IPI: Governo Bolsonaro sufoca desenvolvimento regional, Fundeb, estados, municípios e acaba com ZFM

*Matéria atualizada em 26.02.2022, às 11h08

O Decreto nº 10.979 publicado na noite desta sexta-feira, dia 25, às vésperas de um feriado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e anunciado como “um marco para a reindustrialização do País” pelo ministro Paulo Guedes é um dos mais duros golpes contra estados, municípios e na ZFM (Zona Franca de Manaus), espinha dorsal da economia no Estado do Amazonas. A avaliação é da Comsefaz (Conselho de Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal) e de parte da classe política do Amazonas que reagiu ao decreto nesta noite.

O decreto aplica um corte linear e imediato de 25% nas alíquotas do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em todo País. À imprensa, o ministro Paulo Guedes disse que a medida é a melhor política nacional que pode ser feita. O ministro afirma que a redução do imposto se justifica porque estados estão com “excesso de arrecadação”.

A medida, aparentemente simpática em ano eleitoral, é classificada pela Comsefaz como equivocada porque só vai “facilitar a vida das empresas, que vão aumentar suas margens” e não chegará ao consumidor como promete Guedes. O Comsefaz afirma que experiências anteriores já demonstraram este quadro.

Além de não incentivar a atividade industrial e nem reduzir os preços, para o Comsefaz o corte do imposto terá reflexos fiscais preocupantes nas três esferas federativas, sobretudo para estados e municípios.

Os cálculos do Conselho indicam que, da redução de 25% do IPI, o total do impacto na arrecadação será de R$ 20,9 bilhões, sendo que, deste montante, R$ 8,4 bilhões sairão da União e R$ 12,5 bilhões dos demais fundos que assistem estados e municípios.

“Sendo R$ 4,5 bilhões no Fundo de Participação dos Estados (FPE), R$ 5,3 bilhões no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 2,1 bilhões no Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-Exp).”, afirma trecho da nota do Conselho.

O Comsefaz indica que haverá impacto ainda no repasse de 20% para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Outra perda está relacionada aos fundos que financiam políticas de desenvolvimento regional como os Fundos Constitucionais FNE (Fundo de Financiamento do Nordeste), FNO (Fundo de Financiamento do Norte) e FCO (Fundo de Financiamento do Centro-Oeste). O impacto previsto para estes fundos é de R$ 0,6 bilhões.

O argumento do ministro de que é preciso acabar com o risco de “inchar a máquina de novo” porque houve acréscimo de arrecadação em função do “aumento estrutural de receitas” é desmentido pela Comsefaz. Para o Conselho, o “Ministério da Economia faz uso equivocado do conceito” econômico.

“O termo “estrutural” é utilizado pela literatura “para diferenciar as mudanças permanentes do resultado fiscal das oscilações decorrentes de fatores cíclicos, atípicos ou não-recorrentes”. Ou seja, é necessário mudanças na estrutura da economia ou na legislação. Portanto, o crescimento real da arrecadação não é sinônimo de crescimento estrutural, como argumenta o Ministério da Economia. É necessário isolar os efeitos cíclicos e comportamentos conjunturais da economia, como é o caso, por exemplo, do comportamento da arrecadação do setor de serviços em comparação com a indústria, durante a pandemia. Trata-se de uma conjuntura específica que tende a não se consolidar ao longo do tempo”, afirma a nota do Comsefaz.

A nota esclarece que a condição circunstancial de aumento da arrecadação não altera um quadro de crise fiscal nos estados, enfrentado desde 2014 e, por isso, a medida é preocupante para estados e municípios.

Zona Franca de Manaus

Assim como os demais estados, o Amazonas é afetado nos repasses dos fundos sustentados pelo IPI. Mas o baque é muito pior porque de todos os golpes e impactos que a equipe econômica desferiu contra o modelo Zona Franca de Manaus, que sustenta toda economia do estado, este é o pior.

A redução e 25% do IPI em todo País atinge com contundência o principal benefício fiscal concedido às indústrias instaladas na ZFM. Sem vantagem comparativa, as empresas não contam com atrativo para se manter longe dos principais centros de consumo do País. Para outros, parte dessa indústria sai do Brasil, a exemplo do que ocorreu com a Pepsi, numa das reduções do IPI nos concentrados, que deixou a ZFM e se instalou no Paraguai.

“Fetiche de acabar com a ZFM”

O deputado estadual e tributarista Serafim Corrêa (PSB) afirmou que o ministro Paulo Guedes aproveitou a encenação que vai ajudar a indústria e a redução de preços para o consumidor “para dar vazão a seu fetiche de atacar a ZFM”.

“Quando ele diminui linearmente o IPI, ele está diminuindo também dos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus e, assim, as vantagens comparativas que temos – e que atraíram investimento para cá – vão para o espaço e, se houver perda de competitividade, as empresas que estão aqui, vão sair”, disse.

Serafim Corrêa defende que o governador Wilson Lima (PSC) e os prefeitos de Manaus e do interior se manifestem contra essa redução, que prejudicará a economia no estado.

O secretário municipal de Educação e ex-deputado federal, Pauderney Avelino (União Brasil), gravou vídeo afirmando que o Governo Bolsonaro decretou o fim da ZFM ao reduzir em 25% o IPI de todos produtos produzidos na ZFM e do País.

