“Não vou compor essa chapa de enfeite”, afirma Anne Moura, vice de Braga

Em confronto com as principais lideranças homens petistas do Amazonas, a enfermeira e secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, 35, foi escolhida para compor como vice o palanque de Lula ao Governo do Amazonas com o senador e candidato Eduardo Braga (MDB).

A escolha foi feita e anunciada por Braga na sexta-feira, dia 5, após disputas internas de grupos que rejeitavam o nome do senador na federação PT/PCdoB/PV e convergiam para outras candidaturas como a do governador Wison Lima (União Brasil), do ex-governador Amazonino Mendes (Cidadania) e do deputado estadual Ricardo Nicolau (Solidariedade).

A direção nacional impôs a coligação com o MDB como parte do projeto nacional para fortalecer Lula à presidência da República. Até o PSD-AM do senador Omar Aziz, aliado do governador, foi na bandeja.

Desconhecida do eleitorado e sem número de delegados no Amazonas suficiente para ter a importância de grupos do PT-AM como os de Sinésio Campos, Valdemir Santana, José Ricardo e João Pedro, Anne Moura passou a ter voz e importância no espaço de decisão das composições locais. E isso se deu em função dos cargos que ocupa na direção nacional do partido. Nos momentos mais tensos, atuando como ponto de consulta e representante da executiva nacional.

Nesta disputa interna pelo cargo de vice do candidato que ninguém queria no PT, Anne Mourra derrotou a articulação contra o nome dela que uniu tendências – que costumam guerrear – em torno de João Pedro. O ex-senador em vários momentos na trajetória de ascenção da petista no partido funcionou como aliado.

Na sexta, dia 5, após a convenção do MDB, chamou o Blog da Rosiene Carvalho e o site O Convergente para uma entrevista em que revela detalhes da disputa interna, fala sobre o enfrentamento ao machismo no PT, a necessidade de um novo tempo na política para mulheres e jovens e os riscos na largada eleitoral dela em relação à rejeição do parceiro de chapa Eduardo Braga, que atingiu outros políticos em eleições anteriores.

Confira os principais trechos a seguir:

A retirada e reinclusão do nome na lista da federação para compor com o MDB-AM

Quando surgiu o meu nome foi apresentada a seguinte imposição, em tom de ameaça: se eu colocasse meu nome de sugestão para vice, eu não poderia ser federal. Não tivemos tempo de consultar o jurídico. Na semana seguinte, teve reunião da Executiva Nacional em que foi incluído meu nome na lista. Não é que foram retirados outros nomes. Tínhamos três do PCdoB, o do companheiro João Pedro e entrou meu nome. Dentre esses cinco nomes, o senador Eduardo Braga faria a escolha dele. A nacional não deliberou quem seria, apenas incluiu meu nome. O senador definiu o perfil, surgiu o convite e eu cheguei na tarefa de vice. 

Foram muitas conversas. Primeiro que é novidade para todo mundo uma mulher. Os homens sempre tentam se reunir numa sala, acertar tudo e não me incluir. Foi o que aconteceu também no partido, embora eu seja dirigente nacional do partido.

Eu estou dirigente nacional do PT, desde a época da juventude. Já tem uns dez anos. Não cheguei à toa na nacional. Fui reeleita secretária nacional de mulheres do PT. E hoje faço parte dessa cúpula que hoje toma de fato decisão e dirige o PT nacional. Faço parte da coordenação de campanha de Lula. Não sou qualquer pessoa. Claro que isso deve ter sim um reflexo aqui para o Estado. Inclusive, no conjunto do partido e na opinião do próprio senador. Mas, de forma alguma, houve interferência para que obrigatoriamente fosse meu nome. Eu estava com minha campanha federal montada. Tudo pronto. Eu não estava brigando para ser vice.

Gravidez de seis meses

Estou num processo de cuidado. Tentei por muitas vezes ser mãe, mas sou uma mulher como todas as outras que têm que trabalhar e fazer as coisas independente de estar grávida ou não. Política, que é a escolha que fiz, vou fazer mesmo estando grávida. Eu tenho uma situação privilegiada de fazer pré-natal, enquanto muitas outras não têm.  Mas vou fazer com muito cuidado. Essa foi uma das minhas condições para aceitar ser candidata a deputada federal. Dialogado com a direção nacional como para ser vice. Não escondi em momento algum que estou grávida. Mas isso não me impede de fazer política.

