
O professor da Universidade de São Paulo (USP), ex-ministro da Educação e pré-candidato a presidente Fernando Haddad (PT) criticou o atraso na vacinação contra covid-19 no País e responsabilizou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pela demora que, na avaliação do petista, está custando a vida dos brasileiros e prejuízos econômicos ao País.
A declaração foi feita durante entrevista ao programa EXCLUSIVA da rádio BandNews Difusora (93.7), em Manaus, na tarde desta segunda-feira, dia 1.
“O prefeito da cidade de Manaus (David Almeida – Avante), diante da letargia do Governo Bolsonaro, está colocando dinheiro da prefeitura para comprar vacina. Por que? Porque não tem presidente. Quando na história do País um presidente precisou de prefeito para comprar vacina? Nunca pedimos dinheiro de um prefeito para comprar vacina. Olha o desespero dos prefeitos e governadores. É muito triste”. criticou Haddad.
O ex-prefeito de São Paulo, que disputou o segundo turno com Bolsonaro em 2018, fez defesa de prefeitos e governadores que viraram alvo do presidente nos últimos dias em função do avanço da doença no País e a necessidade de decretos que limitem a circulação de pessoas.
“A oposição e os governadores estão tentando salvar o País”, afirma Fernando Haddad.
Durante a entrevista, Haddad classificou o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, como candidato da direita e disse que o País precisa com urgência de propostas e um plano de governo alternativo ao do governo vigente.
O pré-candidato defendeu pacto entre progressistas em 2022, no segundo turno, porque o presidente “Bolsonaro irá jogar contra a democracia”. E não descartou união com forças políticas que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT) e a chegada da extrema direita ao poder no País.
Haddad fez críticas à política ambiental de Bolsonaro, mas defendeu a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, obra do governo petista alvo de críticas de ambientalistas e processos judiciais em função de danos ambientais e sociais na região.
Confira no link a entrevista em vídeo ou leia abaixo a íntegra:
Exclusiva
Rosiene Carvalho / Apresentação e edição
Thais Gama / Ancoragem e apresentação
João Felipe Serrão / Produção
Luiz Melo: Transcrição
Daniel Jordano / Editor executivo e revisão geral
“Não queremos esperar 2022 para discutir os graves problemas pelos quais a região norte passa.”
Exclusiva: O senhor venceu em 60 dos 61 municípios do interior do Amazonas. Entre as últimas eleições e agora, houve ameaças ao meio ambiente, aos povos indígenas, à espinha dorsal da economia do estado – a Zona Franca de Manaus – e o colapso do sistema de saúde. Por que só agora procurar um diálogo com esta população?
Fernando Haddad: Os nossos governos foram os que mais promoveram as regiões Norte e Nordeste do país. (Em 2018) Eu ganhei em toda a região nordeste praticamente, e por muito pouco eu não ganho no Amazonas também. Ganhamos no Pará, preciso frisar. Como você citou, a depender do interior, nós teríamos ganho. Mesmo considerando a capital, eu penso que a diferença dos votos que eu tive para o Bolsonaro foi realmente muito apertada. Nós quase viramos na reta final.
Vejo com muita tristeza o que acontece hoje (na região). Estamos nos antecipando. Tivemos uma atuação nas eleições de 2020, mas nós não queremos esperar 2022 para discutir os graves problemas pelos quais a região norte passa. Você citou vários: questão sanitária, ambiental e fábricas sendo fechadas na Zona Franca.
Qual fábrica fechou durante os nossos governos? Qual projeto ficou na gaveta? Muito pelo contrário. A região teve um surto de desenvolvimento espetacular no governo do presidente Lula. A presidente Dilma estendeu por 60 anos os incentivos fiscais da Zona Franca.
Tudo caminhava bem até o golpe de 2014, quando Aécio Neves não aceitou o resultado eleitoral e jogou o País na crise, em aliança com o (ex-deputado-federal) Eduardo Cunha e o (ex-presidente) Michel Temer. Isso está custando muito caro, pois levou o Bolsonaro ao poder e agora estamos assistindo a esse desmonte.
Com muito pesar, o número de mortes (pela pandemia de Covid-19) ainda vai subir em função do descaso do governo com as medidas preventivas, com a vacinação, que está muito atrasada, e o corte do auxílio emergencial.
“Esse homem (ministro Eduardo Pazuello) é um covarde. Ele nem deveria ter assumido a posição de ministro da saúde. Ele declaradamente não conhece o SUS e nem sabe onde fica o Amapá. Outro dia ele disse que o Nordeste ficava no Hemisfério Norte. Ou seja, demonstra uma incapacidade total de estar à frente do ministério.”
Exclusiva: No último final de semana, a mídia nacional divulgou o depoimento do ministro da saúde, Eduardo Pazuello, sobre a falta de oxigênio na rede de saúde em Manaus. Ele se isenta de culpa, nega fatos – que foram declarados em entrevistas e pronunciamentos – e diz que a culpa é do governo estadual. Qual é a sua avaliação a respeito da condução e da responsabilidade do governo federal com o que se passa na capital amazonense?
Fernando Haddad: Esse homem é um covarde. Ele nem deveria ter assumido a posição de ministro da saúde. Ele declaradamente não conhece o SUS e nem sabe onde fica o Amapá. Outro dia ele disse que o Nordeste ficava no Hemisfério Norte. Ou seja, demonstra uma incapacidade total de estar à frente do ministério. O Bolsonaro só o mantém no cargo em virtude do pacto que tem com alguns generais aposentados bolsonaristas, mas, enquanto isso, o povo morre sem auxílio, sem oxigênio, sem vacina. A única coisa que ele fez foi a indecência de mandar para o Amazonas a cloroquina, um remédio que comprovadamente não ataca o novo coronavírus.
O governo está errado no meio ambiente, na saúde, na educação. Praticamente não há nenhum ministro com conhecimento de causa à frente das pastas do governo Bolsonaro. É uma tragédia humanitária terrível. A gente chora de pensar na situação que a região Norte está vivendo – da crise de energia no Amapá, das vacinas do Amazonas sendo enviadas ao lugar errado, até as enchentes no Acre… É um descaso absoluto.
Razão pela qual uma pessoa insuspeita como o ex-governador Tasso Jereissati, que foi presidente do PSDB e governador do Ceará, está pedindo a CPI da Covid, a qual o Partido dos Trabalhadores dará total apoio. Temos que investigar o Pazuello porque ele é um irresponsável e jamais deveria estar no posto em que está.
“Bolsonaro é dos poucos presidentes do mundo que não recomenda o uso da máscara – ele próprio não usa. Desconhece que ele é um vetor de transmissão, pois acha que porque já pegou Covid-19 não passa mais. Nem os médicos da presidência o alertam sobre os crimes que ele está cometendo involuntariamente ou não.”
Exclusiva: O senhor acha que o país fez uma avaliação correta sobre o que ocorreu em Manaus, no sentido de que não é algo isolado e se reproduziria em outras regiões, como já está acontecendo?
Fernando Haddad: Não houve uma gestão da crise sanitária como deveria. Por exemplo, o Brasil é um dos países que menos testagem fez. Uma das providências mais adequadas para conter uma pandemia é, ao menor sinal de sintoma, testar a população e isolar. A testagem nos países desenvolvidos, inclusive, foi feita nas pessoas assintomáticas, justamente porque elas pensam que não são capazes de transmitir a doença.
Em países da Ásia, como a Coreia do Sul, Japão e China, a testagem em massa foi usada como “arma de guerra” contra o vírus. Com isso eles voltaram à normalidade da economia muito antes. Se o Brasil tivesse se valido da experiência internacional e das recomendações da Organização Mundial da Saúde, nós não viveríamos esse drama que estamos vivendo hoje.
A primeira providência a ser tomada ano passado, quando não tinha vacina, era testar, isolar e usar máscara e álcool.
Até hoje o Bolsonaro é dos poucos presidentes do mundo que não recomenda o uso da máscara – ele próprio não usa. Desconhece que ele é um vetor de transmissão, pois acha que porque já pegou Covid-19 não passa mais. Nem os médicos da presidência o alertam sobre os crimes que ele está cometendo involuntariamente ou não.
É muito dramático o que vamos viver, infelizmente, nesse mês de março em virtude dessa absoluta irresponsabilidade. A impressão que dá, para a maioria da população, é que parece proposital.
E ainda teve o atraso em atender os laboratórios. Nós temos 200 países do mundo comprando vacina e só cinco laboratórios vendendo. O Bolsonaro nem responde os ofícios dos laboratórios, que tiveram a decência de consultar se o Brasil tinha interesse na aquisição de vacinas. Quantas vidas poderiam ser salvas se já tivéssemos com 15% ou 20% da população vacinada, como é o caso do Chile? Qual telefonema ele deu ou qual carta ele encaminhou pedindo vacinas?
O presidente sempre transferiu a responsabilidade para os prefeitos e governadores, enquanto ele andava de jet ski, mandava cloroquina para os estados, protegia os filhos da ação da Polícia Federal e da justiça. Esse é o governo Bolsonaro.
“O 5G, por exemplo, está atrasado no Brasil e é uma oportunidade espetacular de fazer uma revolução de conectividade no país. Já são dois anos e dois meses de governo Bolsonaro e ninguém tocou no assunto “5G”. Estamos nas mãos da pessoa mais despreparada que poderíamos ter ocupando a presidência da República.”
Exclusiva: Mesmo com a implementação da EaD (Educação a Distância), muitas pessoas no Amazonas sofrem sem recursos que as possibilitem dar continuidade às atividades escolares. O que poderia ser feito para minimizar esse impacto?
Fernando Haddad: Na linha do “Programa Luz para Todos” nós poderíamos estar fazendo uma revolução digital no Brasil neste momento.
O atual governo não tomou nenhuma providência. Pelo contrário, cortou 70% da verba de ciência e tecnologia. O Ministério das Comunicações está entregue a uma pessoa que não tem o menor conhecimento do assunto, pois não anunciou nenhuma medida para melhorar a capacidade do país de enfrentar o problema do isolamento de algumas regiões.
No meu tempo de ministro [da Educação], não havia transporte escolar para a região amazônica. Nós desenvolvemos, com a Marinha, os barcos escolares adaptados para as crianças serem levadas em segurança para as escolas.
Quando há uma crise você tem que anunciar um futuro, fazer dela uma possibilidade de superar as dificuldades que a população enfrenta.
O governo vai esperar 100 anos para levar internet banda larga [para a população isolada]? O 5G, por exemplo, está atrasado no Brasil e é uma oportunidade espetacular de fazer uma revolução de conectividade no país. Já são dois anos e dois meses de governo Bolsonaro e ninguém tocou no assunto “5G”.
Estamos nas mãos da pessoa mais despreparada que poderíamos ter ocupando a presidência da República.
Exclusiva: Na sua avaliação, como deve ser a construção de informação, de identidade e de contato com a população de quem pretende governar um país tão diverso como o Brasil?
Fernando Haddad: Mais do que viajar aos lugares, é preciso trabalhar com a população local, sobretudo quando você tem a oportunidade, como eu tive como ministro da educação, de levar um conjunto de oportunidades educacionais aos jovens do interior do Amazonas. São Gabriel da Cachoeira tinha uma pequena escola técnica, toda voltada para o povo não-indígena; sendo que mais de 90% da população é indígena. Os cursos não estavam adequados à população local.
Nós criamos o instituto federal, que hoje atua em todo o estado, e ampliamos as vagas. Mais importante que isso, eu recebi, em meu gabinete, uma comissão de indígenas e nós desenhamos o currículo da escola de São Gabriel para oferecer cursos voltados para as necessidades locais. A minha esposa [Ana Estela Haddad], que trabalhou durante oito anos no Ministério da Saúde, chegou a visitar a cidade para levar os programas federais que não chegavam à “Cabeça do Cachorro”, como a região é conhecida.
Ou seja, você precisa conversar com as pessoas e agir. Mudar a vida delas. Porque esse comportamento, que eu vejo em época de eleição, de políticos tirando fotos e dizendo que conhecem a realidade brasileira, isso não funciona. O que funciona é sentar com a comunidade e desenhar as políticas públicas sob medida para as necessidades dela – o que foi feito no Amazonas inteiro.
Se não houver essa disposição é melhor não se meter com política porque você não vai ter ideias para resolver o problema das pessoas.
Exclusiva: A que o senhor atribui o encolhimento do PT no Brasil e especificamente Manaus, onde o presidente Bolsonaro teve quase 70 % de votos e onde não era fácil ganhar do PT? Os ex-presidentes Lula e Dilma bateram mais de 80% na capita. Como o senhor pretende resgatar esse eleitorado?
Fernando Haddad: Eu ter ido para o segundo turno e ter feito 45% dos votos em 2018 demonstra a capacidade do PT de se recuperar, mas o partido sofreu uma avalanche, que está sendo desmontada agora com a divulgação, pela Polícia Federal, das mensagens trocadas pelos membros de Curitiba, que eram chefiados por um juiz. Não tem pé nem cabeça um juiz chefiar o time da acusação. Foi muito pesado o que foi feito com o presidente Lula.
Saiu um artigo no The New York Times, um dos principais jornais do mundo, dando conta de que não é possível sustentar a farsa que o [ex-juiz Sérgio] Moro criou contra o Lula para pavimentar a sua própria carreira política.
Isso está sendo desmontado, mas todas as mentiras que contaram levam tempo pra chegar à população. Creio que a justiça não vai conseguir manter as acusações ao [ex] presidente diante da farsa que foi criada. Espero que ele [Moro] pague pelos erros que cometeu.
“O descaso do governo atual com o Brasil é tão grande, em todas as áreas, que eu acho que a nossa caminhada começa com um plano de reconstrução nacional “pra já”, porque a população não tem até 2023 para esperar.”
Exclusiva: O PT tinha em seu governo políticos e lideranças religiosas de alguns segmentos empresariais que hoje são aliados do governo Bolsonaro. A reconquista desse eleitorado passa por um novo alinhamento com essas forças políticas?
Fernando Haddad: O descaso do governo atual com o Brasil é tão grande, em todas as áreas, que eu acho que a nossa caminhada começa com um plano de reconstrução nacional pra já, porque a população não tem até 2023 para esperar. Esse plano inclui o auxílio emergencial de R$ 600, vacinação em massa, combate à carestia do preço do combustível e dos alimentos, que está pela hora da morte. É um descalabro tão grande que eu entendo que haverá um realinhamento de forças até ano que vem.
Vai exigir muito trabalho, paciência, tranquilidade, mas acho que o Brasil merece um projeto que reencontre a si próprio.
A situação da economia é grave. As relações internacionais estão desmontadas. O Brasil está isolado na América do Sul. O Bolsonaro não tem um aliado no mundo hoje.
“Se essas forças [políticas do AM] fizerem uma reanálise das atitudes que tiverem e, como tem acontecido, demonstrarem que entraram numa “barca furada”, saberemos reconhecer.”
Exclusiva: O senhor acha que o PT se aliaria novamente no Amazonas a políticos, como os senadores Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD), e a setores empresariais que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma e a eleição do presidente Bolsonaro?
Fernando Haddad: Nós vamos apresentar um projeto para o País. Nós já desenhamos um plano de recuperação imediata. Se essas forças [políticas] fizerem uma reanálise das atitudes que tiverem e, como tem acontecido, demonstrarem que entraram numa “barca furada”, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que declarou que se a eleição fosse hoje votaria em Haddad (um democrata), saberemos reconhecer.
“A Petrobras nunca teve prejuízo nos nossos governos.”
Exclusiva: O senhor citou o aumento do preço dos combustíveis. O que há de errado na política econômica do governo Bolsonaro, considerando a questão da associação do PT a uma imagem negativa da Petrobras?
Fernando Haddad – O Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras para fazer demagogia com a sua base social, e o aumento do combustível aconteceu porque ele não mudou a política, que continua a mesma: dolarizar os preços internos dos combustíveis. A Petrobras nunca teve prejuízo nos nossos governos. O ano que teve prejuízo foi por conta de um ajuste contábil em relação ao patrimônio da empresa, em função da queda do preço do petróleo; não tinha nada a ver com o fluxo de recursos.
A Petrobras se tornou uma das empresas mais valiosas do mundo durante os nossos governos. Hoje, 50% da produção de petróleo é das reservas encontradas no pré-sal. Não fosse o investimento em pesquisa e engenharia que fizemos, estaríamos importando óleo cru. O Bolsonaro está vendendo as refinarias e os gasodutos da Petrobras. Ele vendeu a BR distribuidora, onde poderíamos controlar a margem de lucro dos postos de gasolina.
“Ao contrário de outros governos que aceitavam e estudavam propostas da oposição, o PT é o maior partido de oposição do País e Bolsonaro não menciona nenhuma delas. Aliás, não sei se ele lê alguma coisa.”
“O prefeito da cidade de Manaus (David Almeida – Avante), diante da letargia do Governo Bolsonaro, está colocando dinheiro da prefeitura para comprar vacina. Por que? Porque não tem presidente. Quando na história do País um presidente precisou de prefeito para comprar vacina? Nunca pedimos dinheiro de um prefeito para comprar vacina. Olha o desespero dos prefeitos e governadores. É muito triste”
Exclusiva: O PT tinha uma forma de fazer política que envolvia apresentar propostas alternativas aos governos vigentes. Após tanto tempo no Executivo e sendo o maior partido de esquerda do País, porque isto não se apresenta neste momento de crise?
Fernando Haddad: Mandamos, para toda a imprensa, um caderno de 215 páginas, com propostas de todas as áreas, do meio ambiente à transferência de renda. Estamos a dois anos da eleição e nós fizemos isso para ajudar o País a sair da crise. Ano passado, nas eleições municipais, nos reunimos com 500 especialistas na Fundação Perseu Abramo para justamente confeccionar esse conjunto de propostas. O Bolsonaro nem quis saber. Nem tomou conhecimento.
Ao contrário de outros governos que aceitavam e estudavam propostas da oposição, o PT é o maior partido de oposição do País e Bolsonaro não menciona nenhuma delas. Aliás, não sei se ele lê alguma coisa. A proposta que encaminhamos ele não leu, mas o Congresso tomou conhecimento e (o caderno) está sendo objeto de debate público. Não lê só do PT, viu? Porque outros partidos do campo progressista também estão apresentando propostas. Não quero aqui ter o monopólio da oposição.
A oposição toda está tentando salvar o País. Os governadores estão tentando salvar o País. Estou ouvindo aqui o prefeito da cidade de Manaus (David Almeida – Avante), diante da letargia do Governo Bolsonaro, está colocando dinheiro da prefeitura para comprar vacina. Por que? Porque não tem presidente. Quando na história do País um presidente precisou de prefeito para comprar vacina?
Nós vacinamos 80 milhões de brasileiros contra H1N1 em menos de 90 dias. Nós vacinávamos 1 milhão de brasileiros por dia, sem precisar da ajuda dos prefeitos, a não ser para colocar o posto de saúde à disposição. Nunca pedimos dinheiro de um prefeito para comprar vacina. Olha o desespero dos prefeitos e governadores. É muito triste. Hoje o governador da Bahia Rui Costa (PT) começou a chorar porque ele visita hospital e vê o que está acontecendo.
Bolsonaro já fechou 10 mil leitos de UTI e não repassou mais dinheiro. São 10 mil pessoas que vão morrer por falta de leito de UTI, porque ele mandou fechar.
Exclusiva: Quais são os riscos da política ambiental do governo Bolsonaro e como articular uma proposta em meio a uma economia baseada na devastação e na “integração” dos povos indígenas?
Fernando Haddad: Só lembrar que o menor desmatamento já apurado na Amazônia nas últimas décadas aconteceu nos nossos governos. Nós tínhamos Marina Silva como ministra do Meio Ambiente. Não é pouca coisa. Conseguimos provar que se pegarmos a terra nua, improdutiva, você consegue colocar essa terra para produzir ao invés de derrubar floresta. No meu plano de governo de 2018 eu tinha a proposta de aumentar os impostos sobre a terra improdutiva, que não tivesse floresta, porque o cara desmata e não produz.
É mentira que o desmatamento gera maior produção da nossa agricultura, que, hoje, conta com tecnologia agrícola para quase todos os biomas brasileiros, graças a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], o que exige menos território para a produção. O desmatamento é um extrativismo perdulário que só interessa ao grileiro, que explora a madeira, que explora o garimpo, mas não transforma aquilo em produção. O desmatamento só interessa ao grileiro, que é o madeireiro, o garimpeiro, as mineradoras, que não têm compromisso nenhum com o País.
“Não tenho segurança em dizer que Belo Monte foi um erro. Eu entendo a objeção ao projeto original, que não foi executado, mas eu quero crer que este tipo de debate mereça uma atenção menos ideológica e mais prática.”
Exclusiva: O governo do PT também esteve envolvido em polêmicas relacionadas ao meio ambiente, sendo a Usina Hidrelétrica de Belo Monte uma das principais críticas de ambientalistas. Se o senhor fosse presidente, faria essa hidrelétrica?
Fernando Haddad: Belo Monte que acompanhei à distância, mas acompanhei, porque tinha interesse acadêmico nisso, Belo Monte passou por uma série de mudanças de projetos para justamente diminuir a área inundável. É uma usina hidrelétrica com tecnologia de última geração.
Não sei se uma termoelétrica estaria fazendo o bem ao meio ambiente. Qual a alternativa às hidrelétricas hoje no Brasil? Ninguém expandiu mais a rede de energia solar e eólica que nós. O Brasil se tornou um player na produção eólica mundial, sobretudo nas regiões de muito vento. Desenvolvemos muitas placas solares, que baixaram muito de preço. Estamos expandindo a produção de energia eólica e solar, mas ainda não é o suficiente, elas respondem por 5% da produção de energia do Brasil.
Então, qual é a alternativa? Energia nuclear? Termelétrica, que queima combustível e carvão? O que vamos fazer para produzir energia.
Não tenho segurança em dizer que Belo Monte foi um erro. Eu entendo a objeção ao projeto original, que não foi executado, mas eu quero crer que este tipo de debate mereça uma atenção menos ideológica e mais prática de qual alternativa à matriz hidrelétrica, que sempre foi considerada energia limpa no Brasil. Sempre foi. Agora, ninguém está pensando numa Itaipu. Porque o lago de uma Itaipu é uma coisa tão agressiva que realmente trouxe problemas importantes, embora responda por 20% da energia hidrelétrica produzia no Brasil.
Exclusiva: A minha pergunta foi no sentido de ouvir a sua opinião sobre o dano ambiental e social. Belo Monte tem 26 processos na justiça questionando os danos ambientais, os prejuízos para a população indígena, para a reprodução dos peixes e o impacto disso na vida das pessoas que moram naquela região.
Fernando Haddad: Quando eu falo de termelétrica e energia nuclear também estou falando de meio ambiente. As formas de produção de energia estão dadas do ponto de vista tecnológico. Você tem as termelétricas, a energia eólica, a energia solar, as hidrelétricas e nuclear. Então, a menos que se invente uma nova forma de produzir energia, tem que se fazer opção por uma delas. Na minha opinião, a energia nuclear e termelétricas são as mais arriscadas formas de produção de energia. Você tem a solar e a eólica que tem pouca escala na matriz energética brasileira. Essa é a questão. Então, você tem que apresentar uma alternativa de produção energética. Senão vai parar o País.
Exclusiva: A ex-ministra do meio ambiente Marina Silva, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, fez críticas sobre o PT começar a discutir nomes ao invés de discutir projetos. Ao mesmo tempo, ela disse que apoiaria Ciro Gomes numa disputa eleitoral. Na Folha de S. Paulo, Ciro Gomes disse que a tarefa dele este ano e no ano que vem será evitar que o PT chegue ao segundo turno porque, para ele, seria o partido mais fácil de ser derrotado pelo Bolsonaro. Nomes como Boulos e Erundina, do Psol, e Flávio Dino, do PCdoB, também se destacam. Como o senhor avalia isso, todos estão percebendo que podem derrotar Bolsonaro e o PT?
Fernando Haddad: Primeira coisa a dizer é que nós [do PT] somos um partido que, no meio da crise, apresentamos um plano de governo “pra já”, não para 2022. Nós somos dos poucos partidos que trabalhou intensamente 2020 com 500 professores especialistas, gestores, intelectuais para apresentar um plano de recuperação para o País. O PT é o maior partido de oposição na Câmara. Temos quatro governadores de estado (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte). Por isso temos certas obrigações.
Ninguém nunca negou o direito a Marina Silva de sair candidata. O Ciro Gomes é candidato a presidente desde 1998. Acho natural que os partidos coloquem os seus nomes. Contudo, é importante apresentarem os seus projetos para ver se temos convergência ou não com as ideias.
Antes de fazer alianças é preciso saber o que cada um pretende pro país. O PT sai na frente apresentando o seu projeto e convidando as pessoas a criticá-lo, porque temos um ano e meio para mudar alguma coisa que não seja o melhor pro Brasil. Estamos fazendo um tipo de abordagem que eu acho o mais correto.
Todos os nomes que você citou estão nas ruas. Nós estamos rodando os estados com um projeto de reconstrução e transformação do país. E é contraditório dizer que não pode discutir nome e apresentar um nome. Todo mundo tem o direito de defender o seu nome. Ainda é uma democracia.
“A direita tem o Ciro [Gomes], o [Sérgio] Moro, o [Luiz Henrique] Mandetta, o [Luciano] Hulck, o [João] Dória. Qual é o problema? Isso tudo tem um ano e meio pra gente discutir. Não faz sentido querer inibir uma pessoa de se apresentar e conversar com a sociedade. Não é proibido fazer isso.”
