Governador e vice viram alvo de impeachment, após questionamentos de atos administrativos e políticos

Após um ano de condução política administrativa de conflito e confronto com a ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) e com servidores públicos e de questionamentos judiciais sobre decisões de enfrentamento da pandemia da covid-19, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) e o vice-governador e chefe da casa Civil, Carlos Almeida Filho (PTB), viraram alvo de um pedido de impeachment no poder legislativo.

O pedido foi apresentado pelo presidente e pela vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Viana e Patrícia Sicchar.

A aceitação para que o pedido passasse a tramitar foi do presidente da ALE-AM, Josué Neto (PRTB), que podia ter arquivado.

Toda a condução política e administrativa, que tornou o governo alvo de críticas, ganhou ampliação exponencial no último mês com a direção e escolhas que o próprio governo adotou da administração em meio ao avanço da pandemia e o esgotamento do sistema de saúde, em Manaus.

Há questionamentos sobre os detalhes técnicos da tramitação do pedido do impedimento do governador e do vice e incertezas sobre a opinião dos julgadores deste pedido. É o melhor momento para esta discussão? Todos os envolvidos vão responder, a seu turno e tempo, por suas responsabilidades.

Em que pese todo estes contextos, um fato é inquestionável: o governo amplia o desgaste, enfrenta uma crise política em meio à pandemia e colhe o que semeou. Impedido ou não, terá que colocar mais esta fatura na sua conta.

Os médicos que apresentaram o pedido de impedimento são dois nomes que estiveram na linha de confronto com o governo em 2019, nos embates relativos às medidas à saúde, condições de trabalho e pagamento dos profissionais da classe.

As imagens que chocam o mundo sobre o sistema de saúde de Manaus são distribuídas nas redes sociais e à imprensa pelos profissionais de saúde. Muitos deles sem medo de mostrar a cara e os nomes. Chegaram no limite da antipatia da relação com o atual governo.

O presidente da ALE-AM foi o alvo preferencial do chefe da Casa Civil, Carlos Almeida Filho, nos últimos meses. O embate entre os dois saiu dos bastidores e ganhou a via pública em vários momentos.

Portanto, há neste período, como em 2019, uma sequência de fatos cuja responsabilidade administrativa e política não pode ser terceirizada.

A onda de poeira que se volta como crise política em cima do governador Wilson Lima foi levantada pela condução administrativa e política que ele permitiu que fosse dada ao governo, antes e durante a pandemia.

O governador tem, nas suas mãos, o poder do cargo e a possibilidade de tomar novos rumos na condução política e administrativa do estado. Se mantiver os mesmos conselheiros e os mesmos condutores da interlocução, é difícil ver um horizonte de mudança.

Sequência de questionamentos em vários setores

Enquanto o drama dos pacientes e suas famílias aumentaram em meio ao colapso do sistema de saúde e da crise do sistema funerário de Manaus, o Governo do Amazonas passou a ser questionado na justiça por suas decisões durante a pandemia.

A medida de fechar as portas do hospital de referência de combate à covid-19, o Delphina Aziz, e distribuir a entrada na rede estadual para as demais unidades é uma delas.

Os médicos e o MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) afirmam que esta mexida desorganizou o sistema, ampliou a disseminação da doença nas unidades hospitalares e colocou em risco de morte os demais pacientes atendidos por outros motivos, que são considerados fator de risco para covid-19.

Para ampliar leitos, o governo fez contrato com um hospital particular que passou a funcionar como hospital de campanha. No dia seguinte à inauguração, o MP-AM fez inspeção no local e disse que a inauguração feita por Wilson Lima e deputados da base aliada foi “simbólica” e que faltavam na unidade equipamentos para garantir atendimento digno à população e a segurança dos profissionais de saúde.

O MP também questiona a razão pela qual o governo resolveu priorizar a criação de um hospital de campanha quando o estado poderia ter ampliado os leitos no próprio hospital referência que tinha dois andares desocupados.

