José Alcimar de Oliveira*
Elza (Guerreira) Soares escolheu o dia 20 de janeiro de 2022, aos 91 anos, no dia de São Sebastião ou Oxóssi, para transfigurar-se e imprimir no mundo celestial a beleza e a força da negra imanência.
Operária negra da música, partiu no mesmo dia e mês de seu anjo de pernas tortas, de pernas impossíveis, oficialmente fora dos quadros, inclusive a perna direita, porque ambas inclinadas à esquerda.
Filha e filho do Rio de Janeiro, negra e negro, Elza e Garrincha partiram sob a guarda do mártir romano flechado, santo protetor do povo contra a fome, a peste e a guerra.
Artista da voz e artífice dos dribles, Elza do Canto Negro e Mané Alegria do Povo, com notas e passes ao arrepio da falsa felicidade do mundo burguês, se fizeram verdade no palco do canto e no campo do jogo.
Com notas mordentes de destrutiva aderência aos moinhos de gente, Elza do Canto Negro reverberou para o mundo que a carne negra continua venalizada como a mais barata do vil mercado.
Sem Thiago de Mello a cantar luz contra a escuridão, sem Elza Soares a transpor seu grito negro em notas de irredenta música, resta mais triste e sombrio o Brasil a cada amanhecer.
Cantante do fim do mundo, mulher libertária do samba imune à tristeza, Elza do Canto Negro terá agora o universo por palco, e sua voz ecoará do além o grito de quem não cede o futuro à infâmia dos pervertidos.
*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, no dia 20 de janeiro do ano da virada de 2022.
Da leitura do mundo à leitura da palavra
Onze teses para construir 2022 com a força do povo
Parabéns pela homenagem a essa grande cantora negra brasileira, sempre muito verdadeira na expressão de seus sentimentos e crítica em relação às injustiças sociais.
Alcimar sempre pontual com as palavras, relembrando a trajetória de dois ícones da cultura brasileira e, de quebra, enaltecendo o meu, o seu o nosso Thiago de Mello
Muito gostei do seu texto, José Alcimar!
Como sabe conjugar e articular diversas vertentes que, parecendo nada dizer umas às outras, formam um todo harmonioso!
Bem haja!