
A obra do Governo Bolsonaro na BR-319 (Manaus/Porto Velho (RO), que motivou gratidão e pompa da classe política do Amazonas esta semana direcionada ao presidente, será para executar um serviço de recuperação da estrada de barro que já ocorre desde, pelo menos, 2015.
A recuperação é no chamado trecho do meio, que no total compreende cerca de 400 quilômetros e nunca teve licença ambiental do Ibama em função de erros no estudo de impacto ambiental.
O trecho do meio da BR-319 compreende a estrada entre o quilômetro 250 e o quilômetro 655.
O asfaltamento de 52 quilômetros do trecho C, também anunciados pela classe política como “início do sonho de ver a BR-319 construída”, alcança uma quantidade de asfalto bem menor do que foi feito no Governo Lula.
Entre 2007 e 2010, foram asfaltados 400 quilômetros de estrada no trecho inicial e final da BR-319. Na ocasião, o ex-deputado federal e pré-candidato a prefeito de Manaus Alfredo Nascimento (PL) era o ministro dos Transportes.
Alfredo carrega até hoje uma culpa política pela não conclusão da obra da BR-319, mas também gozou dos benefícios de promessas de construção da rodovia, como outros políticos do passado e do presente continuam fazendo em época de eleição.
O entrave para a obra, em função da falta de licenciamento ambiental, foi sempre os 400 quilômetros do trecho do meio. Os órgãos ambientais não exigiram licenciamento para as obras nos trechos iniciais e finais construídos, durante a gestão Alfredo/Lula no Governo Federal.
Gratos
Esta semana começou com o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciando em suas redes sociais que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, viria ao Amazonas, neste sábado (03/10), para assinar a ordem de serviço da manutenção de parte do “trecho do meio” da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
“Agradeço o compromisso do ministro e do presidente Jair Bolsonaro com o povo do Amazonas”, afirmou Wilson Lima, depois de conversar com Tarcísio de Freitas por telefone, informou a Secom (Secretaria de Comunicação do Governo).
Um dia depois foi a vez do senador Eduardo Braga (MDB) agradecer ao Governo Bolsonaro a manutenção e a obra nos 52 quilômetros. O material de divulgação de Braga, distribuído um dia depois do da Semcom destacava no título: “Eduardo Braga e ministro da Infraestrutura anunciam obras de manutenção do “trecho do meio” e avanços para pavimentação entre os quilômetros 198 e 250”.
No texto, Braga “festeja”, segundo palavra usada por sua assessoria destacando a seguinte frase do senador “O nosso sonho de ver a BR-319 asfaltada, como já tivemos há 20 anos, começa a se tornar realidade”.
No final, o senador Eduardo Braga agradece ao Governo Bolsonaro: “Ministro, parabéns e obrigada ao Governo Bolsonaro porque esta é uma promessa que está sendo cumprida”.
Nos dias seguintes, outros bolsonaristas tomaram a mesma postura.
“Zero asfalto” no trecho do meio e “narrativa falsa“
Na sexta-feira, dia 2, o deputado federal Marcelo Ramos (PL), que no Congresso faz críticas e também já fez elogios ao Governo Bolsonaro, postou um vídeo para esclarecer o que de fato será feito, em termos de manutenção e asfalto neste momento.
Para o parlamentar, está sendo apresentada para a população “uma narrativa falsa” sobre a BR-319.
“Será anunciado lá o asfaltamento, a pavimentação dos 52 quilômetros do lote C, que já foram asfaltados, que foi contratado o Exército no passado e não foi executado e que agora esperamos que execute. Também será anunciado o contrato de manutenção do trecho do meio. Zero asfalto, só movimentação de terra para ficar trafegável nesse período de sol aqui na nossa região”, declarou.
No vídeo, Marcelo ressalta que a manutenção do trecho do meio ocorre desde 2015. O blog apurou com fontes do Dnit que, na verdade, a obra recebe manutenções desde o primeiro Governo Lula, em 2005.
De acordo com artigo do pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Philip Martin Fearnside, publicado no site da Agência de Notícia Amazônia Real, após a construção da rodovia em 1973, por falta de trânsito que justificasse sua manutenção, a estrada foi abandonada pelo Ministério dos Transportes em 1988.
“A manutenção mínima das pontes continuou após esse ano (1988) pelo Ministério das Comunicações para ter acesso às torres de micro-ondas, e depois a uma linha de fibra ótica, ao longo da rodovia”, informa o artigo.
Valor
O deputado Marcelo Ramos, no vídeo, deu os valores gastos nos últimos anos na recuperação do trecho do meio, que foi tratado como grande feito de Bolsonaro na BR-319 pelos políticos locais esta semana.
“Foram gastos R$ 40 milhões em 2015, R$ 50 milhões em 2016, R$ 50 milhões em 2017, R$ 100 milhões em 2018, R$ 100 milhões em 2019. E, agora, será anunciado o último de seis contratos, que totaliza R$ 500 milhões, em dois anos para manutenção da estrada de barro. Zero asfaltamento”, declarou.
Procurado pelo blog, o deputado Marcelo Ramos informou que o valor da recuperação do trecho do meio é maior no Governo Bolsonaro porque se trata de um novo tipo de manutenção que vai incluir pedras, na tentativa de aumentar duração da trafegabilidade da rodovia após a recuperação.
A característica meio pantanosa de alguns trechos e a falta de controle do peso dos caminhões que trafegam na rodovia são apontadas como parte das causas da deterioração da estrada de barro no período de chuvas.

Ramos esclareceu ainda que o contrato é como se fosse um registro de preço e que, não necessariamente, o governo tem obrigação de gastar todos os R$ 500 milhões na manutenção da trafegabilidade na estrada de barro na BR-319. O deputado disse que se trata de um registro de preço e que a contratada faz a obra, mediante demanda.
Marcelo Ramos afirmou ainda que apenas R$ 50 milhões está em caixa para a manutenção deste ano. Ou seja, metade do valor gasto no ano passado.
O trecho do meio da BR-319 compreende a estrada entre o quilômetro 250 e o quilômetro 655.
Impactos ambientais
No mesmo artigo publicado no site Amazônia Real em 2018, o pesquisador Philip Martin Fearnside expõe detalhes dos riscos para o meio ambiente que podem ser provocados por uma obra no trecho do meio sem um rígido EIA (Estudo de Impacto Ambiental).
“A BR-319 tem potencial para causar um enorme impacto ambiental e social. Nosso grupo de pesquisa no INPA já publicou mais de uma dúzia de trabalhos sobre estes impactos, disponíveis aqui. Quase toda a discussão da obra, inclusive no EIA não aprovado, tem se limitado à faixa de terra ao longo da rodovia em si, mas o impacto vai muito mais longe, abrangendo praticamente metade do que sobra da floresta amazônica”, afirma.
Segundo Fearnside, que é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA), a obra do trecho do meio vai conectar Manaus ao arco do desmatamento de Rondônia. A falta de elo preserva o Amazonas dos mesmos índices de devastação que outros estados da Amazônia.
Além da migração de grileiros e sem-terra para esta região considerada a Amazônia Central, o pesquisador aponta a perspectiva de abertura de outras estradas estaduais nas laterais da BR-319. As rodovias estaduais dependem de licenciamento de órgãos estaduais, que, para o pesquisador, são mais vulneráveis às pressões políticas.
“As implicações deste precedente são graves, incluindo a provável aprovação “a toque de caixa” das estradas estaduais que abririam o oeste do Estado do Amazonas aos desmatadores vindo da BR-319”.