
“Morreram três pessoas apenas. Temos que comemorar vitórias”. A declaração é do secretário da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Amazonas), coronel Marcos Vinícius Almeida, ao contestar críticas sobre falta de transparência e aplicação de testes em detentos e detentas durante a pandemia.
Em entrevista ao programa Exclusiva da rádio BandNews Difusora (93.7), o coronel Marcos Vinicius afirmou que na próxima semana a Seap divulgará resultado de testes por amostragem que estão sendo feitos na população carcerária, em Manaus, desde a semana passada.
O coronel refutou o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, divulgado em maio deste ano a partir de uma inspeção em cinco unidades prisionais de Manaus, em outubro do ano passado. Na ocasião da divulgação, a Folha de São Paulo publicou matéria sobre o relatório em que o informa que os internos dos presídios do Amazonas “são tratados “sob humilhação, violação de direitos humanos e violência, travestidos de ‘disciplinamento e segurança”.
“O relatório, apenas ele em si, não é necessariamente a verdade. Não é porque o Mecanismo (Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) veio e falou que isso seja verdade. Pelo amor de Deus.”, declarou o secretário.
O coronel Vinícius também destacou e elogiou os trabalhos que o MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) realizam no sistema prisional. Durante a entrevista, o coronel defendeu os órgãos de controle das críticas que recebem a respeito do trabalho que desenvolvem.
Leia, a seguir, trechos da entrevista. Ou assista a íntegra no canal do Youtube da rádio BandNews Difusora:
Exclusiva: Em entrevista ao Exclusiva, o sociólogo Fábio Candotti, que é membro do Comitê de Acompanhamento de Medidas de Prevenção ao covid-19 no sistema carcerário, trouxe a perspectiva das famílias de detentos. Ele relatou queixa de não aplicação de testes enviados pelo Governo Federal para que se tenha uma leitura sobre a doença nos presídios do Amazonas. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Coronel Vinícius Almeida: É muito triste ver uma pessoa que se dedica ao estudo ter uma postura de fazer denúncias totalmente infundadas sem buscar o básico da ciência, que é ter dados metodológicos que permitam fazer uma denúncia tão grave sem que ela seja inócua como a em líde. Quero esclarecer a sociedade que temos uma fiscalização que é periódica realizada não apenas pelo MP (Ministério Público), como pela Defensoria Pública, quanto pela Vara de Execuções Penais.
Sobre os testes, vamos lembrar o estado que estava a cidade de Manaus e o Amazonas. Estávamos no meio de uma pandemia em que nós não tínhamos insumos suficientes para aplicar. Chegaram 1.200 testes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e nós tínhamos que tomar uma decisão. Veja bem: naquele momento, nós havíamos suspendido a visita às famílias, e fomos o primeiro estado a fazer isso, e estávamos contendo nossos funcionários para que não levassem a covid para dentro do presído.
Eu tinha duas alternativas técnicas. Primeiro, 1.200 testes não atenderiam à massa carcerária, que gira em torno de 5.400. A decisão foi: vamos aguardar. Se a gente tiver uma contaminação de uma pessoa de dentro da unidade prisional, aí sim, a gente faz do pavilhão, amplia e consigo fazer a testagem na cadeia inteira com esses 1.200 testes. Foi uma decisão extremamente administrativa.
Eu não poderia ser irresponsável de fazer uma utilização desnecessária porque eu não tinha indicativo. Ninguém ali apresentava sequer indícios da covid.
Exclusiva: Os testes chegaram quando?
Coronel Vinícius: Creio que há um mês e meio. Mas a questão não é do quando. É como utilizá-lo. E como estamos usando agora? Fizemos a testagem de todos os nossos funcionários. Cerca de três mil. E, agora, estamos fazendo testagem de um interno por cela. Começamos agora essa amostragem, na semana passada. Ao final, aqueles que detectaram que tiveram covid nesse período, faremos o reteste. Aí, quando a gente tiver esse número consolidado, a gente libera para a sociedade.
Exclusiva: Coronel, vocês começaram a testar desde que dia da semana passada os presos?
