
A matéria de dez minutos sobre as denúncias do MPF (Ministério Público Federal) no Fantástico, neste domingo, dia 20, contra a cúpula da Segurança Pública do Governo Wilson Lima consolida a imagem que o próprio executivo escolheu e construiu em um ano e nove meses de mandato de uso truculento das forças policiais contra a população.
A suspeita é que a ação no rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte, em agosto, tenha ocorrido mediante abuso policial, violência, tortura e morte de ribeirinhos e indígenas da região sob o comando do secretário da SSP, Louismar Bonates, do comandante da PM-AM, coronel Ayton Norte, que agiram por determinação direta e pública do governador para dar “uma resposta dura” após a morte de dois policiais.
Os três negaram as denúncias do MPF.
A polêmica no setor de segurança do atual governo começou com o primeiro ato de Wilson Lima para a pasta, que foi a escolha de Louismar Bonates. A carreira do coronel é marcada por casos que envolvem polêmicas. O passado e o perfil do secretário, naturalmente, voltariam à tona a cada ação da SSP sob o comando dele – embora políticos e policiais mais antigos afirmem que hoje Bonates é uma pluma em comparação ao que já foi.
O secretário teve o nome no passado recente citado na investigação de negociação no Governo Melo com membros de facções criminosas pela paz nos presídios em meio ao período eleitoral, o que levou o nome dele a ser destaque em matérias nacionais.
O coronel sempre negou esta acusação e o fato é que nenhuma denúncia foi feita pelo MP-AM (Ministério Público do Amazonas) contra ele, o que foi usado pelo governo e pelo próprio secretário como uma espécie de salvo conduto político para ocupar a coordenação da segurança pública do Amazonas.
Outro dado é que a maior mancha da vida política do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), até o Caso Flávio, contou com a participação especial do coronel que era o chefe da Casa Militar dele na ocasião da retirada dos camelôs do centro da cidade, na década de 90. O tucano levou anos para amenizar a imagem negativa.
Agora, a repercussão nacional da operação no rio Abacaxis, que há semanas levou o governo para mais uma investigação em âmbito federal, vem na sequência de outras ações marcadas pela violência policial.

Crespo
Entre as quais, a comemoração, por parte do governador Wilson Lima e de seu secretário Louismar Bonates, do “êxito” da ação que terminou com a morte de 17 pessoas no Crespo, sendo três adolescente. Um de 14 anos.
Na ocasião, após o resultado da operação, em outubro do ano passado, o secretário Bonates, em coletiva, declarou que a polícia não matava, agia tecnicamente. Também afirmou que quem levantasse arma e trocasse tiro com a polícia no Amazonas causaria o choro de suas famílias.
O governador reforçou o tom do discurso ao declarar, após as 17 mortes de homens e adolescentes, que o governo não iria sossegar enquanto a população não se sentisse segura.
Chacina e medo
Na mídia nacional, o caso foi tratado como chacina. Em janeiro deste ano, a Folha de São Paulo publicou matéria que ouviu testemunha do caso. A mesma afirmou que a polícia fez um “massacre” e que a comunidade calou por medo.
A matéria da Folha, assinada pelo jornalista Fabiano Maisonnave, classificou o episódio em Manaus como “a mais violenta ação policial registrada no País em 2019” – a do Fantástico deste domingo classifica a operação no rio Abacaxis como “a mais violenta ação policial na Amazônia”
A reportagem sobre o Crespo informou que, segundo o inquérito da Polícia Civil, quase metade dos mortos (sete dos 17) não tinha marcas de pólvora nas mãos. As marcas de pólvora nas mãos, via de regra, são as principais provas de confrontos e troca de tiros. A SSP sustentou desde o dia da ação que os 17 homens e adolescentes foram mortos após confronto a tiros com a PM-AM.
Outro dado é que dezesseis dos 17 mortos, receberam tiros no tórax. A matéria da Folha diz que os corpos foram retirados do local do confronto antes da perícia chegar.
Monte Horebe e rebelião
A desocupação do Monte Horebe, em março deste ano, foi marcada por uso de spray de pimenta pelas forças policiais contra a população que não apresentava resistência física à ação e por cerceamento da imprensa.
Dias depois, um relatório preliminar do MP-AM concluiu que houve “flagrante violação de direitos” na ação que contou com cerca de mil homens das forças de segurança, com helicópteros e tropa de choque.
O MP-AM destacou que houve corte no fornecimento de água, energia elétrica e impedimento de entrada de pessoas na comunidade, o que impossibilitou a alimentação de quem permanecia em suas casas.
Durante toda ação, chamou atenção a imagem do secretário Bonates usando roupas e capacete para proteção de cabeça durante entrevistas e a presença massiva de policiais armados circulando entre a população enquanto os barracos, em que viviam cerca de cinco mil famílias sem moradia eram derrubados.
Na rebelião de maio deste ano, durante a pandemia, um repórter fotográfico teve o equipamento apreendido, foi detido e revistado dentro da área do presídio enquanto trabalhava.
Familiares e entidade civil de atuação em defesa de direitos dos presos também acusaram a polícia de atuar com violência sem que houvesse, por parte dos presos, resistência. Eles reclamavam melhores condições internas em meio às infecções por covid-19.
O modus operandis do truculência no uso das forças policiais não é exatamente uma inovação feita pelo Governo Wilson Lima. A colheita em meio a outras crises que pressionam a má avaliação do executivo estadual é fruto de escolhas que não foram feitas sem claro risco.
Disso o governo não pode se queixar sem admitir que fazia parte do pacote da nomeação.