
O presidente do TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral), Aristóteles Thury, tomou decisão sem previsão legal de competência ao suspender um entendimento unânime do colegiado do tribunal, o que beneficiou o candidato a prefeito de Manaus, Ricardo Nicolau (PSD), uma semana antes da votação.
Em meio à repercussão nacional da censura à matéria do site The Intercept Brasil e ao jornalista Dante Graça do jornal A Crítica, a usurpação de competência por parte do presidente do TRE-AM e o benefício a Nicolau viram uma “cereja do bolo” no caso que expõe de forma negativa as relações e decisões da justiça eleitoral do Amazonas.
O pano de fundo é a propaganda falsa da campanha do candidato Ricardo Nicolau; a decisão da juíza da propaganda Sanã Nogueira e de todos os desembargadores do TRE-AM proibindo a veiculação da mesma aos eleitores; e as decisões dos dois outros juízes da propaganda e do presidente do TRE-AM em benefício de Nicolau a um custo alto: a imagem do tribunal, o equilíbrio da disputa e a liberdade de imprensa.
Decisão “usurpou” competência
Para o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Sérgio Silveira Banhos, na decisão que suspendeu o entendimento do colegiado, Thury usurpou a competência do TSE ao conceder liminar que beneficiou Nicolau.
Irresignado com a decisão do pleno do TRE-AM contrária à sua vontade, Nicolau recorreu a Thury e pediu liminar para suspender a mesma. O ministro Sérgio Banhos afirma que, a partir daí, a análise do recurso já cabia ao TSE e que o desembargador amazonense agiu onde a lei não lhe permitia agir.
O presidente do TRE-AM evitou, assim – sem autorização legal para tal – que o candidato alterasse conteúdo da campanha considerado, por todos os demais membros do TRE-AM, como falso. Ainda restava uma semana de campanha, na ocasião.
“Portanto, assiste razão ao reclamante quando afirma que a decisão que atribuiu efeito suspensivo ao recurso ordinário em mandado de segurança usurpou da competência desta Corte Superior, o que deveria conduzir à respectiva anulação e à prevalência da decisão liminar do Juízo da 63ª Zona Eleitoral do Estado do Amazonas”, afirma trecho da decisão do ministro à uma reclamação feita pela coligação do candidato Alfredo Nascimento (PL).
A coligação do candidato do prefeito Arthur Neto (PSDB) abriu disputa jurídica com a de Nicolau no TRE-AM tendo como ponto central a propaganda sobre o hospital de campanha da prefeitura.
Na decisão que passou por cima do entendimento de todos os demais membros do tribunal, Thury considerou “irrazoável” obrigar Ricardo Nicolau a falar toda verdade aos eleitores, mas elogiou o “primor técnico” do entendimento do colegiado do TRE-AM.
“Contudo, tenho, igualmente, a convicção de que a decisão colegiada, a despeito do preciosismo técnico de seus argumentos, atenta contra a isonomia que deve prevalecer entre os candidatos, convertendo em precedente judicial uma solução que me parece irrazoável”, afirma o presidente do TRE-AM em trecho da decisão sobre os ajustes na propaganda para evitar que a propaganda falsa chegasse aos eleitores.
Detalhes do julgamento
O desembargador Thury estava presente, mas não votou no julgamento do caso na corte do TRE-AM porque, como presidente, só vota para desempatar.
A decisão suspensa pelo presidente do TRE-AM foi tomada num mandado de segurança apresentado por Ricardo Nicolau contra o entendimento da juíza da propaganda Sanã Nogueira.
A juíza e todos os desembargadores que julgaram o caso no TRE-AM entenderam que o conteúdo que Ricardo Nicolau apresentava ao eleitor era falso por omitir que o trabalho no hospital de campanha é resultado também da atuação do poder público municipal.
Os membros do TRE-AM, confirmando a decisão em primeiro grau, proibiram Nicolau de apresentar o hospital na propaganda como um feito pessoal ou particular dele, de seu clã familiar ou do grupo empresarial a que ele é ligado, sem mencionar a atuação da Prefeitura de Manaus e dos demais parceiros privados.
A usurpação de competência do presidente do TRE-AM, apontada pelo ministro do TSE, não teve efeito na propaganda porque foi tomada depois que o horário gratuito do primeiro turno foi encerrado. A decisão data de 14 de novembro e a propaganda encerrou no dia 12 de novembro.
A reportagem procurou a assessoria do TRE-AM e a do candidato Ricardo Nicolau para ouví-los sobre o assunto, mas as mensagens não foram respondidas até a publicação desta matéria.
Cereja do bolo
O presidente do TRE-AM agiu em meio a dois contextos graves.
O primeiro é de decidir sobre o que não podia decidir, como confirma o ministro do TSE, passando por cima de uma decisão colegiada do tribunal.
O segundo é, diante de sua função, minimizar o que o mundo inteiro combate: o efeito das fake news sobre o eleitor e no enfraquecimento da democracia.
Como disse no início, a questão que envolve o nome de Thury vira uma cereja no bolo da repercussão negativa envolvendo decisões e relações dos magistrados titulares do TRE-AM, em 2020, que deveriam aplicar a lei para manter o equilíbrio e a justiça do pleito.
Tudo exposto pelo site The Intercepet e outros sites jornalísticos e jurídico. Com maior evidência após a censura.
Veja abaixo os links:
Matéria do The Intercept: “UMA REPORTAGEM DO INTERCEPT FOI CENSURADA E NÓS DESCOBRIMOS O MOTIVO“
Artigo do jornalista Reinaldo Azevedo: Intercept Brasil: um caso surrealista de censura à imprensa no Amazonas.
Artigo site jurídico Conjur: Candidato a prefeito de Manaus moveu diversas ações para censurar Intercept
Matéria Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo): Para especialistas, censura ao Intercept Brasil e a pesquisas eleitorais é ameaça à democracia