Pacificação do PT-AM

O PT é assim. A gente briga, mas depois a gente se entende. Primeiro, que a decisão desse palanque é do projeto nacional. Quem não tiver apoio nesse palanque, que foi decidido pelo presidente Lula, não está no mesmo palanque do presidente Lula. Todo partido sabe e conhece os trâmites disso. Claro que alguns ficam chateados. Eu continuo na tarefa de pacificar.  Tanto o companheiro João Pedro como o Valdemir Santana fazemos parte do mesmo campo político. É natural que eles que têm uma trajetória muito bacana, uma vida inteira, se sintam um tanto quanto incomodados com a nossa presença. Mas eu sempre os apoiei. Nas últimas eleições que João Pedro participou, eu o apoiei. E o compromisso era que nesta eleição, ele me apoiaria.

Hoje, é isso que precisa trabalhar para pacificar. Todo o resto das tendências já está entendido e pacificado. Já ligaram para mim. A direção executiva do PT quase toda me acompanhou hoje lá (convenção). Mas também não acho que é na briga, na imposição. É gesto.

O risco de transferência da rejeição de Braga

Não vou compor essa chapa de enfeite. Eu não estou nesse projeto apenas pelo senador Eduardo Braga, estou representando um projeto nacional que passa pela eleição do presidente Lula. É claro que nós sabemos da rejeição. É claro que sabemos de tudo que tem em volta dessa decisão, mas foi o palanque escolhido, que passa por uma estratégia nacional com o presidente Lula liderando. Se essa tarefa que temos que cumprir, eu vou cumprir.  

Mas eu tenho opinião, tenho formação política para isso. Vou debater dentro do programa de governo e vou construir junto essa campanha. E trabalhar para que, esta caminhada que a gente está começando, isso não seja obstáculo e sim uma vantagem. Acho que é possível porque eu tenho minhas próprias opiniões.

Foi pernada ou ingratidão com João Pedro?

É recíproco essa ajuda na caminhada. Muitas lideranças me ajudaram a ser quem eu sou hoje, uma delas foi João Pedro. Desde que ele foi senador, presidente do PT. Mas todas as campanhas, eu sempre o apoiei. Por que não me apoiar agora? Ele foi candidato a deputado federal, estadual, vereador e eu o apoiei. Não só com o meu coletivo como o ajudei na interlocução nacional na tarefa que eu já estava. Acho que não tem dívida. Tem projeto e perspectiva do que cada um quer neste momento.

É legítimo ele apresentar o nome dele. Se fosse o nome dele o escolhido, eu estaria ao lado dele sem problema nenhum. Ou se fosse um nome do PCdoB. Eu estaria porque tem a ver com o projeto nacional.

Mas, nesse caso específico, eles tomaram uma decisão. Fui informada. Mesmo assim não me coloquei contra. Porque no dia da convenção, além da ameaça, se eu tivesse dito vou manter meu nome mesmo assim, tinha implodido tudo. Não era o objetivo.

Eu sinto ele não se sentir representado por mim como eu me senti a vida inteira representada por ele. Espero que isso melhore. Ele é um cara que contribuiu muito para o PT aqui, para o PT nacional. Até a chegada dele na presidência na Funai. Eu participei desse processo porque eu era da executiva nacional. É uma relação que vem de muito tempo. Eu espero que isso não termine aqui só porque não foi o nome dele. Acho que é uma coisa menor. A gente precisa pensar no processo coletivo e nacional.

A ascensão à direção nacional do PT

Eu fui eleita com 30 anos secretária nacional de mulheres. Nunca antes, uma mulher que não fosse do sudeste ou sul do País conseguiu ser secretária de mulheres eleita.

Eu fui secretária estadual da juventude do PT. Fui tentar a reeleição e perdi para o Thiago Medeiros, filho do Valdemir Santana, que é do mesmo campo que eu da CNB. Então, a gente fez um acordo de eu subir para ser da juventude nacional do PT.

Eu já era reconhecida aqui pela minha trajetória de militância. Diferente do que acontece aqui, lá na nacional, quanto mais você trabalha e é disciplinado, eles olham, te pegam e investem em você. Foi o que fizeram: investiram em mim. Me deram formação política, me colocaram para estudar, me botaram para viajar a outros Países. Me prepararam para ocupar aquele espaço.

Em 2012, foi a primeira vez que o PT teria cota geracional, paridade e cota étnico racial em sua direção. O PT foi o primeiro a estabelecer isso. Nessa leva, houve vários nomes sugeridos pela direção nacional para compor essa cota geracional na executiva. E um dos nomes sugeridos foi o meu por unanimidade, pela idade e pela tendência que faço parte que é a CNB.

Assim, eu chego na executiva nacional do PT, pela cota geracional, étnico racial e paridade de mulheres a partir do trabalho que desenvolvi junto à juventude no cenário nacional. Lá eu fui fazendo meu trabalho, fui secretária de desenvolvimento econômico. Já viajei esse País mais de cinco vezes.

Estou trazendo para o estado aquilo que eu já me dedicava nacionalmente e o que posso fazer pelo Amazonas.

