
O empresário Antônio Rengifo Baldino realizou, no último final de semana, um torneio de futebol em Tabatinga com jovens em memória do ex-soldado peruano Antonio Rengifo Vargas. O ex-soldado era filho dele e um dos sete jovens brutalmente torturados e mortos na cidade entre os dias 12 e 13 de junho deste ano.
A chacina de Tabatinga foi denunciada por matérias investigativas do jornal Folha de São Paulo, após quase um mês de silêncio da mídia e das autoridades do estado do Amazonas.
Os jovens mortos tinham entre 17 e 27 anos. Foram brutalmente torturados e mortos em Tabatinga, a 1.106 quilômetros de Manaus. As ocorrências foram registradas após o assassinato, com dois tiros na cabeça do sargento da PM-AM (Polícia Militar do Amazonas) Michael Flores da Cruz. De acordo com matéria investigativa do jornal Folha de São Paulo, a onda de violência e barbárie foi seguida por silêncio e medo.
Quatro meses após a matança e a repercussão internacional do caso, não há conclusão das investigações que só iniciaram após a matéria da Folha de São Paulo ser publicada.
No cartaz do torneio, o pai deixou escrita a frase: “Queremos justiça” ao lado da foto do filho. “Não foi uma vítima a mais. Foi uma vítima que tem pai, que tem família e o que a gente procura é justiça. Não vingança, justiça! A gente fez o torneio para mostrar para as autoridades que a gente quer justiça”, declarou Antônio Rengifo durante o torneio e depois à reportagem.
Dono de uma empresa de turismo na região, Antonio Galdino patrocinou os prêmios do torneio: R$ 400 para o primeiro lugar, R$ 300 para o segundo lugar e R$ 200 para o terceiro lugar. O filho trabalhava com ele no turismo e também era adepto de esporte.

“A única coisa que quero é olhar para a cara da pessoa que fez isso e ao menos perdoar” (Antônio Baldinho, pai de ex-soldado torturado e morto em ação policial)
Antônio Rengifo Baldino disse que segue acreditando que os responsáveis pelo assassinato de seu filho possam ser responsabilizados. De acordo com o pai, no dia 12 de junho (um sábado), quando foi morto, o filho deixou sua casa em Santa Rosa, no Peru, atravessou o rio Solimões de barco e chegou a Tabatinga (AM) para comemorar o aniversário com amigos. Ele havia completado 20 anos no dia anterior.
Em julho, em entrevista ao blog, o pai chorou ao contar os dias seguintes à chacina e à imposição de silêncio às famílias. Os parentes das vítimas relataram à Folha de São Paulo ameaças para não realizar o velório dos mortos.
“Meu irmão disse que não estavam velando, que estava difícil. Foi quando eu disse que meu filho não era nenhum delinquente e que eu e a mãe íamos velar o corpo dele. Perder não foi fácil, não poder velar seria pior. Nem que seja dentro do caixão, a gente ia estar vendo ele. Porque depois que enterra, não ia ver mais. Durante o velório a polícia passou muitas vezes, sempre encarando nós. Foi muito difícil fazer o velório do meu filho”, disse.
“Quando me lembro, meu corpo se arrepia. Não acredito que haja na Terra uma pessoa capaz de torturar tanto um ser humano, um jovem e um jovem que não tinha nada que ver. Nada, nada, nada. Tinha acabado de prestar o serviço militar no Peru, estava trabalhando comigo no Turismo e quase não ia a Tabatinga. Mas como era o aniversário dele…”.
O pai disse no mês seguinte à morte do filho, na mesma entrevista, que não era ódio que o movia, mas esperança de justiça.
“Eu acredito que há policiais muito bons e que dão a vida pelas pessoas. Mas também existe policial muito mal. Se meu filho fosse um ladrão, um bandido, eu até ficaria calado. Mas era um jovem que tinha muitos sonhos, muitos projetos pela frente. O que fizeram como ele não tem explicação. A única coisa que quero é olhar para a cara da pessoa que fez isso e ao menos perdoar. Não procuro guerra, indenização, nada. Só não quero que a morte do meu filho fique impune. Esse foi um dia negro de Tabatinga”, disse.
O pai disse que também lamenta a morte do policial. “Eu lamento muito a morte do policial. Lamento muito. Eu não posso tapar o sol com a peneira: tem muito problema na fronteira. Mas isso já compete às autoridades. Não é porque teve um assassinato do policial, os policiais têm que sair pela rua e pegando todo jovem que vem passando e fazer o que fizeram com meu filho”, declarou.
Relembre o caso
Segundo a matéria da Folha, os sete jovens foram mortos por policiais que “invadiram e vandalizaram casas, ameaçaram familiares dos mortos, adulteraram atestado de óbito e impuseram a lei do silêncio” na cidade.
A reportagem informa que ouviu familiares das vítimas, testemunhas, moradores e autoridades da tríplice fronteira (Brasil/Colômbia/Peru) e que a ação passou os limites da fronteira porque no bairro chamado Porvenir, da cidade colombiana de Leticia, policiais “apontaram armas contra cidadãos colombianos”. Segundo a Folha de São Paulo, a Polícia Nacional da Colômbia investiga o caso.
As testemunhas e familiares ouvidos pela reportagem do jornal relatam que algumas vítimas foram mortas sem apresentar resistência. Três corpos foram encontrados no lixão da cidade, um com sinais de perfuração no ânus. Outro degolado com apenas uma pele ligando a cabeça ao corpo.
O empresário Antônio Rengifo Baldino, que também tem nacionalidade colombiana, foi o único familiar que aceitou falar e se identificar na reportagem da Folha.
O caso repercutiu dentro e fora do Brasil. A ABA (Associação Brasileira de Antropologia) emitiu nota, na ocasião, afirma que o Governo do Amazonas adota o extermínio de pessoas pobres como política de Segurança Pública. Na nota, a ABA demonstra preocupação “com a atuação das forças de segurança pública no estado do Amazonas”.
A associação, na nota, exigiu “das instituições estatais e federais de controle uma atuação incisiva e célere” na apuração dos registros de chacinas. A nota pede ainda uma “rigorosa coação da violência estatal” e o fortalecimento “urgente do controle democrático da atividade policial”.
A reportagem solicitou informações sobre a investigação do caso à SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública) e ao MP-AM (Ministério Público do Amazonas), mas até o fechamento desta matéria não conseguiu respostas.

O site de jornalismo investigativo Ojo Público publicou matéria denunciando o assassinato do ex-soldado do serviço militar do Peru e a resistência das autoridades brasileiras em investigar o caso. O site é uma das mais importante agências de notícias da América Latina e publica reportagem sobre agressões aos direitos humanos.
A matéria ouve o empresário Antonio Rengifo Baldino, pai de Antonio Rengifo Vargas, um dos jovens que tiveram corpos encontrados no lixão de Tabatinga. O pai volta a sustentar que o filho nunca se envolveu com atividades criminosas, que foi preso ilegalmente pela polícia brasileira, torturado, morto e jogado no lixão da cidade.
Bogotá iniciou investigação do caso em função de registros de que a Polícia Militar do Amazonas apontou armas para cidadãos da Colômbia no bairro Porvenir, da cidade colombiana de Leticia.
Site de jornalismo investigativo peruano denuncia “selvagem tortura e assassinato de jovem do Peru pela polícia do Brasil”
Organização internacional pede informações sobre chacina em Tabatinga ao Governo do AM
Governo Wilson adota política de extermínio de pessoas pobres, afirma ABA em nota