“Estamos perdendo competitividade. Esses produtos serão exportados do exterior. Essas empresas poderão sair de Manaus e ir para o resto do Brasil. Ou, ainda, ir para qualquer outro lugar do País. Guedes e presidente Bolsonaro, revoguem o decreto. O Brasil precisa da indústria, os senhores não podem matar a indústria com argumentos pueris ou politiqueiros. Por favor, o Brasil é maior. O Amazonas é maior. O Amazonas precisa da ZFM. Revoguem este decreto”, disse Pauderney.

O governador Wilson Lima (PSC) postou um texto nas redes sociais dizendo que o decreto “causou grande preocupação nele” e que “vai lutar até o fim para que a medida, tão prejudicial ao povo do Amazonas, seja revogada pelo Governo Federal”. O governador disse que já marcou reunião com o ministro Paulo Guedes para tratar a questão.

“Estarei acompanhado do prefeito de Manaus, de representantes da indústria e dos demais segmentos econômicos do estado”, disse.

O senador e pré-candidato ao Governo do Amazonas Eduardo Braga (MDB) também gravou vídeo para manifestar sua crítica em relação ao decreto que chamou de “ataque praticamente mortal” à ZFM e trabalhadores amazonenses.

“Esse decreto prejudica gravemente, seriamente a ZFM. Os produtores de motocicleta, de televisão, de bens de informática, todos serão gravemente penalizados. A partir de agora o governo do presidente Bolsonaro assume uma posição contra a ZFM e contra os trabalhadores do Amazonas. Espero que todos nós possamos nos unir. Já enfrentamos adversários como esses e sobrevivemos. Todos temos que ficar unidos e alerta para este ataque praticamente mortal aos trabalhadores e às empresas da ZFM”.

O senador Omar Aziz afirma que o decreto é um ataque mortal ao Amazonas. “O presidente Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes sempre falaram que iam defender a ZFM. Conversa. Já não tem compromisso com Amazônia, com as florestas. A ZFM era uma garantia da proteção da floresta. Hoje, o presidente Bolsonaro, junto com a equipe econômica do seu governo, anuncia a derrocada, a morte da ZFM. Nós que temos amor por este estado não podemos permitir que o presidente de plantão acabe com a ZFM”, disse.

Omar: “fome e desespero para o povo amazonense”

Omar defendeu união para enfrentar o problema. “Já tentaram várias vezes acabar com a ZFM e não conseguiram. Não vai ser você, presidente Bolsonaro, com sua equipe incompetente, que não consegue acabar com o problema do povo brasileiro, que vai trazer fome e desespero ao povo amazonense”, disse.

O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), emitiu nota de repúdio e disse que a medida é “ameaça real para mais de 100 mil empregos e menos receita para investimentos em saúde, educação, tecnologia e infraestrutura em benefício do nosso povo”.

David diz, na nota, que é inaceitável um decreto agressivo três dias antes do aniversário de 50 anos da Suframa e que o “decreto do ministro Paulo Guedes é um punhal nas costas de todos os amazonenses”.

David também defendeu união por parte das forças políticas do Estado contra a medida do Governo Federal e que avalia questionar o decreto do presidente no STF (Supremo Tribunal Federal).

O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PSD), afirmou que a ZFM sofreu o mais grave ataque de toda sua história. “O decreto acaba com a ZFM se não for revertido. O mais grave é que havia um compromisso do ministro Paulo Guedes confirmado pela secretária (de Produtividade e Emprego) Daniella Consentino, confirmado aqui na reunião do CAS (Conselho Administrativo da Suframa), nesta semana, de excepcionalizar os produtos da ZFM”, disse.

Ramos afirmou que toda indústria do País também está sob ameaça porque podem perder competitividade para produtos produzidos na China. “Toda indústria incentivada do Brasil está em risco, na medida em que indústria de informática, semicondutores e displays também perderão competitividade para a indústria chinesa”, avaliou o deputado.

O deputado federal acusa o presidente de “populismo eleitoral” e, em nome disso, transferir empregos de amazonenses para o resto do País e empregos de brasileiros para a China. Ele diz ainda que Bolsonaro comete crime eleitoral previsto na Lei das Eleições (n° 9.504) que em seu artigo 23, parágrafo 10° proíbe concessão de benefícios em ano eleitoral.

O deputado federal Sidney Leite (PSD) classificou o decreto como “duro golpe” nas redes sociais e disse: “Não aceitaremos”.

O senador Plínio Valério disse que o “Governo Federal está sendo ruim com a gente” e que “mais uma vez e não será a última que o Governo Bolsonaro ataca a ZFM”. O senador disse que a bancada do Amazonas irá se reunir no final de semana para “mais uma vez” defender os interesses do estado.

O deputado federal e economista José Ricardo (PT) chamou o presidente Bolsonaro de inimigo do Amazonas. O deputado comparou o tratamendo dispensado à ZFM nos Governos do PT e no Governo Bolsonaro. “Pode comprometer a arrecadação pública com menos recursos para saúde, educação, segurança, inclusive para manutenção da UEA. Enquanto Lula e Dilma prorrogaram os incentivos, Bolsonaro está decretanto o fim da ZFM. Não podemos aceitar isso. Vamos estar estudando as medidas, inclusive de projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos desse decreto tão maléfico para o povo do Estado do Amazonas”.

*Matéria atualizada em 26.02.2022, às 11h08: acrescentado o posicionamento do deputado José Ricardo

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