
Há menos de dois meses no Amazonas após substituir o ex-arcebispo de Manaus, Dom Sérgio Castriani, na condução da Igreja Católica, Dom Leonardo Ulrich Steiner teve que incrementar sua adaptação na cidade à rotina imposta pelo isolamento social da pandemia da Covid-19 e à necessidade de orientação do maior segmento religioso do Estado.
Aos 70 anos, Dom Leonardo está em recolhimento na residência do arcebispo e mantém contato físico com poucos colaboradores da igreja, o que não significa que tenha diminuído o ritmo, a atenção à condução dos católicos e o olhar para as necessidades dos mais marginalizados da sociedade no Amazonas.
Em meio à polêmica e divisão que o discurso do presidente Jair Bolsonaro causou, inclusive em Manaus, há duas semanas, ao convocar as pessoas a manifestações pelo fim do isolamento social, Dom Leonardo foi para as redes socais da arquidiocese e afirmou à população católica de Manaus que “a vida está em primeiro lugar, não o dinheiro”.
O arcebispo, se referindo ao discurso do presidente, se posicionou contra o encerramento do isolamento social durante pandemia de coronavírus e disse que Bolsonaro só tinha razão num ponto: o pânico deve ser evitado. O discurso ajudou a aliviar a pressão que o governador Wilson Lima (PSC) passou a receber de grupos de empresários, naquele momento.
As igrejas em Manaus e no interior do Estado foram orientadas a evitar celebrações que provocassem aglomeração de pessoas e, em consequência, riscos de morte dos fiéis. A medida foi adotada antes mesmo que o governo decretasse esta recomendação.
Por telefone, sem a presença de assessores, Dom Leonardo atendeu à equipe do programa Exclusiva da Rádio Band News Difusora (93.7) nesta segunda-feira, dia 6, e deu declarações sobre as políticas públicas de combate à pandemia, as fragilidades da população mais pobres e mais isoladas da periferia de Manaus e do interior do Amazonas e a crise política que pode interferir na governabilidade do País.
O líder católico também falou sobre o testemunho de fé que cabe aos cristãos, neste momento.
“Tenho receio de que nós vamos perder nossas periferias. Eu tenho receio que a gente acabe perdendo também a governabilidade. De posições tão diferentes que estão havendo em relação ao isolamento. Tenho receio que no Brasil, por disputas, se perca a governabilidade”, declarou.
O arcebispo de Manaus classificou, ainda, na entrevista, como antiética a tentativa de que o governo socorra financeiramente as igrejas enquanto os mais pobres passam por necessidades extremas.
“No meu modo de ver, é uma falta de ética. Deixar o Estado de socorrer as pessoas para ir em socorro das igrejas. As igrejas são quem? São as pessoas. Que o Estado socorra as pessoas e não as igrejas como CNPJ”, disse.
Sobre Dom Leonardo
Dom Leonardo Ulrich Steiner nasceu em Santa Catarina. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, em 1972. Na ocasião, foi admitido no Noviciado da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. O arcebispo cursou Filosofia e Teologia em Petrópolis, no Rio de Janeiro, entre 1973 e 1978.
De 1981 a 1982, concluiu o curso de Pedagogia. Em 1995, passou a integrar o Pontifício Ateneu Antoniano, em Roma. Neste mesmo, período fez mestrado e doutorado em Filosofia. Exerceu a função de secretário geral do Pontifício Ateneu Antoniano.
Em 2011 e 2015, foi eleito secretário-geral da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Também foi bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília (DF), entre outras funções na Igreja Católica.
A seguir, leia trechos da entrevista de Dom Leonardo ou ouça o áudio da entrevista concedida aos jornalistas Alex Ferreira e Rosiene Carvalho, na íntegra neste link.
“Existe uma apreensão muito grande da nossa parte, especialmente com os nossos irmãos que vivem nas ruas de Manaus”.
Exclusiva: Qual impacto que o coronavírus pode ter na população mais pobre do Amazonas?