No final de 2017, sou indicada pela minha tendência, disputo com mulheres do País inteiro e ganho de 60% (secretária nacional de mulheres do PT). Passei quatro anos, sobrevivi e fui reeleita com quase 90% de apoio de todas as mulheres. Fui reeleita dentro dessa plataforma que eu criei, que é o das mulheres ocuparem cargos na política. Eu elegi o maior número (de mulheres) em bancada federal e estadual. Em 2020, a maior bancada de mulheres progressistas é nossa, do PT. Elegemos mulheres negras, LGBTs e jovens. Agora, vamos trabalhar para eleger mulheres do campo, das florestas e das águas, sindicais e com deficiência.

Sou reconhecida nacionalmente como liderança e por isso ocupo cargos. Além de ser secretária, sou do Grupo de Trabalho Eleitoral, da Executiva Nacional do PT, da Federação e do Diretório Nacional do PT. Você não ocupa esses cargos se você não tiver competência. Dentro do PT não existe isso.

Mulheres no espaço de poder político e partidário.

Eu estou na coordenação de campanha do presidente Lula, consolidada como liderança local, mas eu decidi voltar para o Amazonas. Porque olhando o País inteiro, eu consegui evoluir, mas não consegui o suficiente no meu estado, que ainda é muito machista na política. Se é verdade que eu posso me dedicar em toda essa construção num projeto nacional, é verdade também que eu tenho que fazer no meu estado.

É possível, de forma coletiva, a gente se organize e tenha mais mulheres na política. Desde que sejam desconstruídas essa estrutura patriarcal que botam mulheres para discutir e disputar entre si, que não se ajudem, que mulheres não votem em mulheres e que mulheres não são capazes. Aqui, no nosso estado, temos lideranças mulheres que dedicaram sua vida inteira e umas já até morreram e não tiveram oportunidade de ser candidatas. Disseram que elas não colocaram o nome. Não é isso. A estrutura de corrói tanto que você não consegue enfrentar. É por isso que agora estou bem tranquila. Se fosse um homem, não ia pensar duas vezes, não ia consultar ninguém, aceitava e estava resolvido. Mas, como sou eu, estão questionando. Podem fazer crítica, não sou contra. Mas por que para mim me colocam culpa e para outros nomes indicados pela nacional não foi assim?

Quando você não tem justificativa, você parte para algum campo para dizer que ela não tem condição de ser aquilo, como estão dizendo que eu não tenho maturidade, não tenho isso, não tenho aquilo. Ou você parte para dizer isso: que fez algo contra alguém. Sem fazer a leitura política. A política é dinâmica. Por que quando chega a nossa vez nós somos as escrotas? Então os homens fazem a vida toda política, acertando entre eles, ocupando espaços e quando eu chego aí eu estou dando pernada? Eu não tirei o nome dele como tentaram tirar o meu. E eu não estou dizendo que foi pernada. Se eu fosse na ponta da letra, como está no estatuto, isso é violência política.

Por que ninguém questiona o senador, que escolheu, sobre o perfil? Por que sou eu que dei a pernada? Não tem sentido. Mas é da estrutura que a gente vive: colocar a culpa nas mulheres. É por isso que a gente não pode recuar e eu não recuarei. Eu estou muito tranquila. Tem gente que está chateado. Ok. Vamos discutir na política, mas não desqualificando.

Mulheres se sentiram representadas

Várias pessoas me ligaram. O Guimarães que acompanha o GTE nacional, a secretária de finanças Gleide, as outras secretárias setoriais. Recebi um monte de mensagens que nem consegui responder ainda. Outros partidos, algumas deputadas. Todo mundo se sente muito representada. É isso, nacionalmente, as pessoas têm dimensão do quanto eu trabalhei para chegar neste momento. E eu não ia topar essa tarefa para me oferecer, se fosse uma coisa meramente pontual. Estou começando minha tarefa aqui. Não estou afoita para tirar vaga de ninguém. Cada um com sua história. Estou construindo a minha.

Acho um acerto escolher uma mulher. Não é me valorizando. Somos a maioria da população e do eleitorado. Somos nós que estamos dando a vitória para o presidente Lula. Ele vai apoiar o senador. Existe uma lógica nisso de ter uma mulher na composição. Quero falar sobre muita coisa: feminicídio, violência obstétrica, falta de exames preventivos, pré-natal, mamografia, creches.

Nada me desestabiliza porque estou muito feliz. O que eu mais queria e já tinha tentado muito era ser mãe. Todo o resto faz parte do processo.

“Precisamos, mais que nunca, estar unidas e dar suporte umas às outras”
“Candidato precisa ter viabilidade. Estou trabalhando para ter condições”, afirma Braga