“É muito grave o que acontece no AM com as autoridades”

Foto: doutora em direito social Valdênia Lanfranchi (reprodução live BandNews)

A ativista em direitos humanos e doutora em direito social Valdênia Lanfranchi classificou como grave a postura das autoridades do estado do Amazonas diante da escalada de violência em ações policiais e das suspeitas de uso da estrutura da SSP (Secretaria de Estado de Segurança Pública) em atos de corrupção. As críticas da especialista atingem o governador Wilson Lima (PSC), secretário de Estado de Segurança Pública, Louismar Bonares, órgãos de controle e ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas).

Lanfranchi classificou como grave o fato do MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) não ter formalizado denúncia contra a primeira chacina registrada no Governo Wilson Lima no estado em outubro de 2019, em que 17 pessoas foram executadas, entre os quais três adolescentes. Um deles tinha apenas 14 anos.

Após este primeiro episódio, outras duas chacinas foram registradas no estado. Relatório preliminar do MP, publicado em setembro de 2020, concluiu que a ação policial tinha fortes indícios de chacina.

“Um relatório do MP com tais informações ainda não ter chegado a uma denúncia formal é gravíssimo. Tem aqui conteúdo mais que suficiente para uma denúncia séria. É muito grave o que está acontecendo aí (Amazonas) com as autoridades relacionadas ao sistema de garantia. (…) As 17 pessoas foram mortas sem sinal de pólvoras nas mãos. Tiros certeiros, precisos e fatais disparados à noite em local sem energia elétrica. Nenhuma pessoa presa ou policial ferido. Os corpos retirados do local antes da perícia.”, declarou a especialista em planos de segurança para defensores de Direitos Humanos.

Valdência afirmou que um dos elementos que impactam na reprodução da violência é a morosidade da justiça e a impunidade.

“Para quem as autoridades executivas e algumas do judiciários estão trabalhando? Essa é uma pergunta que não pode se calar. Não é pela cidadania. Por que tampar com cortina de fumaça crimes sérios provocados seja por facções ou, pior, dentro das próprias instituições?”, questionou Valdênia.

A doutora em direito social criticou também a condução da política pública por partes dos gestores estaduais. As maiores responsabilidades sobre as mortes são do governador e do secretário de estado de segurança pública, para Vandênia Lanfranchi.

“A criminalidade no Amazonas vem crescendo. Temos uma Secretaria de Segurança atuando sob quais princípios? Com as chacinas que vêm ocorrendo e com a frequência com que elas vêm ocorrendo. Isso é um indicativo que algo na segurança pública do estado não está bem”, disse e acrescentou:

“O secretário de segurança está subordinado ao governador do Estado. Então, cada morte dessa tem que ir para conta do secretário de Segurança Pública e do governador do Estado”, afirmou.

Ela afirma que os discursos das autoridades são indicativos claros a respeito da política pública escolhida para executar no estado. “Quando um gestor usa a proteção de pessoas de bem para justificar assassinato e não tem uma posição firme do governador, isso indica uma política. Uma política voltada para violação de direitos e não respeito dos próprios policiais”, disse.

A especialista apontou como problema a PM fazer gestão do sistema penitenciário. “Isso é muito ruim”, disse.

Valdênia disse que a discussão sobre os graves problemas deveriam ocorrer na ALE-AM com participação da sociedade civil. O poder legislativo, no entanto, tem se omitido do debater os problemas relacionados às graves ocorrências na segurança pública do estado do Amazonas.

“Quem pode fazer essa discussão é a sociedade civil através dos representantes das casas legislativas, das organizações que tratam do assunto e, quando necessário, avocando as organizações internacionais como a corte interamericana de Direitos Humanos e as relatorias da ONU”, afirmou.

Investimento nas polícias

Para a doutora em direito social, é preciso exigir das autoridades públicas maior investimento na formação técnica das polícias militar, civil e técnica científica, além da valorização dos trabalhadores destas corporações. Ela comparou o número de denúncias de envolvimento com crimes e facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas nestas polícias e na Polícia Federal. Valdênia alega que o investimento e a valorização dos agentes federais é parte deste quadro.

O combate ao crime de facções e de policiais e autoridades que optam pelo desvio de suas funções também precisa de uma atuação célere da polícia civil, segundo a especialista. “É preciso um polícia civil célere apoiada pela polícia científica”, afirmou.

Outro componente que poderia dar freios ao descontrole na segurança pública, na avaliação de Vadênia Lanfranchi, é a atuação do Ministério Público. “O MP precisa ter e deixar claro qual promotoria faz o controle das atividades policiais”, disse.

Ela também apontou uma distorção no sistema que fragiliza a atuação do MP-AM em favor dos interesses da sociedade e coloca o órgão direcionado aos interesses e conveniências políticas dos gestores.

“Uma das questões que devemos alertar: como uma autoridade que pode denunciar o governador do Estado é o procurador geral de Justiça, que é o chefe do MP, vamos falar assim para ficar compreensível o grau hierárquico. Mas ele é indicado pelo governador. Por exemplo, Aras, em nível nacional, foi indicado pelo presidente da República. Por isso, a dificuldade na apuração dos crimes”, explicou.

A doutora em direitos sociais também fez críticas ao uso das estruturas das polícias e o desvios de policiais na eleição de políticos que favorecem o crime e as milícias.

Lafranchi destacou que a escolha dos gestores e de seus planos de governo devem ser observadas porque são determinantes para a condução das políticas públicas na área de segurança.

“É importante observar a escolha do gestor público na condução da politica. Infelizmente temos hoje a maior autoridade do País que abomina os direitos humanos. E direitos humanos que nada têm diferente do que os direitos humanos apregoados na Constituição Federal: a vida em primeiro lugar, a vida em segundo lugar e a vida em terceiro lugar. Direitos humanos significa que a pessoa tem direito a um processo justo e uma pena adequada a seu crime”, disse.

Valdênia Lafranchi defendeu que a mídia deve passar a ouvir mais policiais e agentes da segurança pública que são a favor da melhoria e qualidade de atuação destes órgãos e que não são contrários ao estado democrático de direito e aos direitos humanos. “Não são todos os policiais que pensam assim. Há muitas pessoas que querem uma polícia diferente.”, declarou.

A entrevista de Valdênia foi concedida ao programa Exclusiva da rádio BandNews Difusora, nesta segunda-feira, dia 12.

Sobre Valdênia

Valdênia Lafranchi é advogada, mestre e doutora pela PUC/SP em direito social. Trabalhou na Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo e foi Ouvidora de Polícia no Estado da Paraíba 2011/2013. Associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Especialista em planos de segurança para defensores de Direitos Humanos.

Atualmente trabalha na organização Justiça nos Trilhos, no fortalecimento comunitário em comunidades impactadas/prejudicadas por atividades ligadas à mineração ao longo da Estrada de Ferro Carajás no Estado do Maranhão.

Veja a entrevista na íntegra no link abaixo: