“O Brasil precisa de um cuidado redobrado na defesa da democracia”, afirma Felipe Santa Cruz

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante cerimônia de sua posse na ordem. Foto: Agência Brasil

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, declarou que o Brasil passa atualmente por um momento de grande instabilidade da democracia e de ataque aos seus pilares, entre os quais, os físicos e verbais sofridos por jornalistas no exercício profissional.

Em entrevista à rádio BandNews Difusora e ao blog, Felipe Santa Cruz afirmou que a histórica cultura autoritária do País, os longos períodos de ditadura e a combustão causada pela postura e declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, acendem alerta para cuidado redobrado com a defesa da democracia.

“É um momento de muita instabilidade no País e, por isso, um momento muito preocupante. O País tem uma cultura autoritária arraigada, períodos longos de ditadura. É um País que tem quer ter um cuidado redobrado na defesa da democracia.”

Na semana que antecede o Dia da Imprensa e que veículos de comunicação anunciaram retirada de jornalistas na cobertura feita do Palácio da Alvorada até que o Planalto garanta a segurança dos repórteres, a OAB e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) anunciaram o lançamento de uma cartilha para orientar aos profissionais da imprensa sobre ataques e assédios ao livre exercício de informar no País.

Na entrevista, Felipe Santa Cruz fala sobre a criação de comitês de observatório da liberdade de imprensa, a reunião ministerial do dia 22 de abril, que virou caso de polícia, e da “preocupante” reabertura da circulação de pessoas no Amazonas em meio ao avanço da pandemia para o interior do Estado.

O presidente nacional da OAB afirma que o conselho federal está à disposição da população do Amazonas para atuar em defesa de seus interesses.

Para Santa Cruz, o País vive um dos seus piores momentos em relação à imagem internacional e corre riscos de agravamento da economia em função do tratamento que o Governo Bolsonaro dá a assuntos relacionados ao Amazonas e à região: meio ambiente e os povos tradicionais da floresta.

Leia a entrevista completa a seguir:

Vivemos um momento muito preocupante da liberdade de imprensa no Brasil.

Rosiene Carvalho (RC): Como vai funcionar a iniciativa de união da OAB com a Abraji em defesa da liberdade de imprensa e orientação a jornalistas que estejam sob ameaça e ataquem em função do exercício profissional?

Felipe Santa Cruz: Vivemos um momento muito preocupante da liberdade de imprensa no Brasil. Temos que ter a exata noção que a liberdade de imprensa não é propriamente um fenômeno da natureza no nosso País. Temos histórico de combate à liberdade de imprensa de forma autoritária que ainda existe nas autoridades do nosso estado. Os últimos anos têm sido muito preocupantes. Estamos chegando a este ponto em que os jornalistas são agredidos por fazerem seus trabalhos nas ruas, têm cerceado seu acesso à própria presidência da República que todo dia ataca os jornalistas que estão na porta do Palácio.

Há outras situações preocupantes com jornalistas mulheres atacadas com profunda agressividade de gênero, o caso mais emblemático é o da jornalista Patrícia Campos Melo. E, por conta disso, a OAB se aproximou da Abraji. Passamos a trabalhar em conjunto com o nosso observatório da imprensa pela defesa da liberdade de imprensa, que é pilar da democracia. Agora, evoluímos também com a cartilha, muito bem feita que esclarece os jornalistas sobre  seus direitos, o que é violência, o que é assédio. Para que a gente possa identificar as situações e procurar o aconselhamento jurídico de um advogado.

RC: Esse apoio aos jornalistas será algo adotado em todas as regionais da OAB?

Felipe Santa Cruz: Sim. A partir da cartilha devemos criar comitês no País inteiro para garantir a independência e a defesa do exercício livre da imprensa no País e esse é um trabalho de médio e longo prazo.

“É muito delicado que o presidente da República seja um elemento de combustão, de instabilidade pelo seu palavreado, pela sua agressividade”

RC: A Fenaj divulgou, no início deste ano, um levantamento sobre os ataques à liberdade de imprensa do ano anterior com uma nova classificação, que disparou em registros diante das outras: a tentativa de descredibilização da imprensa. O levantamento também mostrou que a maioria desses ataques ocorreu por declarações diretas do presidente da República, Jair Bolsonaro. A imprensa sempre sofreu ataques, mas é pior quando o presidente da República gera esse comportamento?

