Plano de reabertura do governo coloca 85% da população em risco de contaminação no AM, alertam pesquisadores

Fotos: A primeira foto foi feita no dia 15 de abril e a segunda no dia 22 de maio pelo repórter fotográfico Edmar Barros no Cemitério do Tarumã. Foram 37 dias entre os dois registros. (Edmar Barros)

O plano de reabertura do Governo do Amazonas, que começa a ser executado a partir de 1º de junho, coloca 85% da população do estado em risco de contaminação, mortes e novo colapso do sistema de saúde em meio à pandemia por covid-19.

“Não existe atualmente uma imunidade de rebanho para a cidade e a população está longe de adquirir tal imunidade. Se nenhuma ação for tomada para conter o avanço da pandemia em Manaus, muitas vidas ainda serão perdidas, pois de 85% a 90% da população ainda é suscetível a COVID-19”,

A conclusão consta na nota técnica assinada por pesquisadores das áreas de ciências exatas, humanas e biológicas da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e Inpa (Inistituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e encaminhada ao MPE-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) pedindo que providências sejam tomada para evitar a segunda onda da doença no estado.

As modelagens de análise de dados dos cientistas, levando em consideração estudos internacionais, estima que 10% a 15% do Amazonas foi infectada com covid-19 e que, portanto, a capacidade de circulação do coronavírus, a infecção descontrolada da doença – que não tem vacina e nem tratamento conhecidos -, o aumento de mortes e colapso do sistema de saúde são alto.

“O sistema de saúde de Manaus – e, consequentemente, do Amazonas – pode sofrer novos colapsos se estratégias de isolamento mais rigorosas não forem adotadas, uma vez que problema está intrinsecamente ligado à velocidade de transmissão do SARS-CoV-2 e ao número de pessoas que ele tende a infectar, caso o isolamento social não seja implementado com maior rigor”.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Amazonas ocupa com destaque há semanas o segundo lugar no ranking de segundo estado brasileiro com maior taxa de mortes por covid-19.

São 872,1 casos por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 208,5 casos por 100 mil habitantes. O Brasil é o sexto País mais afetado do mundo em número de mortes.

A nota afirma que a atuação do governo para salvar vidas deveria estar em sentido contrário à retomada das atividades de comércio e liberação de atividades não essenciais como igrejas, que foram incluídas no decreto a partir da pressão política de lideranças de segmentos de igrejas evangélicas. Para os cientistas, o recomendável era um aumento no rigo das medidas de restrição e, em quatro semanas, uma nova avaliação dos dados gerais do estado em relação à evolução da doença.

“No momento, a reversão de medidas já adotadas para reforço do isolamento social irá causar um aumento considerável do número de casos e óbitos relacionados à COVID-19 em curto prazo.”

Em outro trecho a nota alerta para um novo surto de aumento descontrolado de casos com o afrouxamento das medidas de restrição.

“Alertamos que qualquer afrouxamento de medidas de distanciamento social, neste momento ou nas próximas 4 semanas, pode levar a um novo crescimento das infecções e óbitos por COVID-19 em poucas semanas, considerando o número atualmente ainda muito elevado de indivíduos infectados (estimados em cerca de 85.000) e a ainda pequena porcentagem de indivíduos em nível populacional (estimada de 10% a 15%)”.

Quebra de isolamento em Manaus aumenta risco de morte para população do interior

Os pesquisadores apontam erro em avaliar isoladamente os casos em Manaus e, com pior gravidade, apenas os números de enterros.

Os cientistas afirmam que um colapso no sistema de saúde de Manaus significa um risco para todos os municípios do interior do Amazonas, que, neste momento vivenciam aumento do número de casos.

Os municípios do interior contam com dois graves obstáculos no atendimento a pacientes graves: a falta de estrutura de saúde, já que as UTIS se concentram em Manaus, o distanciamento geográfico da capital.

“A adoção de medidas para o controle da pandemia em Manaus, como o isolamento social, é especialmente importante uma vez que a cidade de Manaus abrange a maioria das UTIs do estado. Dessa forma, o colapso do sistema de saúde na capital representaria o colapso do sistema de todo o estado, afetando os demais municípios”, diz a nota.

