
A Prefeitura de Manaus proíbe o livre trabalho de jornalistas no Cemitério Parque Tarumã e só autoriza a entrada de profissionais da imprensa mediante monitoramento de uma equipe da Semcom (Secretaria Municipal de Comunicação).
Crítico do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) por posturas antidemocráticas, Arthur Neto (PSDB) impôs a proibição do livre trabalho e o monitoramento dos jornalistas no cemitério desde o pico da pandemia, em abril.
Agora, Manaus dá sinais de um novo momento em relação à covid-19 e essa indicação vem também da movimentação no Cemitério do Tarumã. O número de enterros diminuiu muito, levando as pessoas a interpretarem que o “pior da pandemia” passou.
Nesta quinta-feira, dia 16, se verificou que parte do pior não passou.
Ao tentarem entrar o cemitério, por volta de 9h, dois repórteres fotográficos Sandro Pereira e Edmar Barros foram proibidos pelos seguranças que alegram estar “cumprindo ordens”.
Por volta de 9h30, cheguei e recebi o mesmo veto e informe. Pedi orientação, por telefone, da subsecretária da Semcom (Secretaria Municipal de Comunicação), Alita Falcão, que informou que “quando a repórter dela chegasse ao cemitério” os jornalistas poderiam entrar.
Havia um segurança mais rude e outro mais calmo. Ambos “cumprindo ordens”. Fomos “convidados” a retirar os veículos da entrada do cemitério e solicitamos ao menos autorização para estacioná-los no local, enquanto a equipe da prefeitura não chegasse para monitorar nosso trabalho.

Não fomos atendidos.
O tempo foi passando e, por volta de 11h a equipe de monitores de jornalistas da prefeitura chegou para nos acompanhar o trabalho.
Na chegada, o repórter fotográfico Edmar Barros relatou à equipe sua indignação com o tratamento dado à imprensa e o segurança, talvez sem entender o que de fato estava em discussão, aumentou a voz para o jornalista revelando mais uma vez: “Nós cumprimos ordens“.
Uma das pessoas da equipe da Semcom ao sair do carro, já dentro do cemitério, perto do local em que fomos captar nossas informações, disse que “já que a mandaram para lá” ia aproveitar para visitar o túmulo de alguém da família dela, – me dando a impressão de constrangimento.
Descemos para o local em que estão enterrados parte dos mais de quatro mil mortos em Manaus, cujas famílias não puderam pagar pelo enterro em cemitério privado. Sob o forte sol do horário, a equipe da prefeitura preferiu a sombra da árvore e depois o ar-condiciado do carro e de lá ficou nos vigiando.
Sandro e Edmar se esforçaram, mas me explicaram que, para eles, a luz já não ajudava. Além disso, antes de entrarem havia ocorrido os enterros da manhã, o que não pudemos acompanhar.
Percebi ainda que a missão dos monitores foi cumprida até o último momento. Antes de ligar meu carro na saída, verifiquei mensagens e respondi a algumas pelo telefone. Quando levantei a cabeça, o carro da equipe da Semcom havia parado e só deixou o cemitério depois que o meu saiu antes.
Não entendi o sentido de tanta patrulha. Seria medo que os mortos falassem ainda mais do que expuseram nos últimos meses em contraponto aos comunicados oficiais do poder público municipal e estadual? O que ainda pensam que podem esconder ali?
Impedimentos ao trabalho da imprensa
Os impedimentos ao exercício profissional dos jornalistas na pandemia por parte da prefeitura vieram logo após circular no mundo a forma como famílias e trabalhadores do cemitério eram tratados dentro Tarumã. A informação foi levada à população de Manaus por meio do trabalho de profissionais da imprensa contratados por agências internacionais.
Coincidência ou não, agências que estão fora da lista da imprensa que recebe e depende da verba publicitária da Prefeitura de Manaus.
A cobertura jornalística da covid-19 no Brasil é considerada serviço essencial pelo Decreto nº 10.288 de 22 de março de 2020, assinado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) e publicado no DOU (Diário Oficial da União), na edição de mesma data.