Coronel Vinícius: Quero esclarecer que os presos do interior, onde tivemos casos, a população foi testada. No interior foi uma outra dinâmica. Parintins foi um caso atípico. Foram 36 casos de covid em Parintins. A população lá foi toda testada. Tivemos um único caso de óbito e foi no interior. O interno estava em uma delegacia em Benjamin Constant e foi transferido para Tabatinga. Lá já chegou debilitado e morreu. Tenho dados aqui de hoje: Tefé foram cinco casos; Tabatinga 20; Parintins, 36; Itacoatiara, 14; Coari, 28; Humaitá, também 28. Em Manaus: Provisório Feminino, 4; CDPM1, também 1 interno, Compaj 1. Essa testagem indica 7.
Agora, o que é mais importante, temos que ter uma visão um pouco mais macro. O importante é o seguinte: quantos morreram?
“Pera, pera, peraí. Vamos ser claros: morreram duas pessoas apenas. Somos um estado que temos que aprender a comemorar as vitórias, gente”
Exclusiva: Eu lhe pergunto: quantos morreram, neste período? Não de casos confirmados de covid-19, porque o próprio estado tem dificuldade em apontar quantas pessoas no total morreram por covid. Mas quantas pessoas morreram no período e quais tiveram causa clara da morte?
Coronel Vinícius: Uma mulher que não detectou que o caso fosse covid e um caso em Tabatinga. Nós estamos discutindo uma coisa que é assim: fez testagem, não fez testagem. Pera, pera, peraí. Vamos ser claros: morreram duas pessoas apenas. Somos um estado que temos que aprender a comemorar as vitórias, gente. A gente quer comemorar as derrotas. Veja o exemplo de outros estados. Rio de Janeiro e São Paulo sofrendo absurdamente no sistema prisional.
Sim, nós temos exemplos positivos no Amazonas, inclusive no caso da pandemia. Vou dizer uma coisa que foi dita na semana passada aqui, que é esdrúxula: que as pessoas não tinham contato com os presos. O Estado do Amazonas criou, e está concorrendo inclusive no Inovare, de os familiares verem os presos por vídeovisita. Através de uma ligação de WhatsApp, conseguiam falar com seu parente. Depois disso, todo o Brasil copiou.
Exclusiva: Na entrevista da semana passada, o sociólogo Fábio Candotti trouxe o relato de familiares de presos a respeito do tempo da ligação que era curto, cerca de dois minutos, e que quando os detentos iam fazer alguma denúncia sobre o sistema prisional a ligação era derrubada. O que o senhor tem a dizer sobre isso, secretário?
Coronel Vinícius: Quero convidar o sociólogo e outras pessoas que, ao falar do sistema prisional, no mínimo, tenha visitado uma unidade prisional. Eu não posso falar de um jogo de futebol, se eu nunca fui em campo e fico só na arquibancada.
Exclusiva: Podemos marcar esta ida aos presídios para uma reportagem?
Coronel Vinícius: Na hora que você quiser. É uma honra lhe levar lá. E faço o desafio para você na hora dizer qual unidade quer ir. Eu não vou escolher a unidade. Você escolhe, na hora. Mas deixa eu lhe falar, quando faço uma visita num final de semana, eu tenho 200, 300 parentes visitando 200, 300 pessoas. Quando eu faço um vídeo parlatório, é um para um. Então, eu tive que diminuir esse tempo para que as pessoas pudessem se comunicar.
Segundo, para fazer a visita por videoparlatório, havia alguns critérios técnicos. Um deles é o que poderia ser falado. Então, tudo que fugia à regra de segurança, obviamente era controlado. Estamos numa unidade prisional e a principal função, além da segurança dentro da unidade, é colaborar com a segurança pública. Então, dados ali que não eram pertinentes como a visita em si, obviamente, eram derrubados.
Exclusiva: O Desencarcera Amazonas enviou mensagem informando que no dia 13 de maio houve a morte de um homem no Ipat (Institutlo Penal AntônioTrindade) em função de problemas respiratórios.
Coronel Vinícius: Tive alerta do meu subsecretário que teve um caso de morte em Manaus de um interno que chegou com uma bolsa de colostomia. Foi para a unidade médica, voltou, retornou novamente e contraiu na unidade médica.
“Melhoramos e muito. Na rebelião de 2017, tivemos pessoas mortas com posse de armas, pessoas degoladas. Tivemos morte no ano passado que sequer teve rebelião. Sequer armas tinham. Pessoas morreram estranguladas por uma briga aí muito objetiva de disputa de poder.”
Exclusiva: É o caso do detento do Ipat?
Coronel Vinícius:Isso. Estou me corrigindo aqui. Quero mostrar isso. Se foram dois, três ou até quatro. Gente, nós temos 5.400 presos, apenas na capital. Quando amplio para o interior, vou ter sete mil presos. Melhoramos e muito. Na rebelião de 2017, tivemos pessoas mortas com posse de armas, pessoas degoladas. Tivemos morte no ano passado que sequer teve rebelião. Sequer armas tinham. Pessoas morreram estranguladas por uma briga aí muito objetiva de disputa de poder. E por que não foi arma? Porque aumentou o controle do estado dentro da unidade prisional. Simples assim. Em janeiro de 2019, tínhamos apenas 20 internos fazendo remissão pelo trabalho, hoje temos mais de mil internos.
“Nós não achamos que o sistema prisional é um paraíso”
Exclusiva: O senhor acha que todos esses pontos tornam menos grave que em apenas um dia o sistema prisional registre mais de 40 pessoas mortas, que estavam sob a tutela do estado?
Coronel Vinícius: Volto a repetir. Não se pode olhar o sistema prisional de maneira estática. Temos que avançar. Olhar o passado, identificar os gargalos e tomar medidas novas. Nós não achamos que o sistema prisional é um paraíso. Obviamente que temos que evoluir. Não tenho a menor dúvida. Nós não temos medo da crítica. Temos que ter a linha da verdade. Não pode ter a crítica pela crítica.
Exclusiva: Qual o quadro da superlotação no estado hoje?
Coronel Vinícius: Há superlotação. Estou abaixo de 100% na superlotação. Então, não está dobrado. Hoje, eu estou acima da superlotação em torno de 93%, nessa média. Não conta o semiaberto, porque não estão no presídio.
Exclusiva: De acordo com o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Amazonas fornece comida em quantidade insuficiente, água de forma racionada e nega tratamento adequado aos internos. Essa conclusão está no relatório publicado em maio a partir de uma inspeção em outubro do ano passado. De lá para cá, o que mudou?
Coronel Vinícius: Primeiro que todos os pontos colocados pelo Mecanismo estão sendo questionados pela própria Seap quanto pelos órgãos que atuam no sistema.
Exclusiva: O senhor não concorda com a conclusão do relatório?
Coronel Vinícius: De forma alguma. Além de não concordar com aquele momento, hoje a realidade já é outra. Passamos por uma licitação que hoje o interno tem cinco refeições.
Exclusiva: Como a Seap faz esse controle da entrega das refeições? O relatório expõe dados e as famílias falam em alimentos azedos.
Coronel Vinícius: Todas as nossas cozinhas têm internos trabalhando. Seria muito sem nexo que o próprio interno preparasse e aceitasse que este tipo de comida fosse servida aos outros internos. A comida é entregue dentro do prazo. E hoje as unidades recebem cinco refeições por dia. Sobre a questão da saúde, temos ali um controle técnico muito rigoroso, no que tange o atendimento médico.
Exclusiva: Secretário, e esse relato da carta do detento que diz que os prontuários médicos são feitos com informações diferentes da realidade de medição de pressão, por exemplo?
Coronel Vinícius: Primeiro que acho muito difícil um detento te mandar uma carta…
Exclusiva: Ele não mandou para mim. Eu recebi a carta que foi divulgada pelos familiares. Essa carta está circulando. O senhor não recebeu e nem leu essa carta?
Coronel Vinícius: Pois é.Aí é que está. Vou te dizer uma coisa. Existe muita falácia. Sabe como a gente acaba com a falácia? Com dados técnicos. Temos a Defensoria Pública trabalhando dentro do sistema prisional hoje, coisa que não tinha em 2019. A Defensoria faz 2.500 atendimentos por mês dentro do sistema prisional. A promotoria faz fiscalização todo mês.
Exclusiva: Nenhuma dessas denúncias chega à Seap?
Coronel Vinícius: Quando está em dissonância, os órgãos de controle fazem o papel deles. Se tiver que ter denúncia, que ela vá para os órgãos de controle e eles façam o trabalho deles. O que não podemos é descambar para uma cadeia de disse me disse.
Exclusiva: São denúncias apresentadas por familiares de presos
Coronel Vinícius: Você acha que essa denúncia não é vista pelo MP?