Felipe Santa Cruz: A conduta do presidente, a agressividade que o presidente tem com os jornalistas, com  os advogados e com os artistas – essas três profissões que são pilares da liberdade – é óbvio que ele contribui. Tanto que seus seguidores mais radicais passam a voltar-se contra jornalistas. Há toda essa disposição perniciosa da mídia digital que trabalha com notícias falsas, exatamente confundindo as pessoas. É tanta mentira que a pessoa não sabe mais o que é verdade. Então, é muito delicado, no Brasil e no mundo, mas no Brasil em especial, que o presidente da República seja um elemento de combustão, de instabilidade pelo seu palavreado, pela sua agressividade. O que o País, aliás, tomou consciência pela reunião do dia 22, né?

“É um momento de muita instabilidade no País e, por isso, um momento muito preocupante. O País tem uma cultura autoritária arraigada, períodos longos de ditadura. É um País que tem quer ter um cuidado redobrado na defesa da democracia.”

RC: Presidente, pelo que garante a Constituição Federação, do 1º a 5º artigo, em relação aos direitos fundamentais e o que significa o estado democrático de direito, qual sua avaliação: o Brasil vive hoje de fato um estado democrático de direito? Ele existe?

Felipe Santa Cruz: Existe. As instituições, dentro de suas possibilidades, estão dando respostas. Agora, há um descompasso. Uma desarmonia. É óbvio, uma criança consegue ver isso. Há uma crise econômica profunda, das piores. Uma perda de credibilidade. O mundo olha com preocupação se o Brasil é uma democracia liberal. Há uma crise política que muitas vezes é alimentada pelo próprio presidente e por sua conduta. É um momento de muita instabilidade no País e, por isso, um momento muito preocupante. O País tem uma cultura autoritária arraigada, períodos longos de ditadura. É um País que tem quer ter um cuidado redobrado na defesa da democracia.

“Você nota o descalabro de uma posição servil de dirigentes com uma posição completamente voltada para a eleição, para o projeto de poder”.

RC: O vídeo da reunião do dia 22 de abril do presidente e seus ministros revela, na sua opinião, alguma materialidade de crime de responsabilidade? Há motivo para um pedido de impeachment que começou a ser cogitado a partir da reunião?

Felipe Santa Cruz: Em relação ao inquérito, eu acho que não há nada de grande revelação que já não tivesse sido juntado pelo próprio ministro Sérgio Moro. O que há é um conjunto da obra. Você nota o descalabro que é o discurso do ministro do Meio Ambiente, que já está gerando uma possibilidade de boicote ao agronegócio pelo mundo inteiro. O descalabro da fala do ministro da Educação, que prega o fechamento do Supremo. O descalabro de uma posição servil de dirigentes com uma posição completamente voltada para a eleição, para o projeto de poder. O covid-19 – e o Amazonas que é um dos estados mais atingidos – não foi objeto da reunião da alta cúpula do Governo Federal no dia 22 de abril. Foi um tema desimportante. É muito preocupante e transparece de forma clara que o governo não tem preocupação com a saúde da população brasileira.

RC: É lícito ter um sistema de informação particular, como disse ter o presidente na reunião?

Felipe Santa Cruz: Não. Não existe previsão legal de aparato miliciano para acesso à informação. Isso não existe. O que há é vazamentos e vazamentos de informação privilegiada, que tem que ser devidamente investigado e coibido.

Ele (Sérgio Moro) deveria ter feito antes. Deveria ter tomado as medidas que tomou, as denúncias que fez no curso das pressões que sofreu. O ministro tem uma formação, tem uma história. Acho que ele pecou por omissão e pecou muito.

RC: Sobre a conduta do ex-ministro Sérgio Moro: na sua opinião, não falar, não se opor numa reunião dessas é demonstrar complacência aos ataques que ocorreram ali?

Felipe Santa Cruz: Acho que o problema do ministro não foi na reunião. Ele deveria ter feito antes. Deveria ter tomado as medidas que tomou, as denúncias que fez no curso das pressões que sofreu. O ministro aguardou até a sétima hora. Não sei qual o nível de estresse e constrangimento naquela reunião. O ministro tem uma formação, tem uma história. Acho que ele pecou por omissão e pecou muito. Eu disse isso logo quando ele assumiu e disse que era um risco ao patrimônio ético da Lava Jato, ele se tornar ministro da Justiça do Governo Bolsonaro. Fui criticado, mas tenho certeza que o ministro Sérgio Moro hoje concorda com minha análise.