O artigo 4º do decreto considera essenciais “as atividades e os serviços relacionados à imprensa, por todos os meios de comunicação e divulgação disponíveis”.
O decreto, com validade para todo território nacional, veda “a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento das atividades e dos serviços essenciais de que trata este Decreto”.
A norma reproduz o que prevê a Constituição Federal de 1988. A liberdade de imprensa não é mera garantia de jornalistas e de veículos de comunicação, que tenham interesse do livre exercício da profissão.
A liberdade de imprensa é um bem da sociedade que tem o direito de se manter informada, sobretudo em momento de conflito e calamidade.
Por isso, em todos os países regidos por leis democráticas o jornalismo foi considerado um serviço essencial nos decretos de isolamento social como medida de prevenção à covid-19.
Enquanto todos deveriam se manter em casa, profissionais da saúde, da segurança pública, trabalhadores ligados à abastecimento de alimentação e jornalistas tinham autorização para circular.
Mas isso não pôde se reproduzir em Manaus, no Cemitério do Tarumã administrado pela gestão de Arthur Neto. Crítico de Bolsonaro e chamado de “prefeito de bosta” pelo presidente, o tucano tem forma diferente de atacar a liberdade de imprensa.
Cemitério do Tarumã: palco de terror e censura
No local, que foi um dos palcos das imagens de terror produzidas no Amazonas durante o pico da covid-19, os constrangimentos e controle da imprensa ocorreram durante toda a pandemia. No dia em que receberam veto total de entrada, repórteres fotográficos tiveram que se arriscar entrando pelo mato para exercer a profissão.
Algumas vezes, foram os próprios funcionários do cemitério que indicaram caminhos e também pediram para serem ouvidos escondidos sobre o que estava ocorrendo no local. Entre as queixas: não queriam enterrar os corpos um sobre o outro, medida considerada por eles “muito desumana”.
A prefeitura teve que voltar atrás na ordem adotada após a decisão da vala comum.
O medo de falar, segundo estes funcionários, era das represálias dos chefes, que os proibiram de ter contato com a imprensa e, diante disso, justificavam: só cumpriam ordens.
Quando a prefeitura decidiu abrir valas comuns para enterrar os mortos, no dia 21 de abril, no momento em que houve uma explosão no número diários de enterros em Manaus, também proibiu a entrada de jornalistas no cemitério. A alegação foi que as famílias se queixaram de “conflitos com a imprensa”.
A medida, segundo nota emitida pela prefeitura, tinha como objetivo “preservar a privacidade das famílias enlutadas” e também diminuir o risco de propagação do novo coronavírus.
Dias antes, repórteres fotográficos flagraram os funcionários da prefeitura, que nas notas dizia se preocupar com os riscos de propagação da covid-19, sem qualquer EPI (Equipamento de Proteção Individual).
No dia 11 de abril, o repórter fotográfico Edmar Barros revelou as condições em que funcionários da limpeza do cemitério se alimentavam no horário de almoço. Todos comendo uma farofa em cima de um saco plástico.


Ao redor de uma mesa, sem as medidas de higiene que deveriam ser necessárias até fora de um momento de pandemia.
Prefeitura defende “ética do jornalismo cívico”
No dia 23 de abril, a Prefeitura de Manaus emitiu nova nota à imprensa comunicando que “em parceria” com o Sindicato dos Jornalistas do Amazonas “normatizou” a cobertura jornalística no Cemitério do Tarumã.
A “cobertura” poderia ocorrer por duas horas, de segunda à sexta, e com uma duração de 20 minutos para cada equipe. Apenas alguns profissionais estavam autorizados a entrar no cemitério: cinegrafistas e fotógrafos.
A nota dizia ainda que a decisão em parceria com o Sindicato dos Jornalistas era “pautada na ética e no jornalismo cívico, voltado ao interesse do cidadão”.
Vindo do Artur Neto ou de quaisquer outros governantes de Manaus, não duvido de nada.
Agora, penso que os Jornalistas censurados e impedidos de entrar em um espaço público deveriam procurar o sindicato (se é que são sindicalizados!) para interpor denuncia junto ao judiciário .