
A capital do Amazonas, que concentra mais da metade da população do estado e foi o epicentro da covid-19 no Brasil há menos de dois meses, está há 15 dias sem prefeito.
Há cerca de um mês, Manaus iniciou a retomada das atividades comerciais e escolares mediante protocolo estabelecido pelo Governo do Amazonas e, em meio à crise e dúvidas no setor da saúde, economia e educação, o prefeito da cidade, Arthur Virgílio Neto (PSDB), anunciou no dia 29 de junho que foi diagnosticado com covid-19.
De imediato, foi internado no Hospital Adventista, em Manaus. Informações oficiais da prefeitura indicavam que Arthur despachava do quarto do hospital, apesar do quadro delicado do prefeito que tem 74 anos e que precisou de internação.
Oito dias depois, Arthur foi transferido em um jato particular para se internar no Hospital Sírio Libanês, sem anúncio à imprensa.
Depois que a informação vazou, a Prefeitura de Manaus emitiu uma nota confusa para justificar a ida de Arthur a São Paulo: o prefeito Arthur Virgílio melhorou. Depois disso, foi transferido.
Segundo a nota, a decisão era do próprio prefeito que ia “aproveitar” a mesma viagem e internação para terminar o tratamento de covid-19 fora do Amazonas e realizar exames de rotina que costuma fazer desde que enfrentou um câncer de próstata em 2017.
O hospital Sírio Libanês é uma referência em Manaus como destino de quem adoece e tem dinheiro para bancar um bom tratamento fora da cidade. Ou de quem pode contar com a ajuda do dinheiro público, como o caso dos parentes de desembargadores que tiveram despesas de saúde na unidade paga pelo Governo do Amazonas, que veio à tona em 2017 numa matéria no Fantástico.
A notícia, mesmo bem embalada e disseminada, gerou repercussão negativa para o prefeito da única cidade a abrir valas coletivas para enterrar cadáveres no mês em que houve uma explosão de casos e mortes de covid e o colapso do sistema de saúde.
O cemitério público, para onde foram a maioria dos mortos no período, é de responsabilidade da prefeitura.
A transferência de Arthur Virgílio ocorreu no dia 29 de junho. De lá para cá, foram 15 dias que o prefeito de Manaus está fora da cadeira e fora do Estado.
Desde o dia que Arthur Virgílio foi internado no Adventista e ficou impedido de uma rotina normal na administração da cidade são 21 dias. Quase um mês.
O execício da administração do município, oficialmente, desde o dia 6 de junho, passou para as mãos do procurador-geral do município, Rafael Albuquerque, que só aparece nas assinaturas necessárias à publicações no Diário Oficial do Município.
Nem a sombra do prefeito em exercício se vê nas ruas e ações que deveriam dar rumos à administração de uma cidade como Manaus, ainda mais num período pós-ápice de pandemia.
No releases e notas da Prefeitura de Manaus, como parte do script dos últimos anos, o destaque é o casal Arthur Virgílio Neto e a primeira-dama Elisabeth Valeiko.
A melhora de Arthur é anunciada desde os primeiros dias da internação sem que a alta médica se efetive. No período, o crítico do presidente da República Jair Bolsonaro, Arthur Virgílio concedeu entrevistas à mídia nacional, o que também foi destaque no site da prefeitura.
No dia 16 de julho, a prefeitura informou que o prefeito está “ansioso para retomar as atividades” no executivo municipal.
“Eu já me sinto muito bem e não vejo a hora de regressar às minhas atividades. Temos muitas obras e ações em andamento e quero acompanhar tudo de perto. Mas estou seguindo as recomendações médicas, para que eu saia daqui com minha saúde totalmente restabelecida e pronto para voltar ao trabalho por Manaus e pelo meu povo”, disse o prefeito.
Pelo Twitter, Arthur Virgílio tem se mostrado ativo politicamente e exigente em relação ao Governo Federal. Entre as várias opiniões que postou este final de semana, que vão desde a vida do ator Fábio Assunção até a sugestão de exoneração do ministro interino da Saúde, Arthur Virgílio fez a seguinte reflexão:
“Que angústia a falta de um projeto de Brasil. Discutem tolices tipo cloroquina e se esquecem de tratar saúde e educação a sério”.
O comentário recebeu respostas críticas em que as pessoas falavam sobre a angústia da falta de projeto para Manaus.
Afastamento previsto na Loman
O afastamento do prefeito da cidade para tratamento de saúde é previsto no artigo 79 da Lei Orgânica do Município, sem necessidade de suspensão do salário ou avaliação da Câmara Municipal de Manaus. A Loman também não dá qualquer prazo para este tipo de licença.
A Lei Orgânica prevê que o prefeito seja substituído pelo vice-prefeito e, na ausência desse, segue uma linha sucessória, precedida pelo presidente da Câmara Municipal de Manaus, de toda a mesa diretora da casa.
Para o caso de impedimento de todos estes eventuais substitutos do prefeito da cidade para tocar a administração do município, há previsão que a função será do procurador-geral do município.
O procurador do município, Rafael Albuquerque, o último na linha sucessória de Arthur é quem, oficialmente, está assinando na ausência do prefeito.
De acordo com juristas ouvidos pelo blog e pelos próprios substitutos que abriram mão da prerrogativa de ser o prefeito em execício de Manaus, o vice-prefeito Marcos Rotta (DEM) e os vereadores poderiam enfrentar questionamentos futuros no TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas).
Outro lado
A reportagem enviou questionamentos à subsecretária de Comunicação da Prefeitura de Manaus, Alita Menezes, sobre o tempo de afastamento de Arthur Virgílio Neto da administração da cidade e sobre a rotina de trabalho do prefeito em exercício, Rafael Albuquerque. Nada foi respondido até a publicação desta matéria.