
Apontado como o elo entre o esquema na compra de respiradores superfaturados e inservíveis para covid-19 durante a pandemia e o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), o empresário Gutemberg Alencar é identificado pela PF (Polícia Federal) na Operação Sangria como “ex-policial militar do Amazonas que possui antigo envolvimento com a política local”.
A informação está em parte do conteúdo da investigação citado pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Francisco Falcão, na decisão que deflagrou a segunda fase da Sangria. A decisão, em segredo de justiça, vazou dias depois das prisões temporárias.
Antes de ganhar relevo como “homem de confiança de Wilson Lima”, Alencar era um nome conhecido e mantido nos bastidores que, no meio político, surgiu no grupo do ex-governador do Amazonas Amazonino Mendes. Foi ajudante de ordem e motorista do ex-governador.
A PF apresenta o envolvimento de Alencar com a política a partir do nome de Amazonino e de Wilson Lima:
“Gutemberg Alencar é ex-policial militar do Amazonas e possui antigo envolvimento com a política local. Foi chefe de segurança do então governador Amazonino e é apontado pela imprensa como coordenador da campanha de Wilson Lima”, afirma trecho da decisão do ministro que transcreve conteúdo da investigação.
Lima derrotou Amazonino nas urnas, em 2018. Procurada, a assessoria de comunicação de Amazonino Mendes afirma que Alencar foi “uma das milhares de pessoas que trabalharam em alguma das três gestões de Amazonino Mendes como prefeito de Manaus e quatro como governador do Amazonas” e que o ex-militar serviu Amazonino entre 1999 e 2002, há 18 anos. “Não há relação entre o que a Polícia Federal está investigando, na operação, com qualquer uma das gestões de Amazonino Mendes”, afirma a assessoria.
Veja o trecho da decisão do ministro que cita o histórico de Alencar:

Na imagem a seguir de matéria publicada pelo jornal A Crítica em 2004, Alencar aparece numa foto dirigindo o carro para Amazonino Mendes. Naquele ano, Amazonino Mendes disputou a prefeitura de Manaus e foi derrotado pelo candidato Serafim Corrêa (PSB). A imagem não identifica os créditos e a data da foto.

De militar, Alencar passou a atuar como coordenador de veículos de comunicação na cidade. Foi da direção do jornal Correio Amazonense criado em 2005 e que fechou após as eleições de uma forma constrangedora para os jornalistas que chegaram para trabalhar encontraram os portões fechados em novembro de 2006. O aviso das demissões e fechamento do jornal foi feito pelos porteiros.
Depois, Alencar passou à posição de comando no jornal Amazonas Em tempo, em 2006, do empresário Otávio Raman Neves, nome ligado ao grupo político que comandava o Amazonas desde a redemocratização até a Eleição de 2018, quando Amazonino é derrotado por Wilson Lima.
No período em que Amazoninon Mendes entra no ostracismo, Alencar passa a outros ramos empresariais ligado à cerâmica e construção civil. A mulher dele também tem atuação empresarial na cidade no setor de estética e itens femininos.
Relógios de luxo apreendidos
O relatório do mandado de busca e apreensão na casa de Alencar mostra que o outrora militar e motorista do ex-governador e hoje empresário bem sucedido e “homem de confiança” de outro governador teve 11 relógios de luxo apreendidos, além de documentos que comprovam contas no exterior.
Veja trecho do relatório:
“Onze relógios de luxo foram apreendidos em seu quarto, além de um HD externo de 1TB que se encontrava em um armário da área de serviço. Foram apreendidos diversos documentos que demonstram patrimônio e contas bancárias no exterior, além de procurações em nome de terceiros. O celular pessoal do alvo e de sua esposa foram apreendidos e um notebook Apple de uso particular do investigado também”.