Dom Leonardo Ulrich Steiner: Por enquanto, ainda não chegou na população mais pobre, mas existe uma apreensão muito grande da nossa parte, especialmente com os nossos irmãos que vivem nas ruas de Manaus. Estamos procurando dar uma assistência a eles, na medida do possível. Colocando-os a par dos perigos do vírus, porque achamos que estes são os mais frágeis. Nossa periferia, como sabemos, é muito grande. Como há pouco vocês noticiaram, os nossos hospitais estão chegando ao máximo. Falta muito pouco para dizermos que vai entrar em colapso. Imagina se isso se espalhar em toda população de Manaus e todo Estado do Amazonas. O que isso vai significar? Da minha parte, há uma apreensão muito grande. Mas, da parte da arquidiocese, temos feito todo possível para alertar as pessoas.
Exclusiva: Como o senhor avalia o trabalho das autoridades no combate ao coronavírus?
Dom Leonardo: Eu penso que começamos um pouco tarde. Havia uma tranquilidade porque achavam que o vírus não haveria de nos atingir tão rapidamente. Mas quando olhava toda a situação da Europa, especialmente Itália e Espanha, foi crescendo em mim uma apreensão. Graças a Deus, houve depois uma tomada de decisão. Mas existe uma fragilidade muito grande quanto ao nosso próprio sistema de saúde aqui em Manaus para atender todo Estado. Isso será uma grande dificuldade. Não só de conscientização, que eu acho que isso também poderia ter sido feito um pouquinho antes. Inclusive, na arquidiocese, tínhamos preparado uma espécie de decreto pedindo para que as celebrações públicas não acontecessem.
Exclusiva: Como tem sido o trabalho da Igreja, neste momento, com as pessoas que quiserem um acolhimento?
Dom Leonardo: Primeiro, tivemos a preocupação de envolver as pessoas da nossa Cáritas, porque há uma preocupação com os mais pobres. Fizemos contato com a prefeitura e o Governo do Estado para isso e pedimos ajuda do Ministério Público. Na outra parte, temos feito o possível através das celebrações, missas irradiadas, missas televisionadas. Temos procurado alertar as pessoas para ajudar, confortar neste momento de isolamento, que pode trazer dificuldades como depressão.
Tenho receio de que nós vamos perder nossas periferias. Eu tenho receio que a gente acabe perdendo também a governabilidade. De posições tão diferentes que estão havendo em relação ao isolamento. Tenho receio que no Brasil, por disputas, se perca a governabilidade.
Exclusiva: O Governo diz que o Amazonas está prestes a um colapso do sistema de saúde e a doença ainda não mostra seu alcance nas zonas mais pobres. Tudo que é ruim, para pobre acaba sendo pior. O senhor acha que as medidas irão atender às necessidades deste segundo momento?
Dom Leonardo: Acho que a preocupação para os mais pobres é pouca. Veja o que vinha acontecendo com o próprio SUS. Não é de agora. Isso apenas traz luz a um problema que já é crônico no Brasil. Os pobres são relegados. Veja esta ajuda que o governo está oferecendo. Quando eles vão liberar esses benditos R$ 600? Os pobres, neste sentido, realmente são, como diz o Papa Francisco, descartados. O meu grande receio é que, se o Coronavírus, realmente se alastrar em Manaus, conforme algumas pessoas estão indicando, é que as pessoas nas nossas periferias é que vão sofrer mais em perda de vida humana, mas também vão sofrer mais em termos econômicos. Os pobres já estão sendo atingidos pela parte economia e aí a necessidade do Estado agir. Tenho receito de que nós vamos perder nossas periferias. Eu tenho receito que a gente acabe perdendo também a governabilidade. De posições tão diferentes que estão havendo em relação ao isolamento. Tenho receito que no Brasil, por disputas, perca a governabilidade.
“Não podemos esquecer que, na Amazônia, temos mais de cem pequenos grupos de povos que não têm contato conosco. Se esses grupos forem infectados, eles vão desaparecer.”
Exclusiva: A Igreja Católica realizou, há poucos meses, o Sínodo da Amazônia, preocupada com as populações tradicionais desta região. A Igreja com seus trabalhos missionários conhece bem a realidade dessas populações mais isoladas. Qual sua opinião a respeito da condição das populações que vivem fora da área urbana na Amazônia, em meio a esta pandemia?
Dom Leonardo: O que estamos fazendo e outras dioceses estão fazendo é ajudar as comunidades a entenderem a gravidade do momento. Isso é muito importante. As pessoas entenderem que o isolamento é a maior proteção que podemos ter. Não podemos esquecer que, na Amazônia, temos mais de cem pequenos grupos de povos que não têm contato conosco. Se esses grupos forem infectados, eles vão desaparecer, simplesmente. Porque não têm anticorpos suficientes. Então, o que vamos fazer em relação a essas populações menores, ribeirinhas e indígenas? Estamos procurando alertar para que elas se resguardem, que a epidemia não as atinja neste momento, que devagar possa ir acontecendo e, assim, haja uma recuperação da nossa saúde.
Exclusiva: Há uma demora nas ações emergenciais para ajudar as pessoas mais pobres, mas algo caminha. E em relação à população indígena? A resposta é adequada, na sua opinião?
Dom Leonardo: Quem deveria cuidar desta parte é a Funai. Não tenho notícias dessa preocupação. A Funai está sendo desmontada e a política atual não é uma política a favor dos povos indígenas. Tenho procurado, porque me preocupa, mas não vejo ações. Sabemos que com a dispensa dos médicos cubanos muitas comunidades indígenas ficaram desprotegidas, desguardadas. Nesse momento tão difícil, tenho certeza, estarão ainda mais desprotegidos.
“Uma sociedade que se sente desprotegida, que percebe que não existe uma unanimidade, uma orientação de rumo é uma sociedade que vai criando força suficiente para desgovernar. “
Exclusiva: O senhor falou que teme uma perda da governabilidade. O que o senhor quer dizer com isso?
Dom Leonardo: Veja, uma sociedade que se sente desprotegida, que percebe que não existe uma unanimidade, uma orientação de rumo é uma sociedade que vai criando força suficiente para desgovernar. A sociedade espera da parte do governo e do Estado uma governabilidade, uma orientação comum. Se os governos estaduais fazem de um jeito, os municipais de outro e o governo federal completamente diferente, como é que fica essa sociedade? É uma sociedade dividida, e já estava. Se se dividir ainda mais, ela fica ingovernável. É preciso uma autoridade que realmente dê uma autoridade.
“Uma pessoa que continuamente se contradiz e se coloca contra determinadas convenções, determinadas éticas, ela perde sua autoridade. E, por isso, perde a governabilidade. O que vai dar isso não posso dizer porque acho muito cedo.”
Exclusiva: Na sua opinião, qual o maior risco, neste contexto: o mandato de um presidente que se coloca em confronto com as orientações técnicas do mundo e de seu próprio governo ou há risco de uma ruptura democrática?
Dom Leonardo: Toda governabilidade exige autoridade. Uma pessoa que continuamente se contradiz e se coloca contra determinadas convenções, determinadas éticas, ela perde sua autoridade. E, por isso, perde a governabilidade. O que vai dar isso não posso dizer porque acho muito cedo. Mas eu tomo governabilidade como autoridade que para isso foi eleita, como o Congresso Nacional. Para isso, foram eleitos. Veja que o conflito entre o Legislativo e o Executivo cresce cada vez mais. Isso eu chamo de ingovernabilidade, em que a sociedade não importa. O que importa é determinado grupo, determinadas pessoas. Isso se torna ingovernável. Governabilidade não estou falando em impeachment, nem golpe. É a incapacidade de dirigir um País. Tenho receio de, se continuarmos neste conflito, perdermos a governabilidade.
“Creio que o fato das nossas igrejas estarem fechadas e não termos celebração pública e nenhum dos sacramentos, tem ajudado na diminuição da expansão do vírus na cidade de Manaus e nos demais municípios.”
Exclusiva: Algumas religiões defenderam que as medidas de fechamento de locais de aglomeração de pessoas não atingissem os templos religiosos. Em algum momento, o Papa Francisco também fez a defesa que a Igreja continuasse aberta, em meio à pandemia. Qual sua opinião sobre esta polêmica que se estabeleceu há alguns dias?
Dom Leonardo: A igreja sempre tem que estar aberta, mesmo quando a física está fechada. O Papa se referia mais a isso. Mas, depois, em Roma mesmo surgiu a necessidade de se fechar as igrejas físicas, dada a possibilidade do acúmulo de pessoas. Na arquidiocese, como em todas as dioceses do Brasil, foram suspendidas as pregações públicas. Nós já tínhamos feito aqui em Manaus antes da recomendação do governo. Essa necessidade das pessoas irem à Igreja, estamos pedindo que este momento de oração fique em casa, rezem em família. Seria tão bom se pudéssemos deixar as igrejas abertas, mas nosso receio é que possa haver um grupo maior de pessoas e que ali seja um local de proliferação do vírus. Creio que o fato das nossas igrejas estarem fechadas e não termos celebração pública e nenhum dos sacramentos, tem ajudado na diminuição da expansão do vírus na cidade de Manaus e nos demais municípios.
