Governo focou Monte Horebe e negligenciou convid-19, afirma sociólogo em audiência na ALE

Foto: Audiência pública virtual da ALE-AM sobre a evolução da pandemia no Amazonas. (Joel Arthus/Divulgação)

O professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e sociólogo, Luiz Fernando afirmou que o Governo do Amazonas focou na polêmica e criticada retirada de famílias da ocupação Monte Horebe e negligenciou preparo para enfrentar covid-19, orientada pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

A declaração do sociólogo ocorreu durante a audiência pública promovida pela ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) na manhã desta segunda-feira, dia 8, numa sessão virtual. Médicos e professores de instituições de pesquisa do Amazonas voltaram a criticar o plano de reabertura do Governo Wilson Lima que está na segunda semana de execução.

“O primeiro registro de caso covid-19 no nosso estado foi em 13 de março. Neste mesmo dia, o estado estava comemorando a desocupação do Monte Horebe. Grande parte do poderio das instituições estatais, que poderiam estar se organizando para enfrentar os efeitos da chegada do coronavírus, estavam todos ou grande parte dele a serviço da desocupação do Monte Horebe”, disse.

O sociólogo afirmou que a pressa e a pressão para a reabertura do comércio não se justificam diante do efeito a longo prazo que a economia inevitavelmente sofrerá com a pandemia.

Decontrole e achismos

A audiência pública foi realizada pela ALE-AM para ouvir representantes da ciência no estado sobre a evolução da pandemia.

Para os pesquisadores, a pandemia não está sobre controle nem no Amazonas e nem no mundo. Ressaltaram que os protocolos da reabertura são frágeis, colocando o estado em risco de novo surto de infectados e morte sobre a doença.

Ele também destacaram como “louvável” a inciativa da ALE-AM de promover a audiência por serem pouco ouvidos pelos poderes públicos.

Liberação geral

O infectologista e ex-diretor presidente da FVS (Fundação de Vigilância Sanitária), Bernardino Albuquerque, afirmou que o plano de reabertura do governo sinaliza afrouxamento nos cuidados que devem ser mantidos.

“Essa reabertura não está soando como gradual ou algo que temos dado continuidade à contenção. Isso está soando para a população como se já houvesse uma liberação geral de todo o processo de contenção”, disse.

Sem base científica e com achismos

Nelson Fraiji, do Hemoam (Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas), afirmou que a decisão do governo se baseou em achismos e lamentou que a ciência não esteja embasando a tomada de decisões na pandemia.

“A decisão que se tomou para este protocolo não tem base científica. Aliás, muito que tem sido feito nesta pandemia, lamentavelmente não tem usado os dados científicos, que poderiam estar amparando as decisões. É uma pena”.

Governo Federal e Estadual distante dos municípios

Fraiji criticou, ainda, a confusão nas tomadas de decisões em direções contrárias nos governos federal e estadual. Em seguida, o médico também criticou o distanciamento entre governo do estado e prefeituras. “O drama, o resultado humano do que vai ocorrer no interior é muito pior do que aconteceu na capital”.

Interior repete histórico de abandono e é ignorado

Nelson Fraiji destacou o histórico olhar voltado para a capital e a colocação do interior num espaço “como se não pertencesse ao Amazonas”. O médico disse que o governo precisa ouvir os cientistas, fazer inventário sobre o real número de infectados e tomar menos decisões com base em “achismos”

Para Fraiji a reabertura coloca em risco a vida da população do interior. Ele considera que, se UTIs estiverem lotadas quando a necessidade do interior se impuser, o desastre no Amazonas será “duplo”. “Para o interior sobrará só a morte”.

Atenção básica precária explica dados alarmante em Manaus

O professor da Ufam Henrique Pereira, que coordena um levantamento sobre o acompanhamento do isolamento no interior do Amazonas, disse que uma das causas de Manaus ter dados tão alarmantes na pandemia pode ser a precariedade da atenção básica, argumento que causou tensão na relação governo e prefeitura de manaus há alguns dias

Saia justa para cientistas governistas

Henrique Pereira destacou que há doutores e cientistas ocupando cargos no executivo estadual e que só não sabe dizer se os mesmos são ouvidos pelo governo.

Experiência adquirida e leitos

A pesquisadora Luiza Garnelo, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), afirmou que a diminuição dos registros oficiais do número de infectados se deve à subnotificação, que se mantém no Estado, o aumento do número de leitos, a melhoria dos insumos e a um melhor preparo dos profissionais da saúde em função da experiência das últimas semanas com a doença.

Ela defendeu transparência nos dados é crucial no enfrentamento à pandemia.

Dados de notificação no interior superiores a Manaus é grave

Para a pesquisadora, os dados que mostram que maioria da notificação da doença no interior, onde vive menos da metade da população do Amazonas, é muito grave. Ela ressaltou que as pessoas que vivem nos municípios do interior estão desprovidos de atendimento descentralizado e especializado.

Críticas aos deputados 1

A ausência da maior parte dos deputados na audiência foi criticada pelos pesquisadores. Apenas o deputado Serafim Corrêa e o presidente da ALE-AM, Josué Neto, participaram de toda a sessão que durou mais de quatro horas. A deputada Mayara Pinheiro (PP) e o deputado Augusto Ferraz (DEM) estiveram presidente em grande parte das falas.

Nelson Fraiji fez um das críticas mais contundentes. Disse que a ausência dos parlamentares significava que as consequência da pandemia na saúde e nas mortes de amazonenses não é algo prioritário na preocupação dos deputados e deputadas ausentes.

O médico também sugeriu que uma nova audiência envolvendo representantes do Executivo estadual e municipal deveria ser feita para que a audiência tivesse efeito prático e não fosse apenas peça de marketing.

Críticas aos deputados 2

O sociólogo Luiz Fernando afirmou que falta debate sobre as políticas pública de atenção aos povos indígenas que também é papel do parlamento estadual.

Respostas

O deputado Serafim Corrêa se desculpou e lamentou a ausência dos demais parlamentares da ALE-AM.

O presidente da ALE-AM, Josué Neto, disse que toda crítica era bem vinda num ambiente democrático. Defendeu que a divulgação do conteúdo da audiência na mídia é um instrumento de importante comunicação com a sociedade, que deve ser envolvida no debate.

Josué Neto ressaltou ainda que todo conteúdo da audiência seria encaminhado à AAM (Associação Amazonense dos Municípios) e às prefeituras municipais. O parlamentar informou, ainda, que uma nova audiência deve ser convocada para ouvir os representantes dos municípios amazonenses.

Não me convidaram

Na coletiva que realizou na sede do governo, na manhã desta segunda, o governador foi questionado três vezes sobre o conteúdo debatido na audiência da ALE-AM.

Numa das respostas disse: “O governo não foi convidado. Nenhum especialista nosso foi convidado. Não posso comentar. Não sei”.