Exclusiva: O MP poderá ser convidado a vir aqui dar sua entrevista. Nenhuma dessas denúncias chegou à Seap? Outro dado é que qual a razão para o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura vir a Manaus e inventar mentiras?
Coronel Vinícius: Um dado do relatório é que a Defensoria é inepta. Como é inepta se faz 2.500 atendimentos por mês? Pronto, esse é um dado técnico.
Exclusiva: É um dado numérico.
Coronel Vinícius: Não. É um dado objetivo. A Defensoria está lá fazendo um trabalho monstruoso e dizer que ela não faz o papel dela.
Exclusiva: Posso fazer mil entrevistas e as mesmas não produzirem o conteúdo de uma como essa de hoje.
Coronel Vinícius: Dizer que 2.500 atendimentos são ineptos. Pelo amor de Deus. Assim: é o papel deles. Mas é meu papel também trazer a verdade do estado. Então, é isso que a gente está fazendo aqui neste momento. Que essas denúncias sejam levadas aos órgãos de controle. O que não pode ter é fato solto.
“O relatório, apenas ele em si, não é necessariamente a verdade. Não é porque o Mecanismo (Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) veio e falou que isso seja verdade. Pelo amor de Deus.”
Exclusiva: Um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é um fato solto?
Coronel Vinícius: O relatório, apenas ele em si, não é necessariamente a verdade. A verdade é um conjunto de fatos, de entendimentos distintos para você chegar à verdade. Não é porque o Mecanismo veio e falou que isso seja verdade. Pelo amor de Deus.
Exclusiva: A Seap tem na sua estrutura quem ouça e faça esse tipo de confronto de versões, abre sindicâncias?
Coronel Vinícius: Tem ouvidoria, corregedoria …
Exclusiva: E o senhor tem dados sobre elas?
Coronel Vinícius: Tenho. Não agora, mas posso mandar esse dado técnico depois, com maior prazer. Tudo que chega é apurado.
“Agora, fica claro para a gente que o custo preso no Amazonas é R$ 2.350 tendo caído aí de uma média de R$ 4.400.”
Exclusiva: O Amazonas, em 2017, ganhou destaque nacional, além do massacre, da indicação que era o estado em que havia o valor mais caro de preso no País.
Coronel Vinícius: Isso era uma informação muito política. Como posso comparar se não sei o que compõe o custo do preso. O próprio Depen não diz o que compõe o custo do preso.
Quando você tem um estado como o Amazonas em que a terceirização assume uma função que deveria ser da polícia penal. E teremos que avançar neste ponto. Temos plena consciência disso. Não é culpa do governo atual. Porque temos interesse em fazê-lo. Mas para realizar concurso, temos que estar abaixo do limite prudencial. Neste momento agora, existe um decreto do Governo Federal que me impede de fazer concurso. É meta. O último concurso foi em 1986. Mas vamos avançar.
Existe uma coisa que vale para qualquer ambiente, que é o custo fixo. O que é o custo preso? Alimentação, vestuário, medicação, trabalhos de ressocialização. Isso compõe o custo preso. Agora, fica claro para a gente que o custo preso no Amazonas é R$ 2.350 tendo caído aí de uma média de R$ 4.400.
Exclusiva: A diminuição do custo do preso fez com que diminuísse o custo do sistema de maneira geral?
Coronel Vinícius: Não necessariamente. Porque, ao longo dos anos, o Governo do Estado vem assinando termos de ajustamento de conduta (TAC). Então, foram assinados vários TACs com MP, Defensoria e TCE. Na composição, desta licitação, nós tivemos que incluir todas essas TACs. Quando eu falo de TAC, estou dizendo que tenho que levar novos serviços para dentro do sistema. Mesmo assim, o aumento em relação ao custo não foi tão grande. Porque o valor praticado no Estado do Amazonas era de 2014, porque ao longo desses anos, o contrato não foi atualizado. Se fizer atualização de valores, o aumento ficou em torno de 9%. Tinha aumento e não era efetivado por erro na própria licitação anterior.
Exclusiva: Quando o estado terá o resultado deste mapeamento da covid, que virá com os testes?
Coronel Vinícius: Até semana que vem, com certeza absoluta, estaremos passando isso para a sociedade.