
O jornal Folha de São Paulo informa, em sua edição impressa deste sábado, dia 23, que, no município de Tabatinga, paciente com covid-19 morreu sem conseguir remoção para uma UTI em Manaus. A matéria também traz relatos sobre pacientes que não conseguem acesso a atendimento médico no município e contam, como única alternativa de resistir aos efeitos da grave doença, remédios caseiros feitos por familiares.
Em março e abril, o Amazonas foi destaque no noticiário nacional por outros improvisos no enfrentamento à pandemia, quando a doença avançou em Manaus e o sistema colapsou sem nunca chegar a 100% de ocupação de leitos nas informações oficiais da Susam e do Ministério da Saúde.
As imagens de pacientes internados e respirando com auxílio de sacos plásticos nos SPAs, sem remoção para unidades com UTI e pessoas morrendo em casa sem atendimento circularam o mundo e causaram pânico em outras cidades. Ninguém queria chegar no nível de Manaus.
Agora, Tabatinga ganha destaque no noticiário nacional com novas faces da falta do atendimento de saúde no Amazonas.
Tabatinga é a sexta cidade do interior do Amazonas em número de infectados do estado (621), mas a segunda em número de óbitos confirmados de pacientes com covid-19 (48), de acordo com dados divulgados pela FVS (Fundação de Vigilância em Saúde).
Manacapuru que lidera as mortes no interior, tem três vezes mais infectados (1904) e o dobro de mortes (81), quando comparada a Tabatinga. Manacapuru fica a 99 quilômetros de Manaus e tem ligação por estrada. Tabatinga fica a 1.106 quilômetros da cidade que concentra as UTIs que podem salvar a vida dos amazonenses nesta pandemia. Sem estrada e a remoção depende do caro sistema de UTI aérea.
A matéria da Folha de São Paulo dá destaque ao relato do líder kokama Edney Samias, 38, que afirma ter perdido em duas semanas oito parentes com sintomas de covid-19.
Edney conta na reportagem do jornal paulista que por dias esperou com as malas arrumadas a remoção do pai de 64 anos para Manaus e o acesso à UTI não ocorreu.
O pai de Edney resistiu nove dias após o pedido de remoção, segundo a reportagem da Folha que mostra o embate entre as informações do Exército e do Governo do Amazonas sobre o não acesso do paciente à remoção que poderia ter salvado sua vida.
A informação do hospital é que a remoção foi solicitada e a do governo é que não foi atualizada. “Todo dia esperava o avião vir. Estou com a minha mala arrumada desde o dia 3. Até hoje, o avião não veio, e o meu pai morreu no dia 14”, diz o filho em trecho da matéria.
Outro dado triste do avanço da covid no município da tríplice fronteira do Brasil é a descrição que a liderança indígena faz sobre os dias de aflição acompanhando as mortes dos demais parentes.
“Um atrás do outro, fomos enterrando todo mundo. Eu nem descansava. Quando ia dormir, alguém ligava: ‘Morreu teu tio’. ‘Morreu teu avô’. Se morrer mais um kokama, a gente nem tem lágrima”, diz Edney em um trecho da matéria.
À reportagem da folha, Edney relata, por fim, o que restou aos pacientes que estão à margem dos serviços públicos no interior do Amazonas em meio a devastadora pandemia: boldo, alho, limão, gengibre, jambu, andiroba, mel de abelha e aspirina, receitados pelos próprio moradores da comunidade Guadalupe, em Tabatinga.
Ele conta que este é o tratamento que tem sido ministrado nas casas da comunidade em que indígenas da etnia kokama vivem em moradias precárias, em Tabatinga.
A matéria expõe ainda reclamações dos indígenas, que se sentem humilhados e discriminados, com o atendimento no Hospital de Guarnição de Tabatinga.
Esta semana, a Justiça Federal determinou “a ampliação e a estruturação de leitos do hospital para garantir atendimento universal e igualitário a militares e civis, inclusive indígenas, enquanto durar a pandemia de covid-19”.
Para Governo do Amazonas, interior terá melhor desfecho que Manaus
Um dia antes da equipe da Folha de SP ir até Tabatinga, o Governo do Amazonas distribuiu release avaliando que “o comportamento do vírus no interior tende a ter um desfecho melhor que na capital”. Ainda segundo a avaliação do governo, “a resposta para isso pode estar na boa cobertura de atenção básica”.
A avaliação é feita com base nos números de infectados e de óbitos. Esta semana, o número pessoas infectadas com covid-19 no interior ultrapassou os registros de Manaus. O sistema de saúde ampliou o número de leitos e deu acesso a medicamentos. Após esta alteração, o ritmo acelerado dos registros de mortes diminuiu na cidade, no entanto, o índice de ocupação de leitos ainda é alto.
Ao atribuir os bons resultados à atenção básica, o Governo deu os louros às prefeituras municipais do interior, responsáveis pelo serviço. No mesmo material em que manifestou estes posicionamentos, o Governo do Amazonas apontou a falta de cobertura da atenção básica em Manaus como responsável pelos números da doença na cidade.
“No interior do Amazonas, essa cobertura é próxima de 90% da população. Já na capital, a cobertura é de 51,5%”, diz trecho do release do governo.
“Com boa cobertura de atenção básica, os municípios conseguem controlar melhor, investigar mais e notificar mais os casos e, assim, ter um melhor resultado no acompanhamento da população”, afirmou o secretário de Atenção Especializada do Interior, da Secretaria de Estado de Saúde (Susam), Cassio Roberto Espírito Santo.
No dia 17 de março, em uma das primeiras lives do Governo do Amazonas sobre covid-19, o então secretário da Susam, Rodrigo Tobias, declarou que falta de UTI no interior “não era problema”.
A declaração do governo, fez a secretaria municipal de Saúde reagir e cobrar do governo maior apoio a todas às prefeituras.
“Não só Manaus, mas todos os municípios do interior, esperam por ações práticas, políticas públicas viáveis para melhorar a situação da saúde no Estado, e que esse tipo de afirmação pode ter explicação em outros objetivos”, diz trecho da nota da Semsa.
A nota acrescentou parte da responsabilidade da baixa cobertura de saúde básica em Manaus ao governo:
“A Semsa ressalta que entre os anos de 2013 e 2019, houve oscilações na cobertura da Atenção Primária, em decorrência de fatores que independeram da gestão. A demissão, sem aviso prévio, de 232 profissionais da Secretaria de Estado da Saúde (Susam), que atuavam em 21 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Semsa, no final do mês de maio de 2019 e a cessão de 40 médicos do município para instituições de saúde do Estado contribuíram para que houvesse uma redução na cobertura em Manaus”.
Leia a matéria completa da Folha de SP neste link.