Exclusiva: As pessoas falam muito a respeito da fragmentação da esquerda. O senhor acha que há riscos para além de perder uma eleição? O que está e risco?
Fernando Haddad: A direita tem o Ciro [Gomes], o [Sérgio] Moro, o [Luiz Henrique] Mandetta, o [Luciano] Hulck, o [João] Dória. Qual é o problema? Isso tudo tem um ano e meio pra gente discutir. Não faz sentido querer inibir uma pessoa de se apresentar e conversar com a sociedade. Não é proibido fazer isso.
Antigamente a imprensa criticava, com razão, os políticos que só procuravam o povo na hora da eleição. Agora que a gente tá procurando antes pra discutir um projeto. A eleição será em outubro de 2022. Vamos debater as ideias. Numa democracia surgem nomes naturalmente.
Para derrotar o Bolsonaro, você tem que ter um pacto de todo mundo que é oposição para apoiar quem for para o segundo turno. Esse é o pacto que tem que ser feito e não o que foi feito em 2018. Cada um foi para um lado e deixou o Bolsonaro ganhar. Não dá para ser assim.
“Bolsonaro vai jogar contra a democracia (em 2022). Mais uma razão para as forças democráticas estarem unidas num segundo turno e fazerem um pacto no primeiro turno de, quem for para o segundo turno, derrotar o Bolsonaro.”
Exclusiva: O próximo presidente vai receber um país desmantelado com as ações da direita e extrema direita. Os conflitos políticos e ideológicos dos Estados Unidos de hoje podem ser do Brasil em 2022?
Fernando Haddad: Eu acho que o Bolsonaro vai ter muita dificuldade de aceitar a derrota porque ele não tem pacto com a democracia. É um Trump piorado. O Brasil não tem as instituições com a força que os Estados Unidos têm. A democracia brasileira tem só 30 anos. O EUA 200 anos de democracia. Não dá para comparar, a força das instituições dos EUA.
Tudo que aconteceu de 2014 pra cá no Brasil seria inaceitável nos EUA – o comportamento do Aécio Neves, do Eduardo Cunha, do Sérgio Moro, do Michel Temer. O próprio Bolsonaro, ele estaria provavelmente impedido nos EUA. Já teria sido afastado das funções presidenciais.
O presidente Bolsonaro sabendo disso vai jogar contra a democracia. Mais uma razão para as forças democráticas estarem unidas num segundo turno e fazerem um pacto no primeiro turno de, quem for para o segundo turno, derrotar o Bolsonaro.
“Eu jamais me portaria como Bolsonaro se comporta durante a pandemia. Ainda mais eu sendo professor. Já que ele, enquanto presidente, não dá o exemplo, cabe aos professores deste país o papel de mostrar o que deve e o que não deve ser feito.”
Exclusiva: A última pergunta é se senhor virá a Manaus ainda este ano e suas considerações finais.
Fernando Haddad: Eu visitarei todos os estados brasileiros. Estamos com muita cautela e conversando com as autoridades sanitárias antes de qualquer deslocamento. O que menos quero é ser vetor de transmissão de vírus. Faço testagem a cada viagem para saber se posso pensar em outro destino. Tudo é feito com todo o cuidado nessas viagens. Todo mundo de máscara, uso de álcool em gel, distanciamento de, no mínimo, um metro e meio de uma pessoa para outra, sem aglomeração.
Eu jamais me portaria como Bolsonaro se comporta durante a pandemia. Ainda mais eu sendo professor. Já que ele, enquanto presidente, não dá o exemplo, cabe aos professores deste país o papel de mostrar o que deve e o que não deve ser feito. Agradeço imensamente a oportunidade de estar aqui com a Band. Conversar com vocês foi um prazer. Perguntas ótimas. Espero, pelo menos, ter respondido a maior parte delas e deixo um abraço e minha solidariedade extrema ao povo de Manaus.
Quando numa entrevista entrevistado e entrevistadora se movem e se pautam pelo debate inteligente, pela afirmação de interesses coletivos e pela discussão de projetos, quem ganha é a sociedade. Foi o que Manaus e o Amazonas experimentaram neste 1° de março de 2021 com a excelente entrevista que o professor Fernando Haddad concedeu à afinada jornalista Rosiene Carvalho.