nesse falácia de ver pela televisão pessoas circulando e deduzir que se quase não houve isolamento, muita gente já pegou então deve ter passado o perigo. Raciocínio convidativo, a gente fica tentado a pensar nisso. Mas artigos científicos publicados dizem que os riscos continuam sempre presente.

RC: Quem defende a reabertura, diz que o pior já passou porque não houve adesão ao isolamento…

Alexander Steinmetz: A gente não pode cair nesse falácia de ver pela televisão pessoas circulando e deduzir que se quase não houve isolamento, muita gente já pegou então deve ter passado o perigo. Raciocínio convidativo, a gente fica tentado a pensar nisso. Mas artigos científicos publicados dizem que os riscos continuam sempre presente.

RC: Há projeções divulgadas, uma pelo vereador Marcelo Serafim, indicando que é pouco provável uma segunda onda.

Alexander Steinmetz: Não vi. Teria que olhar a metodologia para entender o trabalho. Mas é o seguinte, é uma coisa que tem uma falácia. Em outros países, essa primeira onda acabou, mas não se tem uma visão de longo prazo. Na França, o primeiro pico foi 15 dias antes de Manaus, Itália foi antes, pouco tempo para observar o que acontece. O mais importante é que a gente se baseia pelo que sabe cientificamente sobre a doença. Se trabalha com isso, vê que o risco é real.

RC: O diretor-presidente da FMT, Marcus Guerra, afirma que a maior preocupação deve ser com o retorno às escolas. O senhor concorda?

Alexander Steinmetz: O problema nas escolas é que pela literatura, na França o aumento foi causado pela abertura das escolas. E as crianças são muitas vezes assintomáticas e são portadoras da doença, então pode haver aumento de caso sem perceber. Isso torna a situação das escolas muito delicada.

RC: O senhor quer acrescentar algo mais?

Alexander Steinmetz: Delicada reabertura do comércio e outros locais, porque no interior a epidemia ainda está em crescimento, e essas pessoas dependem dos hospitais da capital para se tratar. Então, um aumento de infecções em Manaus pode sobrecarregar os hospitais de novo. Eu acho que no futuro o Brasil deveria adotar um modelo como o dos EUA, onde existe uma agencia federal de biossegurança e biodefesa que prepara para pandemias. Para que o Brasil esteja preparado para uma situação de nova pandemia e assim evitar de procurar resposta no momento.

Por exemplo: implementar testagem em larga escala para poder, no futuro acionar esse sistema e também produzir reagentes e ter testes disponíveis quando necessário. Enfim, um planejamento. Essa agência também pode preparar para outros riscos que podem aparecer, como risco de biodiversidade que pode afetar colheitas; mudanças climáticas em outra parte do mundo que possam trazer riscos para o Brasil.