
A vice-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará e uma das 40 lideranças indígenas presentes na COP 26 Alessandra Korap Munduruku, 40, declarou que intimidações, ataques e acordos oficiais para silenciar e impedir a luta pelos territórios não irão calar sua voz.
Uma semana após denunciar aumento do número de madeireiros e garimpeiros no território Munduruku e repetir relato sobre o problema na COP 26, a casa da indígena em Santarém, interior do Pará, foi invadida.
“Tentam nos matar em silêncio. Mas a gente não pode morrer no silêncio. A gente tem que estar falando, gritando. Eu não posso silenciar, a não ser se me matarem mesmo. Enquanto eu tiver voz, enquanto eu estiver viva, vou continuar lutando. Eu vou defender o território. As pessoas precisam entender que o nosso território é nossa vida”, declarou.
A invasão está sendo investigada pela PF (Polícia Federal) e Polícia Civil no Pará, segundo Alessandra. Em entrevista ao programa Exclusiva da rádio BandNews Difusora, Alessandra contou que ainda não há informações sobre a identidade dos criminosos. A invasão ocorreu no dia 13 de novembro.
De acordo com o site DW, uma pessoa, se identificando como funcionário da empresa de energia, esteve um dia antes do ataque a casa da indígena anunciando que precisariam interromper o fornecimento de energia na casa dela.
Após consulta à empresa, a liderança indígena descobriu que não havia funcionários na região e decidiu dormir fora de casa. Por isso, quando a residência de Alessandra Korap foi invadida, não havia ninguém. Ela relatou à polícia e à BandNews Difusora estranhar que objetos de valor tenham sido deixado para atrás pelos invasores.
Para a Alessandra Korap, que já teve a casa invadida em 2019, a tentativa é intimidá-la. Ela afirmou que os indígenas precisam estar presentes em locais de decisão e de projeção de vozes para salvar, seus territórios e suas vidas.
“As pessoas muitas vezes não escutam. A gente precisa dizer: Socorro, estamos aqui. Não nos matem, não”, disse.
Protagonismo
Alessandra Korap afirmou que a presença na COP 26 da maior delegação indígena na história da conferência demonstrou o protagonismo dos indígenas que exigem participar das escolhas e condução de decisões que mexam com seu futuro.
“Num lugar como esses (COP 26), temos que ocupar. Nós temos que falar por nós. Porque o que eles falam é mentira. O que eles falam é uma invenção, É um lugar que eles vão vender a nossa terra. Mas aqui no Brasil mesmo eles estão aprovando para barrar demarcação, eles querem apagar nossa memória com marco temporal”, disse. Em outro trecho da entrevista questionou: ” Por que nós não podemos estar na mesa com presidente, com os príncipes?”.

Alessandra criticou a postura dos políticos que dizem fora do País que respeitam a Amazônia e os povos indígenas, mas dentro ignoram a realidade e tentam aprovar no Congresso projetos que ferem e matam os povos indígenas.
“Levar nossas vozes na COP incomodou porque o governo (federal) estava lá dizendo que eles respeitam a Amazônia, que estão lá preservando, que estão sempre tirando foto com os índios. Mas não é isso que acontece no nosso território, não. Não é chegar no Congresso e aprovar a própria morte dos indígenas que você triou a foto”, disse.
“Já chega de decidirem por nós. Nós temos nossa própria decisão. E nossa decisão é respeitar (os indígenas), demarcar e retirar os invasores do território indígena”, afirmou.
Garimpo
Alessandra considera que um dos ataques que tem causado danos mais graves aos indígenas é o incentivo às atividades de garimpo e de retiradas de madeiras ilegais das terras indígenas, como é o caso das populações yanomami e munduruku.
“O garimpo não salva. O garimpo faz é matar. É isso que está fazendo: malária, doença. As crianças doentes. Não era para acontecer isso dentro da floresta, dentro da Amazônia. Crianças desnutridas. Isso é um crime. Isso é genocídio”, disse.
Na segunda-feira, dia 15, após matéria veiculada no Fantástico mostrando as condições de abandono, indígenas doentes e a desnutrição de crianças yanomamis, o MPF (Ministério Público Federal) emitiu recomendação ao Ministério da Saúde para que haja uma reestruturação do atendimento à saúde aos povos da Terra Indígena Yanomami (TIY).
Segundo o MPF, dinheiro não faltou: mais de R$ 190 milhões foram destinados à assistência à saúde nos últimos dois anos no território indígena, localizado nos estados do Amazonas e Roraima. No entanto, no mesmo período, houve um registrou de piora acelerada dos indicadores de saúde.
A matéria do Fantástico mostrou a total desestruturação dos postos, tomados por matagal com piso de terra batida, doentes em condição desumana e falta de medicação básica. A resposta oficial do Ministério da Saúde mostra números positivos do “investimento” do governo na atenção básica de saúde aos indígenas.
Diante da contradição, o MPF recomendou também uma auditoria na Sesai (Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e o nDistrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI Yanomami) para apurar se os serviços de saúde estão obedecendo a parâmetros de economicidade, eficiência, eficácia e efetividade.
Alessandra denuncia que o garimpo, além de levar problemas sociais para as aldeias (como exploração sexual de mulheres e meninas indígenas) contamina os rios e prejudica as condições de vida das comunidades.
“Não era para acontecer isso. Onde existe água limpa tem peixe e frutas, onde existe garimpo, existe doença. Se você pegar uma água do rio para beber é uma água branca de lama. Duvido que um presidente, ministro ou deputado beba aquela água. Ninguém tem coragem. Mas o indígena está bebendo porque não tem saúde básica, porque não tem água potável”, afirmou.
Alessandra criticou o desmonte dos órgão de fiscalização que poderiam atuar para evitar ataques aos territórios indígenas e a outras áreas da floresta.
“Quando você tira recursos de quem é para fiscalizar do Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a própria Funai (Fundação Nacional do Índio), que é para preservar mas infelizmente ela está do lado (…) O governo tira para você ficar vulnerável e defender garimpeiro, madeireiro e as empresas. É isso que o governo está fazendo”, avaliou.
Alessandra afirma que os indígenas viraram alvos de ataques por lutarem pelos territórios. “Mas também cabe ao Estado retirar os invasores de dentro do nosso território”, disse.
Ela afirma que a continuidade destas invasões levarão os indígenas à morte e à degradação.
“Por não ter território para plantar e colher, não ter rio porque o rio está contaminado com garimpo, as pessoas estão morrendo e adoecendo por causa do mercúrio. Se não tiver território, para onde eles (indígenas) vão? Pedir esmola? Ficar na beira da estrada?”.
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