“A nossa questão é que o Estado tem obrigação de socorrer as pessoas, os cidadãos e não as igrejas. O Estado tem obrigação de ir ao encontro dessas pessoas que ganhavam dinheiro de vender café, pastel, água na rua, que viviam de uma esmola. Essas pessoas estão desamparadas. Essa é a obrigação do Estado e não pensar a questão das igrejas. Deus não há de faltar conosco, não.”
Exclusiva: Há lideranças religiosas que defendem que essas medidas de socorro ao comércio e ao emprego de trabalhadores sejam estendidas às instituições religiosas em função da queda de dízimos. Qual sua opinião a este respeito?
Dom Leonardo: É claro que todas as nossas igrejas terão dificuldades com essa contribuição para a manutenção das dioceses. A contribuição, naturalmente, vai diminuir. Como as pessoas, que não recebem, vão contribuir? Contribuir com o quê? Existe, claro, uma preocupação da nossa parte. Mas, a preocupação primeira é socorrer os pobres. Se, depois, houver necessidade, nós conversaremos com as comunidades. Mas isso, no momento, o mais importante não são as igrejas. O mais importante no momento é o povo, são as pessoas que estão desempregadas. Se elas começarem a receber uma ajuda, é claro que saberão repartir. Então, a preocupação da minha parte e dos bispos do Brasil não é essa. A nossa questão é que o Estado tem obrigação de socorrer as pessoas, os cidadãos e não as igrejas. O Estado tem obrigação de ir ao encontro dessas pessoas que ganhavam dinheiro de vender café, pastel, água na rua, que viviam de uma esmola. Essas pessoas estão desamparadas. Essa é a obrigação do Estado e não pensar a questão das igrejas. Deus não há de faltar conosco, não. Não vejo essa reivindicação como uma questão ética. Só queria dizer que essa preocupação não é uma questão ética. No meu modo de ver, é uma falta de ética. Deixar o Estado de socorrer as pessoas para ir em socorro das igrejas. As igrejas são quem? São as pessoas. Que o Estado socorra as pessoas e não as igrejas como CNPJ.
Exclusiva: Estamos na Semana Santa, uma data importante para os católicos. Qual o testemunho da fé cristã, sobretudo neste momento de abalo da nossa vida social, nas nossas relações com o próximo?
Dom Leonardo: Estamos no meio da Semana Santa, você lembrou bem. Na sexta-feira, vamos celebrar o sofrimento e a dor da humanidade na dor e sofrimento na cruz do Nosso Senhor Jesus Cristo. Esse momento é de dor e sofrimento e é um momento de morte. Veja o que aconteceu na Itália, o que está acontecendo na Espanha. Quantas despedidas, quanto sofrimento, quanta dor, quantas pessoas que entram em pânico e desespero. Nós estamos quase que vivendo uma Sexta-feira Santa. Mas a Sexta-feira Santa abre perspectivas, nos concede horizontes. Qual sentido da vida humana? Por que vivemos? Por que estamos vivos? Para onde caminhamos? Como desfrutamos dessa Terra? A terra não é para ser desfrutada, a terra é para ser cultivada e cuidada. Talvez esses vírus todos que apareceram nesses últimos tempos sejam fruto desse devaneio humano em relação à Terra, em relação à natureza.
“Nós só nos realizamos cuidando um do outro, amando uns aos outros. Talvez, esse momento difícil, esteja pedindo de nós um Lava-pés bem completo, bem real, dentro das nossas famílias em relação aos pobres e em relação aos mais necessitados. A Semana Santa é um horizonte extraordinário para ler este momento difícil que estamos vivendo.”
Exclusiva: Por que devaneio?
