
O MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) apresentou recurso ao TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas) contra a decisão de primeiro grau que negou decreto de lockdown em Manaus. No recurso, o MP-AM sustenta que é necessário que a justiça interfira para salvar vidas diante da ineficiência e omissão do Governo do Amazonas e da Prefeitura de Manaus na condução da maior crise de saúde pública do estado.
O recurso, apresentado nesta segunda-feira, dia 11, foi encaminhado ao presidente do TJ-AM, Yêdo Simões, que deve distribuir o mesmo a uma das três Câmaras Cíveis do tribunal. O segue o mesmo parâmetro do pedido em primeiro grau da justiça: decreto de lockdown na cidade até que 40% dos leitos público, clínicos e de UTI estejam desocupados para atendimentos de pacientes graves da covid-19 de todo estado.
“Concordamos que o ideal seria os gestores públicos se anteciparem, e por opção administrativa, sem precisar de determinação judicial, imbuídos pela alta responsabilidade e compromisso público que a função lhes conferem (…) Mas que opção tem a sociedade, vítima da inércia estatal, e o Ministério Público, defensor dos interesses difusos, quando tais gestores não são eficientemente ativos? A última porta para se ter direitos resguardados, no caso, o direito à saúde e a vida, é o Poder Judiciário”.
A taxa de incidência média de covid-19 no estado do Amazonas é de 223 casos por 100 mil habitantes. A taxa é três vezes superior à taxa média nacional que é de 59 casos por 100 mil habitantes, segundo dados divulgados no último Boletim Epidemiológico da FVS (Fundação de Vigilância Sanitária).
O instituto britânico Imperial College publicou estudo, na sexta-feira, dia 8, em que revela que o Amazonas é disparado o estado com o mais alto percentual de morte por covid-19 do País. O estado tem índice de 178 mortes para cada 1 milhão de habitantes, enquanto o segundo lugar, o Estado do Ceará, registra 92 mortes para cada 1 milhão de habitantes. O instituto alerta que, sem medidas de restrição, o quadro pode agravar.
Alegando que a “justiça deve tirar os gestores da inércia que se encontram”, o MP-AM sustenta que o decreto de lockdown se faz necessário em função da rapidez do contágio do novo coronavírus, da sua letalidade e da precariedade da rede de assistência de saúde do Estado.
“Vê-se, portanto, que a Ação Civil Pública proposta, busca retirar o Estado do Amazonas e o Município de Manaus da inércia que se encontram, mesmo vivenciando toda a avalanche de contaminação e mortes decorrentes do novo coronavírus desde março do corrente ano.”
O MP-AM diz que o governador Wilson Lima (PSC), o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), “relegam os dados oficiais” ao invés de adotarem com rigor o único remédio para conter a aceleração da doença: a restrição do contato social da população.
“Estamos diante da maior tragédia humana em ocorrência no Estado do Amazonas, responsável pela retirada precoce de vidas, não de poucas, mas de muitas, muitas pessoas, o que poderia e pode ser evitado, se os gestores do Estado e do Município, ao invés de relegar os dados oficiais, adotassem com maior rigor, o único “remédio” que contém a aceleração da contaminação comunitária, que é a restrição do convívio social por um certo tempo”.
O MP apela, no recurso, que a Justiça observe a dor das famílias amazonenses nas estatística de morte pela pandemia.
“Estamos falando de um Estado (Amazonas) que tem a maior taxa de mortalidade por covid-19 do Brasil, ranking alcançado com a dor pessoal de muitas famílias!”, sustenta trecho da ação.
Para o MP-AM, que teve o pedido de lockdown questionado sobre a qualidade técnica da peça pelo juiz Ronnie Frank Stone, que negou o decreto, o magistrado errou ao fundamentar sua decisão meramente em dados numéricos de enterros fornecidos pela Prefeitura de Manaus.
Desta vez, o MP-AM apresentando no texto do recurso os dados epidemiológicos da FVS (Fundação de Vigilância Sanitária) e a realidade de desestruturação da rede de saúde para atendimentos da escalada de contágio da covid-19 no Amazonas.
As últimas análises da FVS mostram que a doença está se disseminando de forma progressiva no interior do estado, sem que haja uma cenário de controle das infecções em Manaus. O quadro é alarmante em função de que os respiradores, necessários para o tratamento de casos graves se concentram em Manaus.
“O boletim epidemiológico, em sentido contrário aos quantitativos de enterros, reflete um cenário de vidas e de mortes em razão da contaminação pelo novo coronavírus e a consequente incidência do COVID-19”.
E acrescenta: “Indica, na verdade, e isso, infelizmente escapou ao Juiz, tendências de aumento de número de casos, para o que certamente é indispensável um exato cálculo (razão universal), considera a linha do tempo da incidência epidemiológica dentro do espaço territorial do nosso Estado, gera estatísticas e taxas de incidência considerando a distribuição espacial de habitantes, aponta o percentual populacional de desenvolvimento de casos na forma grave da doença, contendo, ainda a indicação para internação hospitalar clínica e de UTI necessária.”
Para o MP-AM, o juiz “desprezou” os boletins epidemiológicos que constavam no processo.
“A decisão, nesse aspecto, ao desprezar o documento oficial, acaba quedando-se vazia, ao se limitar a uma análise superficial, sem confrontá-la com nenhum outro documento que o conteste tecnicamente.
O juiz, que negou o pedido do MP-AM e apontou erros técnicos no texto da ação, também sustentou sua decisão na alegação que o executivo era o órgão competente para analisar os dados epidemiológicos e decidir que medidas tomar sem a interferência do judiciário, diante da medida mais extrema em relação a mobilidade.
O MP discordou deste entendimento, no recurso apresentado ao TJ:
“Não poderia o Ministério Público, ante toda a falta de gestão pública, clamar providências em outro órgão que não o Poder Judiciário, competente que é no Estado Democrático de Direito, após superado sua mera função de la bouche de la loi, por dizer o Direito (com letra maiúscula mesmo), restaurar a Justiça e a paz social”.
Foto: Edmar Barros