
Um dos instrumentos do jornalismo que mais aprecio é a entrevista ping-pong, chamada assim no jargão da profissão. Jornalista pergunta, entrevistado responde.
É uma das formas mais diretas de, pelo jornalismo, aproximar jornalista, leitores, ouvintes, internautas da verdade do entrevistado e do assunto. Dá trabalho! Mas a ping chega ao ponto com maior precisão.
Além da resposta, a forma de responder ou de calar permitem a interpretação dos fatos e das pessoas. Não só pelos jornalistas, mas, principalmente, por quem assiste, lê e ouve a entrevista.
Nunca achei – e de tudo que já vi até hoje penso estar certa – que uma boa entrevista rende quando o jornalista trava guerra, bajulação ou faz perguntas chapa-branca ao entrevistado. Chapa-branca é o jornalista que só pergunta o que o entrevistado gosta e quer responder.
De tudo, o extremo do que há de aviltante é a combinação de perguntas e respostas numa entrevista tendo como pano de fundo o poder político e econômico sobre os veículos. É o controle, por parte do entrevistado, da atuação do profissional do jornalismo, vetando assuntos, direcionando perguntas e proibindo previamente questionamentos após repostas dadas por ele mesmo.
Veja, não é incorreto que o entrevistado saiba os temas que serão abordados, sejam eles positivos ou negativos. É honesto, se for um procedimento padrão do profissional e do veículo de comunicação. O entrevistado tem a chance de se preparar ou até de negar a entrevista porque escolheu não falar daquele assunto e arcar com as consequências disso. Ok. Não é guerra.
Mas, para ser jornalística, a entrevista não pode ser formatada (e até redigida!) pelo ou “em parceria” com o entrevistado ou assessoria do mesmo. Assim, vira press-realese escamoteado.
Isso é absurdo, pela falha ética com a profissão. Uma tolice jugar que quem assiste, ouve ou lê não consegue perceber. É cafona para o jornalista e veículo que adotam a prática e constrangedor para os jornalistas que assistem.
O costume do cigarro deixa a boca torta, dizia minha avó. Ela repetiria esse ditado se encarnada estivesse e acompanhasse o noticiário em Manaus esta semana. Queria “desver”.
Não bastasse o contexto, foram além. De tão escrachada a combinação, se permitiram colocar imagens no telão de fundo da entrevista no automático do que o entrevistado falava. As imagens exibiam detalhes da fala algumas vezes até momentos antes de serem ditas. Muito constrangedor.
Teve espaço para perguntas que pudessem ser interpretadas como “aperto” ao entrevistado. Mas aí, dentro de um ambiente controlado, difícil convencer e alcançar o objetivo.
Esse é mais um ponto importante de se levar em consideração, permanecer em alerta e aprendendo. Entrevista não é combinação. Também não é guerra com o entrevistado para o jornalista virar estrela.
Perguntar, seja qual for o momento da entrevista, é um instrumento para esclarecimento de informações. Por isso, não é ruim para o jornalista as respostas – ou não-respostas – grosseiras. Isto é ruim para o entrevistado. Para o jornalista, o nocivo é a pergunta não feita, a informação não esclarecida.
O bom da entrevista ping-pong não é o estrelato do entrevistador e sim as possibilidades de respostas ou de silêncio do entrevistado.
Entrevista ensaiada e censura não reparam imagem.
Até pelo ponto de vista do entrevistado que quer criar boa impressão, repare: só se sai bem numa entrevista se houver liberdade para perguntar e responder. E isso só é possível se o ambiente não for controlado ou se o jornalista, que vive a ser sufocado nestes espaços, buscar as brechas.
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