Monte Horebe: relatório do MP-AM fala em “flagrante violação de direitos”

Foto: Desocupação do Monte Horebe. (Blog Rosiene Carvalho)
Foto: Desocupação do Monte Horebe. (Blog Rosiene Carvalho)

O relatório da MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) sobre a comunidade Monte Horebe aponta que a desocupação promovida pelo Governo do Amazonas ocorre “em flagrante violação a direitos fundamentais, de natureza coletiva, difusa e individuais”. Ainda segundo o relatório, a parcela da população afetada pela ação se caracteriza por “pessoas em situação de vulnerabilidade social, econômica e jurídica”.

O relatório, que o blog teve acesso, também sustenta que a DPE-AM (Defensoria Pública do Estado do Amazonas) atua no caso “de forma contrária aos interesses daqueles que tem por dever constitucional defender” ao se posicionar favorável à “imediata retirada de famílias carentes” com base “apenas em promessas do governo” e sem consultar a comunidade.

No processo de reintegração de posse que tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, a Defensoria Pública atua legalmente como representante dos interesses dos moradores do Monte Horebe.

O relatório é assinado pelo promotor Antonio José Macilha e foi encaminhado à procuradora geral de Justiça, Leda Mara Nascimento de Albuquerque “para a adoção das providências” que a chefe do MP-AM “julgar cabíveis”.

O promotor visitou a comunidade na última sexta-feira, dia 6, com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas), o deputado estadual Dermilson Chagas (sem partido), e um representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil).

“A DPE-AM agiu de forma contrária aos interesses daqueles que tem por dever constitucional defender, vem que sem realização de qualquer audiência pública ou diligência apta a especificar as peculiaridades da população carente que iria ser retirada de suas moradias, firmou acordo aceitando a pretensão da SUHAB ( Superintendência de Habitação do Amazonas), consistente na imediata retirada das famílias carentes, com o auxílio apenas de promessas do Estado do Amazonas”, afirma trecho do relatório do promotor.

O promotor Antonio José Macilha diz no relatório ainda que, consultando os autos do processo, verificou que a Defensoria Pública mudou de rumo durante o trâmite do mesmo.

“Com efeito, as medidas assistenciais sempre foram defendidas pelo Defensor Público que atuava no feito desde 26 de maio de 2017, como questão prejudicial”, indica o promotor em outro trecho.

Veja citação da postura da Defensoria Pública sobre o Monte Horebe em que o MP-AM mostra qual era a opinião do órgão antes de ser favorável à imediata retirada das famílias:

Macilha também destaca que a Suhab informou no processo que pretendia dar outro destino ao local, diferente do que hoje é anunciado pelo Governo do Estado: transformar a área em base e centro de treinamento da PM-AM.

“Por seu turno, a SUHAB, em sua exordial, datada de 17/07/2014, afirmou que a área em questão (compreendida em dois lotes) seria utilizada para a construção de unidades habitacionais, visando a alocação de pessoas que não possuem moradia no Estado do Amazonas e possuem perfil para a inclusão nos programas sociais para este fim”.

Suhab: “contradição e falta de transparência”

Para o promotor, além de contraditória na sua postura sobre o Monte Horebe a Suhab agrava a situação em função da falta de “transparência” com relação a política pública de habitação do Estado.

“Esta posição é, no mínimo, contraditória, quando presentemente pretende dar destinação diversa daquela inicialmente defendida, fato, aliás, agravado pela falta de planejamento, estrutura e transparência na sua política de habitação”, conclui o promotor no relatório.

O promotor justifica que o MP-AM não tomou parte na questão judicial por ter considerado que a ação tinha natureza de interesse individual e patrimonial, o que a visita à comunidade durante a desocupação promovida pelo Governo fez com que o membro do Ministério Público mudasse de ideia:

“A reintegração afeta o contingente de número considerável de pessoas, em situação de vulnerabilidade social, econômica e jurídica em flagrante violação a direitos fundamentais, de natureza coletiva, difusa e individuais indisponíveis e homogêneos”.

