Estado exibiu força policial e usou spray de pimenta contra a população, diz Folha

Foto: Divulgação moradores

O primeiro dia da desocupação da comunidade Monte Horebe, ao lado do residencial Viver Melhor, na Zona Centro-Oeste, foi marcado por operação que ostentou a capacidade de repressão das forças policiais do governo e cerceou a livre cobertura da imprensa dos fatos, impondo de forma massiva a versão oficial da ação do Governo do Amazonas.

A força da Estado foi apresentada aos moradores com efetivo entre 800 e mil policiais, representados na linha de frente da negociação com uma corrente humana de moradores que tentavam impedir, desarmados e com orações, o avanço dos policiais e a execução da medida judicial de desocupação do lugar.

Controle da informação

Do outro lado, o relato dos moradores foi feito pelo jornal Folha de São Paulo com a única equipe de reportagem que conseguiu escapar do cercadinho em que foram colocados os jornalistas e os veículos de comunicação do Amazonas.

No jornal de circulação nacional, a informação foi que a tropa dispersou esses moradores – além do uso do forte impacto da imagem da força policial – com spray de pimenta. Embora o uso desta medida não tenha sido tratado na versão oficial do governo, a informação publicada pelo jornal não foi contestada.

Sindicato dos Jornalistas diz que governo cerceou imprensa

Na noite desta quinta-feira, dia 2, após receber queixas de profissionais da imprensa e de membro da diretoria do sindicato constatar in loco o cerceamento que o Governo do Amazonas impôs à cobertura da reintegração de posse no Monte Horebe, o Sindicato dos Jornalistas lamentou a medida.

Para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, a medida é incompatível com a democracia e lembrou que o atual governador do Estado, Wilson Lima, é um jornalista.

De acordo com a nota do sindicato, o Governo Wilson Lima impediu que a população fosse informada da forma adequada sobre os fatos do dia e impôs que apenas a informação de um lado fosse usada pelos veículos.

“Veículos de comunicação foram proibidos de registrar os fatos de forma adequada, ficando, a sociedade, à mercê da versão oficial, dos fatos (…) Se houve planejamento e ação coordenada de várias secretarias no local, por que não mostrar? O local isolado deixou repórteres e cinegrafistas sem campo de visão, de forma que não puderam realizar o seu trabalho de forma adequada”, diz trecho da nota.

Sobre o argumento de que a liberação dos jornalistas representava risco, o sindicato se posicionou:

“Aproveitamos para lembrar aos jornalistas que é para estas situações que existe uma cláusula na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) que garante o fornecimento pelas empresas de equipamentos de segurança para os profissionais durante coberturas que presumam risco”, disse o sindicato.

Versão oficial

A secretária de Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, a defensora pública Caroline Braz, declarou na coletiva a jornalistas sobre o balanço da operação que a ação é “histórica e deve se tornar um exemplo para o País”.

“Essa é uma solução histórica para todo o Estado e para todo País. É a primeira vez que uma reintegração de posse, obedece a requisitos internacionais, de aviso e comunicado com 48 horas de antecedência, reuniões com equipes sociais e, principalmente, equipe social entrando na área e selecionando essas residências. Ao final desta operação, o Estado do Amazonas vai se tornar referência para o resto do País”, declarou na coletiva no final da tarde da segunda.

Na segunda-feira, o governo informou que identificou 457 imóveis, derrubou 300 moradias em que, alega, não haviam moradores e serviam apenas de “especulação imobiliária” e fez 70 acordos para destinar moradores ao benefício de aluguel social de R$ 600.

Defensor como porta-voz

O jornal Folha de São Paulo destacou uma cena fora dos padrões de expectativa da atuação da Defensoria Pública. Expectativa esta muitas vezes fomentada pela atuação do defensor Carlos Almeida Filho antes de assumir como vice-governador do Amazonas.

Segue a descrição da Folha de São Paulo sobre o representante da população na negociação:

“Vinte minutos antes do uso do spray de pimenta, o defensor público Rafael Barbosa —atrás de uma fila de PMs encapuzados com escudos e vestindo um colete à prova de balas— disse ao microfone: “Eu represento vocês””

O jornal diz que o defensor apresentou “a proposta do governo”. A reportagem da Folha de São Paulo afirma que, na negociação, o defensor falou que “caso os moradores não aceitassem a entrada da PM”, ele “não teria mais como segurar a ação”. 

A atuação de Rafael Barbosa rendeu ao defensor elogios da base governista na sessão desta terça-feira na ALE-AM. Não era essa a reação que Carlos Almeida provocava no governo e entre os aliados quando atuava nestas questões pela Defensoria.

Dia histórico

A propósito, nesta segunda-feira tomou posse o novo defensor geral do Estado, Ricardo Paiva, que substitui Rafael Barbosa. A cerimônia foi prestigiada com a presença e discursos do governador Wilson Lima e do vice Carlos Almeida. Este grau de prestígio numa cerimônia de posse não era comum ao órgão considerado uma pedrinha no sapado dos governos e o primo pobre no repasse de recursos.

Ano eleitoral

A promessa de um aluguel social de R$ 600 por até dois anos foi um fato que acendeu o sinal amarelo entre os possíveis candidatos na Eleição 2020.

O deputado Serafim Corrêa (PSB) e o ex-senador João Pedro (PT) expressaram esta preocupação, respectivamente, em discurso na ALE-AM,. nesta terça, e em entrevista à Rádio BandNews, na segunda-feira.

Monte Horebe

A comunidade Monte Horebe tem como origem a antiga Cidade das Luzes. As notícias referentes ao local pela mídia e pelo governo indicam forte atuação do tráfico de drogas e de controle de lotes por parte do crime organizado.

O Governo do Amazonas não sabe indicar o número exato de ocupações irregulares e pessoas que vivem no local, neste momento. O secretário da SSP, coronel Loismar Bonates, informou nas coletivas que o número de moradores varia entre os dias da semana e no final de semana.

O Governo do Estado informou ainda serão beneficiadas com o auxílio–aluguel pessoas identificadas em situação de ‘extrema vulnerabilidade”.

Foto: Moradores da comunidade