Lukács, ódio ao capitalismo e coronavírus: sete notas marginais

Imagem: Saúde.ms.gov.br

*José Alcimar de Oliveira

01. Recebi, há pouco, do meu velho amigo Lukács, um excerto do longo prefácio, de 1967, que ele escreveu para a sua História e consciência de classe: “Nunca incorri no erro de me deixar impressionar pelo mundo capitalista, o que diversas vezes pude observar em muitos operários e intelectuais pequeno-burgueses. O ódio cheio de desprezo que sentia desde os tempos de infância pela vida no capitalismo preservou-me disso”.

02. Trazendo Lukács para o protetorado norte-americano do Atlântico Sul: a primeira oportunidade real que tivemos de impor uma inflexão ao curso da secular dominação senhorial, de Cabral, o Pedro, a Cabral Filho e seguintes, foi anulada pela opção da conciliação de classe. Se não digo ódio, faltou senso de prevenção contra o veneno da burguesia. Em que tempo histórico a burguesia foi confiável?

03. Reconheço que o Brasil é ingovernável sem aliança. Mas o comando nunca pode escapar às mãos de quem propõe uma aliança. Os governos Lula-Dilma apostaram demais na conciliação e imaginaram que a inclusão do povo pela via do consumo, desgarrada da formação política, daria margem de segurança e de garantia para reverter a secular e bem estruturada desigualdade social em que se formou o povo brasileiro.

04. Como assegura José de Souza Martins, o PT do poder enfraqueceu o PT das lutas sociais. A direita brasileira é e sempre foi antipovo e não admite um Estado que não seja mínimo, mínimo para os direitos coletivos e máximo para os privilegiados do andar de cima. Nossa burguesia é pré-kantiana, escravocrata e ostensivamente sociopata. O máximo que ela absorveu da tradição iluminista foi um positivismo rebaixado, de extração religiosa. No final do século XIX a única via de acesso ao pensamento crítico no Brasil se dava por meio da literatura. No plano filosófico o que havia?  De um lado, a arraigada tradição aristotélico-tomista. De outro, e tida pelo que de mais avançado havia, a adulterada recepção do positivismo.      

05. Sem filiação partidária, devo grande parte de minha formação política ao PT das lutas sociais dos anos 1980 e à teologia e filosofia da libertação dos meus tempos de estudo. Fé e política dialogavam por mediações dialéticas e históricas. Faço parte desse constructo, dentre outros que deram origem ao PT. A história se move pelo devir das contradições e erram os que pensam que o PT saiu da história. É ainda o maior partido ideológico do Brasil: o PT, desde a primeira eleição direta para presidente (1989), garantiu presença no segundo turno, vencendo quatro das oito disputas eleitorais.

06. Mas é preciso, ensinava Fernando Pessoa, também desaprender com a experiência. A partir de 2016 a direita se desconciliou de vez com a frágil conciliação e, por erro de cálculo e cega ganância, animada pelo discurso falso-moralista contra a corrupção e pela pregação de ódio ao PT, com amplo apoio mediático, cedeu espaço e pavimentou o terreno para a ascensão ao poder da ultradireita estúpida, o que é um qualificativo pleonástico.

07. E agora, para acelerar ainda mais o descaminho regressivo, entra em cena o “evento” coronavirano, que pouco de evento tem, haja vista a horta envenenada do sistema do capital que lhe favoreceu a necrocolheita. E não é preciso ser profeta para dizer que do pior mais virá. Brecht, o profeta do distanciamento como método, o havia dito: cuidado ao cantar vitória quando continua fértil o ventre que pariu a coisa imunda. O que de bom pode nascer do ventre do capital?

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra e filho dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, no dia 02 de abril do ano coronavirano de 2020.

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