Depoimentos Sangria
O empresário é citado em vários depoimentos entre os investigados na operação Sangria. A PF apresenta Alencar como “enviado de Wilson Lima” à Susam para ser um dos empresários a financiar a compra de respiradores.
O ex-militar também é apresentado como o “responsável” por passar o contato do dono da loja de vinhos, Fábio Passos, para a gerente de compras, Alcineide Figueiredo.
A investigação sustenta que, após a reunião indicada em vários depoimentos, Alencar tomou ciência de todas as propostas que a pasta havia recebido para a aquisição dos equipamentos hospitalares.
Ao se apresentar, segundo os depoimentos, como representante de grupo empresarial que financiou a FJAP para a compra de respiradores, o nome do empresário aparece em mais um dos detalhes da investigação.
Segundo a PF, ele se apresenta como representante do Grupo Nova Era sem ter ligação formal com a empresa. A PF afirma que esta empresa tem ligação com o Big Amigão, que financiou a compra dos respiradores para o dono da loja de vinhos.
Ao entrar no negócio, a loja de vinhos lucrou cerca de R$ 500 mil num intervalo de duas horas. Este foi o tempo que a vineria levou entre a compra dos 28 respiradores da Sonar e a revenda ao governo.
Vice governador: “Má fama”
No depoimento prestado à PF, o vice-governador Carlos Almeida aponta Alencar como uma pessoa de “má fama”, “arrogante” e “truculento” de quem ele queria distância. Carlos Almeida, ao se referir a Alencar, diz que várias pessoas se aproximaram do governo no período, mas que ponderou que era preciso “fazer filtro”.
“Que em março deste ano o governador o colocou em contato com Gutemberg; que manifestou ao governador suas resistências e desagrado em tratar com ele (…) Quando do início da pandemia, Wilson Lima o contatou afirmando que Alencar queria ajudar o governo durante a pandemia (…) Que sempre quis manter distância de Alencar”, afirma trecho do depoimento de Alencar.
O governador do Amazonas Wilson Lima nega as acusações do vice-governador. Carlos também é investigado na operação e nega as acusações.
O empresário é citado também no depoimento da ex-subsecretária da Susam Dayana Mejia. Quando questionada se conhecia Alencar, Mejia se limita a dizer que ouviu o nome dele em reunião com a ex-secretária Simone Papaiz, que substituiu Tobias na Susam.
Alencar também é citado no depoimento do ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias como indicado pelo governador para interferir no processo de aquisição de respiradores.
Alencar por Alencar: “sem vínculo politico”
Em depoimento à PF, Alencar se apresenta como uma pessoas sem interesse político em contratos com o governo. Disse que atuou na campanha de Wilson Lima, mas que não tem qualquer contrato com o executivo e sequer foi convidado para a posse.
Disse ainda que procurou o governador e o vice em março deste ano em função das lideranças politicas do interior recorrerem a ele para tentarem se aproximar da dupla. Alencar no depoimento afirmou que sua intenção era apenas pedir que governador e vice indicassem alguém para lidar com os políticos do interior que ainda o procuravam.
“QUE em razão de não ter qualquer vínculo político, tendo se afastado de questões políticas, estando dedicado as suas empresas, foi até o Governador pedir que o mesmo atendesse ou delegasse alguém de seu partido que atendesse essas pessoas (lideranças políticas)”, afirma Alencar em trecho do depoimento.
“Obrigação humanitária”
Alencar afirma que, neste contexto, surgiu uma conversa sobre a pandemia e ele, então, dá ideias para a compra de respiradores, mas que seu único objetivo era “humanitário” para ajudar Manaus e o Amazonas.
QUE atendeu o pedido e foi até o Senhor RODRIGO TOBIAS com único interesse de ajudar a cidade e o Amazonas; QUE foi por uma obrigação humanitária tendo em vista o estado de calamidade pública”, disse.
O empresário diz ainda que ao saber dos enterros em valas comuns procurou a prefeitura para doar concreto armado para os sepultamentos.
“QUE nesse sentido, sabendo do enterro de vitimas da COVID-19 em vala comum, procurou a Secretaria de Limpeza, na pessoa do Dr. PAULO FARIAS, com o intuito de sugerir a construção de galerias verticais, feitas com concreto usinado de cura rápida, tendo ainda doado espontaneamente o concreto para a construção”, disse.
As valas comuns foram abertas pela prefeitura no cemitério público do Tarumã no período que aumentaram os cadáveres e que os hospitais entraram em colapso por falta de vagas. Muitas pessoas morreram sem acesso ao tratamento que poderia salvar a vida delas, que envolvia internação hospitalar com respiradores adequados à covid-19.
O empresário negou que governador ou vice-governador tivessem dado orientação para alguma irregularidade.
Alencar informou que atua na área de concreto armado, material de construção e cerâmica.
É dono da Concreto Amazonmix (VVV Fabricação de Cimento); GL Alencar EPP; Solimix Engenharia de Concreto, essas de fabricação de concreto usinado; Cerâmica Manauara LTDA e Fronteira Cerâmica LTDA, que são indústrias de cerâmicas.
Ele informou ainda ser dono da Fronteira Materiais de Construção e a construtora Pask Side, inativas atualmente segundo o empresário.
A reportagem não conseguiu contato com o advogado de defesa de Alencar.