
O desembargador Claudio Roessing declarou que no TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas) interesses pessoais prevalecem sobre a lei e a justiça. O magistrado declarou, em tom irritado, que interpretações absurdas da lei “constrangem” o poder judiciário do Amazonas, durante uma sessão virtual fechada, que o blog teve acesso a trechos do áudio.
Na reunião, outros desembargadores criticaram decisões do TJ-AM. A legalidade das decisões do tribunal foram questionadas pelos próprios componentes do colegiado mais poderoso da justiça do Estado do Amazonas.
“É essa a interpretação que eu estou tendo. O tribunal vai de acordo com a música. Ou seja, de acordo com os interesses do momento, que se decidem as coisas. Os interesses pessoais prevalecem sobre a lei e sobre a justiça, sobre os homens. Estamos aqui não por acaso. Não somos idiotas, não somos crianças, sabemos interpretar leis”.
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E continuou: “Essas interpretações absurdas é que fazem o constrangimento do judiciário. É um absurdo o que se tem que fazer agora. Não somos moleques. Estou triste de participar de uma reunião como essa. Querer utilizar de interpretação e buscar interesse pessoal em detrimento da lei”, declarou o desembargador Roessing.
O pano de fundo da declaração do magistrado é o cargo de diretor da Esmam (Escola Superior de Magistratura do TJ-AM) e o primeiro ato do presidente do TJ-AM, Domingos Chalub, interpretado como “pernada” pelos aliados do desembargador e antecessor de Chalub, Yêdo Simões.
A briga representa o primeiro racha no chamado grupo Pascarelli, que há anos com votações no estilo trator, no pleno do tribunal, aponta quem ocupa cargos de poder e administrativos no judiciário por ampla maioria de votos em decisões que cabem ao pleno do TJ-AM.
Mesmo com o racha, o grupo reuniu 14 dos 26 votos e decidiu impedir a nomeação do ex-presidente do TJ-AM, Yêdo Simões, até pouco tempo aliado de Chalub e Pascarelli, para a vaga de diretor da Esmam.
A Esman nunca foi o cargo mais disputado do TJ-AM, mas nesta segunda-feira, dia 6, virou pauta para uma reunião cheia de declarações de membros do próprio tribunal expondo a justiça estadual.

Desde 2018, quando uma lei foi aprovada para alterar regra anterior, o artigo 92 era interpretado como garantia de que o presidente que deixasse o cargo do TJ-AM assumisse a Esmam.
Ao assumir o cargo de presidente do TJ-AM, na sexta-feira, dia 3, em substituição ao desembargador Yêdo Simões, o desembargador Domingos Chalub deu interpretação diferente ao entendimento anterior e decidiu que poderia indicar qualquer ex-presidente. Sendo assim, indicou o desembargador e ex-presidente do TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas), João Simões.
A medida foi questionada pelos desembargadores que não fazem parte do grupo Pascarelli e membros do grupo.
“É uma vergonha a justiça agir dessa forma”
O desembargador Cládio Roessing, que não é do grupo Pascarelli, afirmou na sessão desta segunda-feira, que se sentia triste em participar de uma reunião como aquela e que a interpretação era uma “vergonha” para o TJ-AM. Roessing relembrou a postura de Chalub quando se oficializou a quebra da tradição da antiguidade para os cargos de direção no TJ-AM.
“Há pouco mais de dois anos, se decidiu por maioria, que qualquer um poderia se inscrever independe de antiguidade. Eu votei contra este absurdo que contraria todos os tribunais do País e fui vencido como outro colegas. Agora, o presidente Chalub, no primeiro dia que assume, alega que tem que colocar o mais antigo. Quer dizer, a antiguidade só existe agora. Para cargo de direção, não existe? (…) É uma vergonha a justiça agir dessa forma”, disse.
Mauro Bessa diz que o TJ é contumaz em decidir contrariamente à lei
O desembargador Mauro Bessa, que também não faz parte do grupo Pascarelli, declarou que o desembargador Domingos Chalub começava mal sua administração do TJ-AM. O magistrado destacou que o TJ-AM é contumaz (que tem hábito e age por vontade própria em determinada conduta) em decidir contrariamente à lei.
“Vossa excelência está começando errado sua administração (…) A interpretação é equivocada. Em principio, pensei também em me abster. Digo aqui, com todas as leras, que o tribunal aqui é contumaz em decidir contrariamente a lei, principalmente no âmbito administrativo”, afirmou.
Ao final de suas declarações, o desembargador Mauro Bessa ouviu o agradecimento irônico do presidente do TJ-AM: “Muito obrigada pelo elogio”.

