
Cerca de 1.100 indígenas de 42 municípios do interior do Amazonas participaram na quarta-feira, dia 14, e quinta-feira, dia 15, da 4ª Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas.
O estado com maior população indígena do País registrou a mobilização de representantes de 51 das 64 etnias do Amazonas, segundo o Foreeia (Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas).
A mobilização dos povos indígenas do Amazonas ocorreu em meio a uma série de declarações e proposições negativas da maior autoridade política do País, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), sobre temas indígenas.
Além da pauta nacional relacionada às garantias territoriais e culturais dos povos indígenas e de combate à violação, negação e desrespeito aos direitos destas populações, a 4ª Marcha marcou posicionamento firme e crítico em relação ao Governo do Amazonas e à ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas).
A 4ª exige que escolas sejam adequadas ao ensino em comunidades indígenas, querem que o Estado crie um fundo para administrar recursos públicos para políticas públicas e que uma comissão que represente o movimento possa acompanhar e participar das tomadas de decisões.
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Mobilização
“Durante a organização ficamos em dúvida se íamos conseguir. Se as pessoas viriam. Não tínhamos recursos e nem apoio. Fizemos rifas. Diante de todo esse retrocesso, as coisa aconteceram como milagre. Tinha que ocorrer. Fomos recebidos e ouvidos”, avaliou Alva Rosa Tukano, que é membro da comissão ampliada do Foreeia.
A avaliação é que a 4ª Marcha foi uma das mais exitosas no contexto da organização e adesão do movimento.
“Já identificamos que se não nos unirmos não vamos conseguir nada para enfrentar o que esta ocorrendo com os povos indígenas”, declarou Ana Rosa.
Outra diretora do Foreeia, Cristina Canuto, disse que se sente muito realizada com a adesão à marcha de lideranças, especialmente em função do momento de fragilidade e pela alta de recursos financeiros para trazer a Manaus lideranças de áreas de difícil acesso do estado.
“Há uma liderança indígena que diz que só seremos livres quando soubermos caminhar com nossas próprias pernas e não ter ninguém nos representando. E eles (lideranças do interior) estavam lá. Custearam suas passagens, trouxeram seu racho para passar três dias na cidade. Isso para mim foi como um sonho. Ver o retorno de alunos do magistério indígena materializando o que aprenderam para usar o direito de reivindicar. Me me sinto fortalecida”, declarou Cristina.
Manifestações na Seduc, ALE-AM e Governo
As lideranças fizeram manifestações e reuniões com secretários e representantes da Sejusc (Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania), Seduc (Secretaria de Estado de Educação), Ufam (Universidade Federal do Amazonas), UEA (Universidade do Estado do Amazonas), ALE-AM (Assembleia Legislativa do Amazonas) e Governo do Amazonas.
Quase 60% das escolas indígenas funcionam em locais improvisados
Na Seduc, os indígenas pediram a criação de uma secretaria adjunta indígena e que a pasta promova a estruturação adequada de escolas indígenas que funcionam de maneira precária atualmente.
As lideranças reclamaram sobre a a educação que o Governo do Amazonas oferece aos povos indígenas: quase 60% das escolas indígenas funcionam em locais improvisados, segundo o Foreeia.
Marcha conquista novas licenciaturas indígenas
A programação da 4ª Marca dos Povos Indígenas do Amazonas tinha como pauta a ampliação de licenciaturas indígenas no ensino superior do Estado. Na Ufam, os indígenas foram recebidos pelo reitor da instituição, professor Sylvio Puga, que anunciou duas novas turmas de Licenciaturas Interculturais pela Instituição.
Na UEA, a 4ª Marcha reivindicou a criação de uma assessoria indígena para tratar da demanda. “A demanda no Estado do Amazonas é muita. A UEA não oferta curso superior. Há um curso de licenciatura intercultural do Governo Federal. Específico da UEA não tem”, afirmou Alva Rosa Tukano.
Na ALE-AM, apresentação do PPA e repúdio a corte de verbas
De acordo com o diretor da Foreeia, Yura Marubo, os indígenas não tiveram espaço para manifestação durante a 4ª Marcha de Povos Indígenas do Amazonas na Casa Legislativa do Estado.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Assuntos Indígenas e Legislação Participativa, Dermilson Chagas (PP) os atendeu e recebeu suas pautas.
Os indígenas reclamam sobre o corte no orçamento, garantido no ano anterior na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 0,5% para políticas públicas voltadas aos povos indígenas que, em julho deste ano, foi zerado na ALE-AM após proposta do governo de reduzir para 0,15%.

O percentual anterior obrigava o governo a direcionar cerca de R$ 65 milhões, referente ao orçamento deste ano, diretamente a programas e serviços públicos à população indígena do Estado.
“Esses malditos deputados que estão aí há tanto tempo não conhecem o Estado. Só conhecem onde há voto”, declarou Yura Marubo.
Alva Rosa Tukano disse que em nenhum momento os indígenas foram chamados para conversar ou comunicados sobre o corte para tentar convencer e negociar que o mesmo não fosse tão radical.
“Em nenhum momento fomos ouvidos ou informados. O setor primário, que tem deputados que os representam, conseguiu manter 2,5%. Mas nós não fomos sequer alertados”, disse Alva Rosa.
Ela afirmou que o deputado Dermilson Chagas se comprometeu em fazer de tudo para que as pontuações feitas na proposta dos indígenas para o PPA (Plano Plurianual) sejam atendidas.
O PPA define macrodiretrizes e metas do Governo do Estado para a gestão dos recursos e políticas públicas dos próximos quatro anos, ajudando a orientar a definir prioridades.
Lideranças foram recebidas e ouviram promessas do vice-governador
Na manifestação do dia 15, as 1100 lideranças se concentraram em frente à sede do Governo do Amazonas. Sem agenda prévia confirmada com representes do Executivo, embora tenham solicitado com antecedência, o vice-governador Carlos Almeida Filho (PRTB) atendeu uma comissão.
“Fomos chamados para formar uma comissão e entrar. Não era o que queríamos, mas formamos uma comissão. Entendemos que em momentos assim é preciso ceder”, afirmou Cristina Canuto.
Yura a Ana Rosa disseram que o documento construído de forma coletiva pelos indígenas foi entregue ao vice-governador. As principais linhas da proposta do PPA pelos indígenas são: a criação de um fundo com recursos para políticas públicas e uma comissão para acompanhar e direcionar o uso destes recursos.
“O vice-governador leu e disse que os secretários deveriam fazer o que os indígenas fazem”, disse Yura Marubo sobre o PPA.
Segundos os três líderes, o representante do Governo do Amazonas disse que as reivindicações seriam analisadas para serem atendidas.
“O vice-governador disse que ia marchar com a gente em dezembro”, afirmou Marubo.
Avaliação positiva
Cristina Canuto avalia que o resultado da 4ª Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas foi muito positivo. Ela afirmou que uma terceira marcha deve ser realizada ainda este ano em dezembro, no período em que a ALE-AM deve votar o orçamento do próximo ano. Na contagem geral, seria a 5ª Marcha considerando que a primeira ocorreu em 2016.

Em abril, os indígenas realizaram a 3ª Marcha, foram recebidos pelo governador Wilson Lima (PSC). Os cortes no orçamento não foram tratados, na ocasião.
“Prometeram voltar. Nas avaliações, disseram que precisam trazer mais pessoas e vão se organizar para este maior número estar presente na 5ª Marcha, em dezembro, quando vamos avaliar o que foi ouvido e atendido pelo governo do que reivindicamos agora”, declarou Cristina.
Manifesto da 4ª Marcha:



Fotos: Foreeia – Divulgação