Ainda segundo o estudo, a diminuição do número de enterros e o aumento do número de leitos não alterou o alto poder de contaminação grave e o colapso do sistema, característica da doença. “Apesar de uma recente queda no número de sepultamentos e uma maior oferta de leitos hospitalares em Manaus, a situação continua extremamente crítica”, diz outro trecho da nota.

Os cientistas alertam ainda a sociedade para “pseudo-estudos” que indicam para uma possibilidade de imunização de rebanho que não existe nem em Manaus e nem no Amazonas. Pedem que o MP-AM tome providências em relação aos mesmos pela capacidade de desinformar e serem usados contra a população. Pseudo-estudos são estudos falsos, mentirosos ou feitos por quem não tem capacidade técnica para avaliar a pandemia).

Primeiras infecções em fevereiro

A avaliação da nota técnica é que, pela velocidade registrada da doença no Amazonas, os primeiros infectados com covid-19 passaram a circular no estado em fevereiro.

A nota destaca também que o Amazonas ignorou os primeiros alertas da ciência e o resultado foram as cenas de colapso do sistema de saúde e funerário em abril.

“Há mais de um mês, em 17 de abril, quando o estado do Amazonas registrava 1.809 casos confirmados e 145 mortes confirmadas por COVID-193 , um artigo publicado com revisão pelos pares em um dos mais importantes periódicos científicos do mundo, a Science, alertou para a necessidade de isolamento social rigoroso na cidade de Manaus e para a interrupção de transporte intermunicipal e interestadual (rodoviário, aéreo e fluvial), para impedir que o vírus SARS-CoV-2 se disseminasse para o interior do estado”

A nota concluiu: “Nem o distanciamento social rigoroso, nem a interrupção de transporte se materializaram e, desde a data do alerta até 22 de maio, foram verificados aumentos de 1494% no número de casos confirmados (chegando a 27.038) e de 1151% no número de óbitos (chegando a 1.669) para o estado do Amazonas, de acordo com dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas”.

Os cientistas afirma ainda que priorizar a economia também requer seguir as recomendações de cuidado com a saúde e proteção da vida das pessoas, destacando que todos os Países que tomaram posturas como a que o Amazonas adota tiveram que retomar com maior lentidão as atividades econômicas.

“O isolamento social não deve ser encarado como o causador da crise econômica. De fato, a pandemia do COVID-19 é a responsável pela crise, o que torna o isolamento necessário. Cidades com um isolamento social
mais rigoroso tiveram uma recuperação econômica mais fortalecida, comparadas a cidades que negligenciaram estas medida. Dado o histórico de recuperação econômica ligado à superação de pandemias, o enfrentamento da atual pandemia deve ser priorizado na tomada de decisões”.

O estudo recomenda investimento em testes por amostragem em bairros e segmentos da sociedade para embasar a reabertura gradual e sem riscos de mortes para as pessoas.

Os pesquisadores que assinam a nota técnica são:

Lucas Ferrante – Biólogo, Mestre em Biologia pelo INPA, Doutorando em Biologia – PPGEco – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)

Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz – Matemático, Doutor em Matemática, Université Paris-Sud 11/França – Departamento de Matemática (DM), Programa de Pós-Graduação em Matemática (PPGM), Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Luiz Henrique Duczmal – Matemático, Doutor em Matemática, PUC/RJ –
Departamento de Estatística (DEST), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rodrigo Tavares Teixeira – Matemático e cientista de dados, Mestre em Matemática, Escola de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST-UEA).

Henrique dos Santos Pereira – Agrônomo (UFAM), Mestre (INPA) e Doutor em Ecologia (PSU/EUA), Centro de Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Jeremias da Silva Leão – Estatístico, Doutor em Estatística (UFSCar/USP), Programa de Pós-Graduação em Matemática, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Fabio Magalhães Candotti – Cientista Social (USP), Doutor em Sociologia (Unicamp), Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Fabricio Beggiato Baccaro – Biólogo, Mestre em Ciências Biológicas (INPA), Doutor em Biologia (INPA), Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Ruth Camargo Vassão – Bióloga, Mestre em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), Doutora em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), PósDoutora em Imunologia pelo Instituto Max Planck em Imunobiologia de Freiburg (Alemanha), Pesquisadora Científico VI aposentada do Instituto Butantan.

http://www.rosiene.blog.br/reabertura-de-igrejas-inflara-numero-de-infectados-e-de-mortes-no-am-afirma-estudo/