Moradores ficaram sem água, luz e comida

O documento do MP-AM dá destaque às denúncias que moradores do Monte Horebe fizeram à comitiva relatando estarem enfrentando corte da energia elétrica e água que funcionava na comunidade com a “ajuda da PM-AM (Polícia Militar do Amazonas)”.

Outra reclamação feita pelos moradores ao MP-AM e ALE-AM foi o impedimento da livre circulação no local, o que afirma ter dificultado o cadastro das famílias fora do ambiente da comunidade e o abastecimento de alimentos das famílias no local. Os moradores alegaram temor em deixar suas casas por razão do impedimento que alguns sofriam ao tentar voltar à comunidade.

Os moradores também se queixaram ao MP-AM sobre famílias que não receberam visitas da equipe de assistência social do governo para o cadastro que daria acesso ao auxílio aluguel e a deficiência no “prometido” transporte gratuito para retirar móveis das casas que foram derrubadas.

O relatório aponta ainda o tratamento que a comitiva do MP-AM e ALE-AM verificaram estava sendo dado aos moradores pelo Governo do Amazonas e DPE-AM no local do cadastro, no Conjunto Viver Melhor.

“Posteriormente, fomos até o Colégio Militar da Polícia Militar, situado no Conjunto Habitacional Viver Melhor, onde presenciamos várias pessoas na rua, sendo impedidas de adentrar o colégio, tendo um funcionário informado, na nossa presença/ que o ex-Defensor Público-Geral RAFAEL VINHEIRO MONTEIRO BARBOSA teria orientado que, caso elas quisessem ser atendidas, deveriam deixar seu nome numa lista e, somente no dia 13 de março de 2020, se dirigir à sede da DPE/AM”.

Monte Horebe

A comunidade Monte Horebe se formou ao lado do residencial Viver Melhor, na Zona Norte, após moradores terem sido dispersados da antiga Cidade das Luzes.

As informações referentes ao local pela mídia e pelo governo indicavam forte atuação do tráfico de drogas e de controle de lotes por parte do crime organizado.

Uma investigação da Polícia Civil concluiu que policiais militares tinham participação em crimes cometidos na comunidade como homicídios, extorsão, grilagem e proteção de traficantes de drogas. As informações foram reveladas em matéria publicada no site G1.

No local, vivem famílias pobres de amazonenses, imigrantes venezuelanos e haitianos e indígenas.

De acordo com o Governo do Amazonas, no terreno há  1,6 milhão de metros quadrados que pertencem ao Estado. A desapropriação foi promovida por dois representantes de interesse jurídico privado.

Força policial e cerceamento da imprensa

Desde o primeiro dia da desocupação, informações denunciando a ação vem sido divulgadas em importantes espaços. O jornal Folha de São Paulo, no dia 2 de março, publicou matéria expondo a exibição da força policial com um contingente de cerca de mil homens e o uso de spray de pimenta contra a população que não apresentava resistência física à ação.

No mesmo dia, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas emitiu nota lamentando o cerceamento do trabalho da imprensa na cobertura da desocupação, afirmando que a população não foi informada da forma adequada sobre a operação.

Na mesma semana, o repórter fotográfico da Agência Futura Press, Edmar Barros, relatou intimidação que recebeu por parte do comandante da PM-AM, coronel Ayton Norte, e secretário do Estado de Segurança Pública, Loismar Bonates, durante o trabalho jornalístico que fazia na comunidade. A SSP-AM e o Governo do Amazonas não se pronunciaram sobre a questão até agora.

Outro lado

O Governo do Amazonas anunciou que a partir de hoje inicia o pagamento de aluguel-social no valor de R$ 600 para as famílias cadastradas na semana passada.

Ainda segundo dados divulgados pelo governo, foram cadastrados 2.340 imóveis e 2.260 famílias; dessas, 2.204 assinaram o termo de acordo, que garante a elas o aluguel-social.

A Secom e a assessoria de comunicação da Defensoria Pública informaram que ainda não tomaram conhecimento do relatório e que se posicionariam depois.

Foto: Blog da Rosiene Carvalho