“Uma volta à política do século 18, que está sendo tocada pelo ministro Salles. Ela está destruindo e devastando não só as nossas matas, como está devastando a nossa imagem. O País está no pior momento de sua história na imagem no estrangeiro.”

RC: No vídeo, consta declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, indicando que precisava do apoio da AGU (Advocacia Geral da União) em pareceres sobre alterações na área ambiental. Esses pareceres podem ser considerados nulos a partir do que revela esta reunião?

Felipe Santa Cruz: Sim. Nós estamos inclusive elaborando uma ação de improbidade. É seríssimo isso. Uma volta à política do século 18, que está sendo tocada pelo ministro Salles. Ela está destruindo e devastando não só as nossas matas, como está devastando a nossa imagem. O País está no pior momento de sua história na imagem no estrangeiro. Os investimentos minguaram. Ontem (segunda-feira, dia 25), o Financial Times fez uma matéria preocupante falando do problema que é este governo, entre outros aspectos, na questão ambiental. Isso vai gerar campanhas no mundo todo, na Europa já está discutindo isso em relação ao nosso agronegócio. Quer dizer, uma política burra, ignorante. Uma política que caminha no sentido contrário do que caminha a humanidade, do ponto de vista de conservação, de discussão sobre o destino dos povos da floresta, sobre a sustentabilidade ambiental. É uma discussão que hoje é, digamos assim, é inexorável. O governo, como sempre faz com qualquer coisa ligada à ciência, desconhece.

Eu coloquei à disposição as nossas comissões para agir em conjunto com as forças do Amazonas. Estamos à disposição do Estado do Amazonas, do povo do Amazonas pelas boas lutas da sociedade.

RC: O presidente nacional da comissão de Direitos Humanos da OAB, Hélio Leitão, em entrevista à Agência de Notícias Amazônia Real classificou como um crime contra a humanidade a falta de ações mais rígidas por parte do governo em função do que pode ocorrer à população da região em meio à pandemia. Este momento o Amazonas está num condição de avanço da covid-19 no interior, onde também vivem as populações tradicionais e onde não há estrutura de atendimento de saúde, e Manaus se prepara para uma reabertura. Como o senhor avalia este momento do Amazonas?

Felipe Santa Cruz: Com muita preocupação, tenho acompanhado o quadro por meio do meu secretário-geral, que é de absoluta confiança e é do Amazonas, o doutor Beto Simonetti; e do presidente da OAB local, o doutor Marco Aurélio de Lima Choy, que é um grande presidente. Estamos todos muito preocupados. Eu conversei com o prefeito Arthur Virgílio, com quem tenho uma relação antiga. Ele também está preocupado com essa abertura, esse retorno. Muita cautela. Muito preocupado com a situação dos povos indígenas. Eu coloquei à disposição as nossas comissões para agir em conjunto com as forças do Amazonas. Estamos à disposição do Estado do Amazonas, do povo do Amazonas pelas boas lutas da sociedade.

RC: Qual sua opinião sobre a atuação das representações regionais da OAB em relação a questões que nacionalmente a ordem consegue se posicionar de forma questionadora e contundente e não há esta mesma atuação nos estados? O senhor acha que as lideranças locais da OAB por serem excelentes profissionais e aturam na advocacia em favor de representantes dos governos causam entrave a esta atuação? Gera conflito?

Felipe Santa Cruz: Nós somos um conselho federativo e falamos sobre pontos diferentes mesmo. O conselho federal não é como o conselho seccional. O presidente seccional dedica 99% do seu tempo às questões profissionais da advocacia, do dia a dia do advogado, às salas de atendimento. Todo esse projeto que ao longo dos anos estamos construindo de uma OAB que presta serviço aos advogados, como canal de cidadania. Esse é o exercício maior do presidente seccional. Essa luta maior em torno das liberdades, no nosso sistema, se dá através do conselho federal. E o Amazonas tem contribuído muito aí e no conselho federal, como disse, com a belíssima atuação do nosso conselheiro federal Beto Simonetti.

RC: O senhor quer acrescentar mais algum assunto a esta entrevista, que eu não tenha perguntado?

Felipe Santa Cruz: Não. Foi um prazer falar com vocês e esse olhar de preocupação. Nossa oração. Sou carioca, também estamos enfrentando o drama desta pandemia. Nós vamos superar este momento. Não há outro caminho, por enquanto, que não seja o isolamento. Deus queira que em breve tenhamos uma vacina. E muita serenidade e calma porque isso vai passar.

Ouça o áudio da entrevista neste link do site da rádio BandNews Difusora: