Organização criminosa aproveitou calamidade para obter ganhos ilícitos

Foto: Edmar Barros

A subprocuradora da PGR (Procuradoria Geral da República, Lindôra Araújo, sustenta que “verdadeira organização criminosa” foi instalada no Governo do Amazonas e, nos pedidos de busca e apreensão e de prisão apresentados ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), aponta nomes e funções no grupo.

O grupo, segundo a subprocuradora se aproveitou da situação de calamidade no Amazonas provocada pela covid-19 para obter ganhos ilícitos. As informações constam na decisão do ministro do STJ Francisco Falcão, que tramita em segredo de justiça e que o blog teve acesso nesta terça-feira, dia 30.

“As investigações levadas a efeito nos autos do INQ 1306/DF permitiram, até o momento, evidenciar que se está diante da atuação de uma verdadeira organização criminosa que, instalada nas estruturas estatais do Governo do Amazonas, serve-se da situação de calamidade provocada pela pandemia covid-19 para obter ganhos ilícitos, em prejuízo do erário e do atendimento adequado à saúde da população”, afirma a PGR em trecho citado na decisão do ministro.

De acordo com a exposição da PGR ao STJ, quatro figuras nomeadas na Susam (Secretaria de Estado de Saúde) são centrais para a atuação da “organização criminosa” e funcionaram como agentes de execução efetiva de atos ilícitos.

São eles, segundo a PGR: a atual secretária da pasta, Simone Papaiz; o ex-secretário executivo e procurador-chefe da Suhab (Superintendência da Habitação do Amazonas), João Paulo Marques; o secretário executivo adjunto do Fundo Estadual de Saúde, Perseverando da Trindade Garcia Filho; e a gerente de compras da Susam, Alcineide Figueiredo Pinheiro.

Todos presos temporariamente nesta terça.

“As condutas ora analisadas, como resta claro, denotam a existência de uma estrutura permanente e organizada, caracterizada pela divisão de tarefas, cujo objetivo direto ou indireto é a obtenção de vantagem econômica e política, mediante a prática de crimes graves, especialmente contra a administração pública.

Comando e controle

A decisão do STJ coloca o governador do Amazonas no “comando e orientação” de atos ilícitos praticados com o dinheiro público da Saúde do Amazonas durante a pandemia.

“Pelo que demonstrado até o momento, fica claro que a organização criminosa investigada nos autos, instalada no Governo do Estado do Amazonas, tem Wilson Lima, governador do Estado, como seu principal comandante”.

A procuradoria aponta o governador do Amazonas como responsável por “direcionar a atuação dos demais membros do grupo, com o objetivo de praticarem crimes diversos, a fim de obterem vantagem econômica, especialmente por meio de desvios de recursos públicos”.

Agentes de execução de atos ilícitos

A PGR destaca que Simone Papaiz tão logo assumiu o cargo “aderiu aos propósitos do grupo criminoso e passou a agir de modo a acobertar os crimes praticados”.

Em vários trechos da decisão, a PGR e o ministro Francisco Falcão destacam que Simone criou dificuldades à atuação de órgãos de controle na apuração do caso.

Segundo a PGR, o ex-secretário executivo João Paulo, “sob as ordens de Simone Papaiz emprestou importante auxílio a Wilson Lima e à organização criminosa, “zelando para que os processos físicos de despesas nas quais tenham ocorrido irregularidade sejam devidamente manipulados de modo a mascarar, os ilícitos”.

E acrescenta que a organização funcionou na irregularidade constatada nos respiradores como também em outros contratos:

“Elementos trazidos ao MPF (Ministério Público Federal) pela ex-secretária Adjunta Dayana Mejia evidenciam esse artifício em relação a processo de credenciamento (Hospital Nilton Lins) e processo de respiradores, a corroborar a atuação da ORCRIM (Organização Criminosa) não apenas nos contratos investigados, mas em outras aquisições”.

Contra João Paulo também é citado o vídeo em que ele aparece mostrando a ex-secretária da Capital Dayana Mejia um dos processos de compra e pedindo que ela assinasse, depois que a mesma já havia sido exonerada. Dayana se negou e entregou o vídeo à CPI da Saúde, ao MP-AM e ao MPF.

Para a PGR, o conteúdo do vídeo revela a tarefa do grupo na montagem de procedimentos na Susam e no objetivo da fraude: “proteger os ocupantes dos altos escalões do governo, em destaque o governador e a secretária”.

Veja trecho da transcrição da fala de João Paulo no vídeo e a conclusão da PGR:

Perseverando, por ser responsável pelo fundo que administra recursos da saúde que sequer passam pela Sefaz, é apontado como agente de atos “efetivos e diretos” da organização criminosa.

A gerente de compras da Susam, Alcineide Figueiredo, aparece na descrição da PGR como a responsável pela efetiva procedimentalização de todas as “fraudes e estratagemas ilícitos (sic) necessários a que a organização obtenha seu intento: desviar valores dos cofres públicos”.

Foi ela que fez uma declaração a CPI da Saúde em sigilo, após ser acusada de estar mentindo, afirmando que a compra dos respiradores não surgiu do nada.

“Membro importante recrutado recentemente”

A PGR afirma que o marqueteiro Jefferson Coronel é um membro importante da organização investigada, “embora recrutado recentemente”.

Segundo a PGR, o recrutamento deste membro importante passou pela intermediação do vice-governador Carlos Almeida Filho. O documento afirma que a atuação de Coronel vai além da função de assessor de comunicação do governador Wilson Lima.

“Coronel atua como verdadeiro integrante da ORCRIM, incumbido de proteger o governador em relação aos escândalos de corrupção relacionados à malversação do dinheiro público”.

A decisão cita uma declaração de Dayana Mejia afirmando que, também após sua exoneração da Susam, foi procurada pelo marqueteiro para indicação de alguém que pudesse dizer que os vídeo sobre os respiradores da Nilton Lins, publicado pelo governador nas redes sociais, era correto.

Segundo Dayana, o vídeo mostra os respiradores inadequados num ambiente de UTI no hospital de campanha Nilton Lins. A ex-secretária afirma que a UTI precisaria de outro tipo de aparelho, diferente do que o governador apresentava no vídeo.

Ela disse que se negou a ajudar. O vídeo, segundo a decisão, foi publicado pelo governador no dia 17 de abril e aparentemente foi deletado da linha de tempo no Facebook e no Instagram do governador.

Ao expor esses dados, a PGR conclui: “Vê-se, portanto, o empenho de Jefferson Coronel, sob orientação de Wilson Lima, em cooptar servidores públicos com o objetivo de escamotear a verdade a respeito dos fatos, com o objetivo deliberado de isentar de responsabilidades o líder da investigação criminosa investigada.

A PGR cita ainda que Coronel é amigo de Fábio Passos, dono da loja de vinhos.

Ao depor da PF na manhã da terça-feira, dia 30, Jefferson Coronel deu entrevista confirmou que conhece Fábio Passos mas que nada tem a ver com o processo de compras de respiradores por parte do governo.

Governador

O governador do Amazonas, Wilson Lima, postou um vídeo na noite desta terça-feira declarou que não houve nenhuma ordem para práticas ilegais, corrupção ou “qualquer coisa neste sentido”. Lima se disse surpreso, mas considera importante o esclarecimento dos fatos.

O governador disse que no pico da pandemia determinou que se salvasse vidas e que, em função disso, houve necessidade de celeridade em processos para aquisição de materiais.

“Sou o principal interessado de que isso seja efetivamente apurado” (…) Estou absolutamente tranquilo e na certeza que esses fatos serão logo esclarecidos”, declarou.

A Susam emitiu nota ontem informando que Papaiz não era nomeado quando o processo de licitação ocorreu e afirmou os recursos usados para a compra dos respiradores são estaduais e não federais.