MP e deputado federal usam ataque como defesa ao serem questionados; juristas apontam desequilíbrio

Foto: Sede do MP-AM (Divulgação)

Alvos de questionamentos públicos, o MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) e o deputado federal Marcelo Ramos (PL) adotaram posturas defensivas semelhantes na última semana: o ataque a quem os criticou como estratégia de defesa.

A reação da instituição MP-AM em relação a queixas de deputados de oposição – de que o órgão de controle segura denúncias contra o executivo – foi classificada como “não republicana” e “estranha” pelos juristas e sociólogos ouvidos pelo blog. A resposta de Ramos, um dos membros mais destacados da Câmara dos Deputados, a artistas foi avaliada como “destemperada”.

Ramos foi pressionado por dar andamento à MP da Grilagem. Nos dois questionamentos, ao MP-AM e ao deputado federal, a condição dos amazonenses em meio à pandemia e o caos no sistema de saúde pública do estado foram expostos.

O ataque é a melhor defesa quando se está sob pressão de questionamentos públicos que abalam a imagem?

O ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e advogado Marcelo Ribeiro, o mestre em Direito Constitucional Leland Barroso, o sociólogo e advogado Almir Menezes e o sociólogo Marcelo Seráfico deram suas opiniões sobre as interações institucionais de acirramento político no espaço público. Para eles, a desqualificação da voz alheia cria consequências à sociedade e contribui para o desequilíbrio do ambiente democrático.

No caso do MP-AM, o CNMP pediu explicações ao órgão de controle após a queixa dos deputados que as denúncias contra o executivo não andam na instituição. Quando o assunto repercutiu na mídia, o MP-AM emitiu nota afirmando que a maioria das denúncias dos deputados contra o governo é genérica, com interesses políticos e que a instituição não iria ser “instrumentalizada por quem quer que seja”.

Já o conflito do deputado federal foi criado por um vídeo de artistas e MPF, contrários à tramitação, em meio à pandemia, da MP da Grilagem. O deputado afirmou que os artistas conhecem a Amazônia da perspectiva do “conforto dos apartamentos deles”, a partir da internet ou de visitas a passeio e que eles não leram a matéria antes de o questionar.

“Resposta do MP-AM deveria ser em tom institucional e não de estímulo ao acirramento político”, diz ex-ministro do TSE

Para o ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e advogado há mais de 35 anos, Marcelo Ribeiro, a resposta do MP-AM é uma fala institucional e por isso deve buscar o equilíbrio e o respeito. Ribeiro disse que não conhecia o caso específico em detalhes e, em função disso, falaria de forma geral como deve ser o tom do MP diante destes conflitos.

O jurista afirma que é ruim, do ponto de vista democrático, que uma instituição com dever de defender a democracia utilize instrumentos de acirramento do debate político.

“É muito ruim quando uma instituição cria relação de antagonismo entre membros da assembleia, um promotor ou procurador geral do MP. Porque cada um está exercendo uma função importante do estado. Tinham que ter relacionamento institucional, respeitoso e equilibrado. Não precisam ser amigos”, avaliou.

O jurista acrescentou que a sociedade perde com o acirramento e confronto dos instrumentos que têm para a fiscalização e defesa de seu patrimônio e leis.

“Se começar a acirrar, um a atacar o outro, não tem mais dialogo, há a vontade de destruição: o parlamentar quer a punição do promotor e o MP a desqualificação do parlamentar. O que pode sair de bom disso? Nada”.

Para o ex-ministro do TSE, o melhor caminho é buscar a solução do conflito no CNMP e não no bate-boca.

“A representação ao CNMP é a atitude correta, você age pelos canais institucionais. O MP tem que ter um equilíbrio ao responder. Não pode responder como se tivesse batendo boca. Não é assim como eu e você. A gente tem que manter o espírito educado por educação. Mas esse debate em altíssimo nível não é obrigação nossa. Mas, para uma autoridade, é”, declarou.

Marcelo Ribeiro ressaltou que de fato muitas vezes denúncias são feitas por partidos e políticos que têm intenção de tirar proveito das mesmas e que, para isso, o órgão de controle tem a investigação para dar seguimento ou arquivar o que não tem fundo de verdade.

Ribeiro comentou, como exemplos, a denúncia que levou ao Mensalão. A delação partiu do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), que era envolvido e foi condenado e preso pelo esquema. O advogado também comentou sobre a denúncia do irmão do ex-presidente Fernando Collor, Pedro Collor de Melo, que levou ao impeachment.