Na sequência, MPF (Ministério Público Federal) e MP-AM, numa ação conjunta, pediram e a Justiça Federal condenou o Governo do Amazonas a dar transparência sobre os atos administrativos, o uso dos recursos públicos bem como os dados do sistema de saúde.

No dia 20 de abril, a ALE-AM aprovou, por maioria de votos e com adesão de deputados da base aliada de Wilson Lima, um pedido para que o Ministério da Saúde intervisse na administração da saúde em meio à pandemia. Até o deputado Belarmino Lins (PP), que diz não ter talento para a oposição, votou na medida contra o governo.

Três dias depois, foi a vez do MPF, MPT e MP-AM recomendarem que Ministério da Saúde fiscalizasse medidas adotadas pelo governo do AM no combate à covid-19.

A recomendação dos três MPs foi que, caso identificasse “irregularidades e a incapacidade do Estado do Amazonas para corrigir as ações” necessárias à condução do enfrentamento da pandemia, que o Ministério da Saúde “realizasse ações emergenciais de acompanhamento, auditoria e controle das medidas adotadas pelo governo do Amazonas no combate à pandemia de covid-19 e a atuação direta do Ministério da Saúde nas ações de vigilância epidemiológica e sanitária e no atendimento em saúde relativos à pandemia”.

Em meio ao caos, os funcionários do Hospital 28 de Agosto protestaram na avenida em frente à unidade por EPI (Equipamento de Proteção Individual) e pagamento de salários. Depois se queixaram de perseguição.

A presidente do Sindicato dos Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, Graciete Mouzinho, informou que há enfermeiros e técnicos de enfermagem com oito meses de salário atrasados que levam marmita do hospital para a família comer em casa.

“Não temos EPI adequado e quando adoecemos vamos para o rabo da fila também. Como vamos retornar a trabalhar e dar assistência à população, se estamos adoecendo e não temos medicamentos para nos tratar?”, questionou.

Após o UOL publicar matéria sobre a aquisição com valor acima do preço de mercado de respiradores inadequados ao tratamento da covid-19 pelo Governo do Amazonas, que foi noticiada primeiramente pela jornalista Cintia Blink no site Amazonês, a PGR (Procuradoria Geral da República) apresentou denúncia para investigar o governador Wilson Lima.

Some-se a todos estes fatos, a troca de comando na Susam em meio à pandemia por uma secretária importada do interior de São Paulo e sem conhecimento de Manaus e Amazonas.

Todas escolhas foram feitas e tomadas pelo governo.

Governo e Josué Neto

O presidente da ALE-AM, Josué Neto, ao comunicar durante a sessão virtual da ALE-AM que aceitaria autorizar a tramitação do pedido de impeachment disse que fazia isso para ser imparcial.

“Vivemos a maior tragédia humanitária do nosso estado. A única forma de demonstrar imparcialidade é não favorecendo quem quer que seja e quem vai tomar a decisão não é uma pessoa, mas toda a casa (poder legislativo) e, em última instância, a sociedade do Amazonas”, declarou.

O presidente da ALE-AM afirmou que os médicos que fizeram a denúncia contra o governador e o vice alegam que além do colapso da saúde, o governo colapsou e que o primeiro problema só se resolve trocando o comando do estado.

“O que estamos discutindo, que é colocado pelos médicos, é que está claro que temos um colapso no sistema de saúde. E o diagnóstico deles é que há um colapso político também. E só é possível resolver o colapso da saúde, se antes resolvermos o colapso do governo”, disse.

O Governo do Amazonas emitiu nota na tarde desta quinta-feira sobre o início da tramitação do impedimento e disse que a decisão, além de não ter fundamento, está contaminada por “questões eleitorais”.

O governo diz que o inimigo é a covid-19 e afirma que o ato é “decisão solitária” do presidente da ALE-AM. Josué Neto é aliado do presidente Jair Bolsonaro no Amazonas e pré-candidato a prefeito de Manaus.