Yêdo Simões bate na mesa e desafia Pascarelli e Chalub: “Vou a todos tribunais e jornais se a imoralidade continuar”
O ex-presidente do TJ-AM Yêdo Simões, que até então era do grupo Pascarelli, ameaçou expor a manobra que ela acredita estar sendo feita contra ele nos jornais e tribunais “de todo País” e chamou a ação de tentar impedi-lo de assumir a Esmam de “imoralidade”.
“Se isso permanecer, essa imoralidade, vou a todos os jornais e tribunais do País, vou fazer valer meu direito. Estou defendendo um direito. Eu quero acrescentar que o desembargador Domingos Chalub não tem competência de indicar o presidente da escola. Não queira me fazer de cego para fazer não entender da lei. Não tem uma ressalva que albergue a pretensão de João Simões. Ele só poderia se eu desistisse e eu já assumi a escola. Para me tirar de lá, vamos ter que discutir isso. Acho que não é bom isso para o tribunal, neste momento”, ameaçou.
Yêdo Simões afirmou que a garantia que o presidente que deixasse o cargo na direção do TJ-AM assumira a Esmam foi uma alteração capitaneada pelo desembargador Flávio Pascarelli.
No início de sua manifestação no debate sobre o assunto, Yêdo Simões disse ter ficado surpreso com a posição tomada pelo desembargador Chalub “diante da letra expressa da lei”.
O magistrado afirmou que, em 2013, a regra era que o diretor da escola seria nomeado pelo presidente e que este deveria ouvir o plenário do TJ-AM. Ou seja, os demais desembargadores do colegiado.
Ele explicou ainda que o artigo 92 paragrafo 2º da lei, que trata sobre a indicação da direção da Esman, diz que o cargo caberá ao desembargador que encerra a presidência do TJ-AM, salvo recusa expressa ou tácita. Neste caso, a escolha caberia ao presidente do TJ-AM que teria que submetê-la à indicação do plenário.

A partir deste momento, ele se volta para o desembargador Pascarelli, seu aliado até este momento e o questionou.
“Em 2018, o próprio desembargador Pascarelli sugeriu que alterássemos a lei complementar de 2017 para a Lei Complementar 190 de 10 de agosto de 2018. Isso, na minha gestão. (…) (Chalub) não pode indicar o desembargador João Simões. Não que ele não mereça. É um colega com competência. Mas é como revogar a lei”, disse.
Mais uma vez, Yêdo ao questionar a interpretação que o grupo faz da regra e neste momento o prejudica, interpela o desembargador Flávio Pascarelli.
“Mudar a lei com uma interpretação. Só vou falar isso. Porque respeito todos os desembargadores. São todos inteligentes e preparados. Senão, não estariam como desembargador. E não podem ir nessa cantilena (canção ou poema simples), que vai assegurar a antiguidade do colega, ou não vai assegurar. Não fui eu que quebrei a antiguidade. Foi vossa excelência”, declarou Yêdo Simões.
Outras manifestações contrárias à decisão de Chalub
O desembargador Paulo Lima, que também não é do grupo Pascarelli, se absteve de votar, mas afirmou que o entendimento do presidente do TJ-AM contraria a lei.
“Entendo que a lei é bastante clara. Não se faz outro tipo de interpretação. Tanto que essa foi a motivação: dar ao desembargador que encerrava o mandato o cargo de destaque”, disse.
A desembargadora Socorro Guedes afirmou que a solução para dar este tipo de interpretação teria que se basear numa alteração da lei e que ninguém fez esta proposta.
“Peço venha ao presidente, não consigo interpretar de outra maneira. O artigo 92 é claro: caberá a quem encerrar o mandato e quem encerrou foi o desembargador Yêdo Simões”, disse.
O desembargador Ari Moutinho, que é do grupo Pascarelli, disse que é preciso respeitar a lei que está em pleno vigor. “Salvo melhor juízo, colegas com opiniões divergentes, não vejo como referendar a decisão do presidente. Toda venha, mas faço isso por um dever de consciência”, declarou.
TJ-AM
De acordo com a assessoria de comunicação do TJ-AM, “a escolha dos dois magistrados para a nova gestão da Esmam levou em consideração o que determina o art. 92, 2.º, da Lei Complementar n.º 17/1997”. A interpretação da assessoria do tribunal presidido pelo presidente Chalub é que “a direção da escola caberá ao desembargador que já tiver encerrado o mandato de presidente do Tribunal de Justiça”.
A assessoria, indica que o parágrafo 3.º do mesmo artigo diz, ainda, que a direção da Esmam só poderá ser exercida por um desembargador que não ocupe cargo de direção no TJ-AM e no TER-AM, “escolhido pelo presidente do Tribunal de Justiça e submetida a indicação à aprovação do Pleno”.
Nessa condição, segundo a assessoria, encontram-se seis desembargadores que já encerraram seus mandatos na Presidência e permanecem como membros da Corte: Djalma Martins (2000-2002); João Simões (2010-2012); Ari Moutinho (2012 a 2014); Graça Figueiredo (2014-2016); Flávio Pascarelli (2016-2018); e Yedo Simões (2018-2020).
“O desembargador João Simões foi escolhido, com base em dois critérios: a nomeação não poderia recair sobre o magistrado que já tivesse exercido o cargo de diretor da escola; e o critério de antiguidade – de modo a prestigiar o membro mais longevo da segunda instância”, informa material da assessoria publicado no site do TJ-AM e enviado ao blog.
A reportagem solicitou entrevista para ouvir o desembargador Flávio Pascarelli sobre a questão, mas não obteve resposta.
Ouça os áudios com as declarações dos desembargadores na reunião fechado ao público que o blog teve acesso no Instagram Rosiene Carvalho.