
*Marcelo Seráfico
Os monstros que muita gente guardava foram soltos furiosa e rapidamente. Que isso tenha se dado sob o manto de segmentos religiosos que só cultuam o poder – político e econômico – não é casual. Que tudo que se diga e faça de ruim venha envolto num palavrório relativo à família, honra e Deus, também não é casual.
Geralmente, fala-se mais do que menos se tem. E quando não se tem nada ou muito pouco de humanidade, tudo que se fala é para ludibriar os outros sobre o sentido do que se faz.
Não temos um Presidente louco, como às vezes se prefere crer. Loucos sofrem e precisam da solidariedade dos que se julgam sãos.
Temos um representante legítimo da desumanidade à frente de um Estado. A única crença desse senhor é seu ódio ao que não é sua projeção. É um Narciso insensível, obtuso e feio. Um Narciso que sequer se encanta com a própria imagem, pois nela só está impresso o vazio do ódio.
Pior do que uma pessoa dessas ter chegado onde chegou, é saber que existe uma multidão que o tem como referência.
Um sociopata pode ser contido com tratamento. Mas uma horda deles, não. Me assusta e preocupa ver médicos e professores, em particular, seguindo a bestialidade institucionalizada.
Mas isso já aconteceu em outros tempos. Não queremos crer que processos históricos trágicos voltem a acontecer. Ocorre que se eles não forem encerrados, superados, não só voltam como sempre estão à espreita, pois continuam enraizados socialmente.
Nossa sociedade está assentada numa história marcada por ideias e relações que já admitiram, legalmente, a propriedade de um ser humano por outro que assim se via. Isso continua por aí, a despeito de 130 anos da libertação formal dos escravos.
Na verdade, figuras como o Capitão nos remetem às barbáries coloniais, que foram os experimentos originais dos europeus – franceses, belgas, holandeses, italianos, ingleses, portugueses e espanhóis – que serviram de matriz para a barbárie ultra-racional do nazismo no século XX.
Nosso holocausto simplesmente não acabou e, agora, ameaça se ampliar com força máxima.
Fazer frente às forças que movem tal processo significa impor barreiras à desumanização num momento em que ela se assume a serviço da (des)razão neoliberal.
Não é pouco. Mas é o que nosso tempo nos coloca como desafio.
*Marcelo Seráfico é doutor em Sociologia e Professor de Ciências Sociais da Ufam
Foto: José Cruz/Agência Brasil