Sobre silêncio, luta de classes e coronavírus: diálogo marginal entre Benjamin e Merton

Centro de São Paulo. Pessoas caminham na Praça do Patriarca, em São Paulo. 23/02/2016 Foto: Marcos Santos/USP Imagens (Agência Brasil)
Centro de São Paulo. Pessoas caminham na Praça do Patriarca, em São Paulo. 23/02/2016 Foto: Marcos Santos/USP Imagens (Agência Brasil)

Nesses tempos de isolamento social compulsório podemos recuperar o valor da solidão.

Na experiência da solidão o ser social pode recuperar a integridade ontológica dissipada pelo ritmo da pressa, do excesso e da superficialidade em que nos enredamos.

Precisamos de tanto para viver?

Thomas Merton (1915-1968), monge trapista que como poucos soube combinar a agitação urbana com a sabedoria e a solidão do deserto, nos ensina que “a cidade alienada isola os homens uns dos outros em desespero, falta de amor, fracasso. Está apinhada de pessoas não presentes umas às outras: é como um deserto cheio de gente”.

A gramática do mercado e seu ritmo frenético abominam espaços de silêncio e de recolhimento. Atitudes tão improdutivas quanto os idosos, peças não funcionais ao mercado e destinadas ao descarte.

Thomas Merton, francês de nascimento, viveu nos Estados Unidos, mas era um cidadão do mundo, pacifista, ecumênico e militante dos direitos civis. Morreu de forma trágica, em Bangkok, na Tailândia, em razão de um choque elétrico acidental.

Em pouco mais de 50 anos de vida escreveu cerca de setenta livros. Crítico do pragmatismo que informa o modo de vida no Ocidente, reconhecia que “o homem moderno ocidental tem medo da solidão. Ele é incapaz de ficar sozinho em silêncio. E está transmitindo sua enfermidade mental e espiritual aos homens do Oriente. A Ásia vê-se gravemente tentada pela violência e pelo ativismo do Ocidente e aos poucos está perdendo o controle de seu tradicional respeito pela sabedoria silenciosa”.

Thomas Merton será uma das minhas leituras nesses tempos sombrios em que a locomotiva insana do sistema do capital foi descarrilhada – não sei por quanto tempo – pelas astúcias do coronavírus, que definitivamente conferiu à natureza o protagonismo da luta de classes.

Esse paradoxo me obriga a escutar Walter Benjamin e Thomas Merton.

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra e filho dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, 21 de março de 2020

Foto: Agência Brasil