O ex-ministro do TSE ressaltou que na justiça eleitoral, a maioria das denúncias partem dos adversários políticos e nem por isso merecem ser desqualificadas.

“Pode até apurar com cuidado. Mas tem que apurar. Não se pode desqualificar. Ainda mais, no caso, sendo parlamentares. Não conheço a fundo o caso (…) Não sei quem começou o ataque aí”, disse.

O ex-ministro acrescentou: “O fato do MP ser provocado injustamente as vezes não autoriza a deixar de investigar. Tem que investigar. A não ser quando verifica que o negócio não tem nenhum fundamento”, explicou o jurista.

“Tem independência para arquivar e não responder por isso”

O mestre em Direito Constitucional, professor universitário e analista jurídico do TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas), Leland Barros, explicou que a Constituição de 1988 deu ampla independência e autonomia ao Ministério Público. Inclusive para arquivar denúncias que entender não merecerem prosseguimento.

“O MP, tomando conhecimento, é igual polícia, não pode dizer: não vou investigar nada. Tem obrigação de investigar. Agora, é uma obrigação cercada de grande autonomia. Eu (MP) posso não fazer nada e não tem quem me obrigue a fazer”, afirmou o professor.

Leland Barroso disse que, apesar da independência e autonomia, o MP não pode evitar que alguns fato, contextos sociais e políticos e o questionamento sobre eles na mídia gerem constrangimentos às instituições e órgãos de controle.

“O Jefferson Perez, há não sei quantos anos atrás, já dizia que o MP não representa contra o governador. Infelizmente …”, disse.

“É estranho. Não é republicano. Não é democrático”, analisa sociólogo e advogado Almir Menezes

O professor de Ciências Sociais da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e advogado Almir Menezes classificou a nota do MP-AM sobre a acusação de inércia a respeito de investigações relacionadas ao Governo do Estado como “confusa e estranha”.

Almir Menezes também afirmou que o MP-AM tem obrigação de investigar sem selecionar denúncia ou desqualificar os denunciantes. A nota emitida pelo MP-AM citando os deputados, para o sociólogo, desmobiliza a oposição e cidadãos a procurarem procuradores e promotores estaduais para apresentar denúncias contra os gestores públicos.

“O teor me parece muito estranho, parece pouco republicano. Eu acho muito estranha essa posição. Não é uma posição inovadora, mas é uma posição que, de fato, devemos rechaçar. A impressão que a gente tem é que esta nota representaria uma posição favorável a algo do Estado, da estrutura politica que lá está. É como se o MP, de certa maneira, estivesse deslocando suas atribuições em função de sua competência profissional”, disse.

Para Almir Menezes, a adoção de procedimentos que a própria Constituição Federal garante são eficientes para que investigações ou arquivamentos de investigações não ocorram sob influências políticas contrárias ao interesse público.

“O MP tem autonomia institucional para agir com imparcialidade. Se assegurar o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas…. Se todos esses elementos são de fato assegurados, o MP não precisa recuar de sua posição de fiscal da lei arguindo que pode ser usado do ponto de vista politico. Basta ao MP ter procedimento”, declarou Almir Menezes

Para o sociólogo, a desqualificação de parlamentares por serem oposição ou de falas críticas ao governo a partir de um órgão que é pilar da democracia é prejudicial à sociedade.

“Isso, no meu entendimento, é algo absolutamente grave. Porque desguarnecesse a sociedade, desguarnecesse a democracia. É confusa esta nota. Não é republicana e não é democrática”, disse.

Ao comentar escândalos de corrupção de governos recentes e anteriores à atual gestão do governo em que o MP-AM não assumiu protagonismo, o cientista social afirmou: “Eu fico absolutamente estarrecido com a completa inércia do MP-AM”, disse.

A reportagem solicitou ao MP-AM, por meio do e-mail de sua assessoria de comunicação, às 11h09 deste domingo, dia 24, uma resposta a respeito da interpretação interpretação dos juristas sobre a nota emitida no dia 15 de maio.

Às 12h43, a assessoria informou, por meio do WhatsApp institucional, que iria abrir o e-mail.

Às 17h22, a assessoria pediu mais detalhes sobre as declarações. A reportagem se predispôs a falar pelo telefone para isso, o que a assessoria informou não ser necessário.

A reportagem, então, solicitou uma entrevista com um membro do MP-AM para responder pela instituição. A resposta, às, 18h01, era que a assessoria aguardava uma resposta da direção do MP-AM.

Até a publicação desta matéria, às 21h17, nenhuma outra resposta foi enviada à reportagem.