Dom Leonardo: Digo devaneio porque estamos simplesmente explorando. Não estamos dando nada de volta à Terra. Estamos poluindo tudo. A Sexta-feira Santa pode ser a gestação de um tempo, de uma vida nova. E isso é a Páscoa. Páscoa é este sentido extraordinário de perceber o quanto a vida humana tem valor, a dor tem o seu significado, a cruz pode ser salvação. Então, no meio desses sofreres existe vida. Existe transcendência. Existe para além do sofrer. Na Sexta-feira Santa, tem também a celebração do Lava-pés, que é o cuidado do outro. Estamos cuidando uns dos outros dentro de casa, neste sentido de cuidar um do outro, no afeto mútuo? Da gestação mútua, desse jeito de estar na vida. Porque nós só nos realizamos cuidando um do outro, amando uns aos outros. Talvez, esse momento difícil, esteja pedindo de nós um Lava-pés bem completo, bem real, dentro das nossas famílias em relação aos pobres e em relação aos mais necessitados. Você lembrou muito bem. A Semana Santa é um horizonte extraordinário para ler este momento difícil que estamos vivendo.
“Esse embate, de repente, com a possibilidade de morrer talvez nos desperte para o valor da vida.”
Exclusiva: Algumas pessoas falam que esperam que tudo volte logo ao normal. É essa a nossa real necessidade como seres humanos? Que tudo volte ao ponto que estava das nossas relações com o mundo e com as pessoas?
Dom Leonardo: O Papa Francisco tem dito que nós não seremos mais os mesmos, que talvez sejamos uma humanidade melhor. E, no dia de ontem (domingo), ele falou: viver sabendo porque viver. Esse embate, de repente, com a possibilidade de morrer talvez nos desperte para o valor da vida. Veja quanta violência em Manaus, veja quanta pobreza em Manaus. Quanto descuido com a própria natureza. Talvez o vislumbre da morte, através do coronavírus, os desperte, abra os olhos para outras dimensões e realidades, que estamos quase esquecidos. Este sentido do viver e do conviver. Por isso, esse isolamento desses dias possa nos ajudar a perceber que tipo de convivência estamos tendo. Estamos realmente convivendo? Ou estamos apenas ao lado um dos outros como coisas colocadas?
“A casa está completamente desorganizada economicamente. Por que tantos pobres? Porque tão poucas pessoas tão ricas? Por que este acúmulo de dinheiro que existe no mundo? E tantos pobres morrendo, inclusive, de fome. Então, o coronavírus está colocando em jogo esta nossa concepção, visão econômica.”
Exclusiva: Dom Leonardo, tenho percebido nos grupos, inclusive os de religiosos, embates mais uma vez motivados pelo acirramento político, ideológico, mesmo em meio a este momento em que há riscos para todos e muito maior para as pessoas mais pobres e mais fragilizadas. Queria saber, na sua opinião, qual o papel do cristão em momentos assim? Defender a economia? Ou as preocupações deveriam estar voltadas às necessidades e riscos do próximo? Não só esse próximo imediato, os idosos das nossas famílias, mas esse próximo que está nas áreas mais pobres e abandonadas das cidades.
Dom Leonardo: A preocupação econômica é justa. Mas será que também não estamos chegando no limite desse capitalismo devastador? Por que esse sistema econômico que só pensa em acumular? Por que esse sistema econômico não consegue ser solidário? Por que esse sistema econômico não sabe cuidar da saúde dos povos? Por que esse sistema econômico não sabe cuidar da mãe Terra? Veja, o coronavírus está levando uma crise também ao nosso sistema econômico. Neste sentido, é claro, existe preocupação. Mas a minha preocupação não é com esse sistema que está aí. Mas de buscarmos um outro sistema. Como conviver economicamente. É tão interessante que usamos a palavra economia, da boca para fora, e não nos damos mais conta que economia significa organização da casa. A casa está completamente desorganizada economicamente. Por que tantos pobres? Porque tão poucas pessoas tão ricas? Por que este acúmulo de dinheiro que existe no mundo? E tantos pobres morrendo, inclusive, de fome. Então, o coronavírus está colocando em jogo esta nossa concepção, visão econômica. Para além da economia, precisamos rearranjar nossas casas. E não se trata de questões de economia, se trata de relações, de cuidado de afetos, de realização humana. Nenhuma pessoa humana se realiza economicamente. Se realiza nos amores, nas entregas, nos cuidados, nas causas. É uma preocupação justa, mas a preocupação primeira tem que ser com o quê? Com a vida humana. A economia deveria estar a serviço dessa vida humana.