* Por Ygor Cavalcante
Diante da ausência de consciência de classe, tanto de parte dos colegas, quanto de muitos brasileiros, Elis recuou do sonho de transformação radical para o “cuidado de si” – foucaultiano!? Não estamos diante do mesmo gesto de Foucault quando recuou de seu inicial comprometido apoio aos eventos da Revolução do Irã em 1979 para, após se dar conta do avanço dos “radicais” religiosos, propor uma crítica profunda aos modelos europeus de luta política?
Depois de chorar a morte de John Lennon, evento traumático para toda uma geração, ela pede:
Vamos ser, em vez de teorizar, vamos apenas ser! Ficar aqui no nosso canto, sabe, transando o nosso pedaço, que a gente não fazendo o mal a ninguém já está fazendo um grande negócio, porque hoje as pessoas só fazem o mal…Ninguém mais escuta ninguém e para simplificar rotulamos os outros!
É dentro da casa da gente que começa a grande transformação da sociedade! Não é com a revolução que se faz transformação. Não é pegando em armas! Não é mudando o governo, votando no PTB ou na UDN, ou no PDS ou no MDB. Não! É dentro do ser humano! O ser humano está perdido…
Nessa mesma entrevista concedida à Rádio Nacional, Elis disse aprender muito mais com um jardineiro do que lendo Marx. E que queria dedicar energia a “pequenas transformações”. Talvez isso explique a mudança na concepção de seu show Trem Azul, o último.
Um recital, sem as grandes produções, como os anteriores, guardando uma distância segura de canções mais politizadas, com canções mais “leves”, mais “alegres”, talvez para “disfarçar essa mágoa que anda(va) solta no ar” e lançar as bases de uma “nova esperança”- como diz o trecho da canção Nova Estação.
Em busca de um mais-gozar distante das grandes Causas ideológicas, Elis queria mais da vida, da sua vida – repetia com largo sorriso, olhos apertados, em entrevistas que dera pouco antes de 19 de janeiro de 1981 – dia em que perdeu a vida por uma outra causa, distante daquela para a qual dedicou a maior parte de sua energia imensa e eterna – e pela qual será sempre lembrada: a luta pela emancipação do povo brasileiro.
Por isso, convido você a repetir Elis, mas na direção certa – e mesmo que isso implique catástrofes e equívocos. Repetir o gesto de cantar nossos problemas comuns e anunciar um sonho rejuvenescido, recuperar “aquele verso menino escrito há tantos anos atrás”, porque, “se muito vale o já feito, mas vale o que será”.
E “falo assim sem tristeza”, “falo por acreditar”, que “outros outubros virão, outras manhãs…plenas de sol e de luz”. Elis vive.
* Ygor Cavalcante é historiador e professor do Ifam
Elis e a Causa de uma vida (Parte 1)
Fazia escuro, mas Elis cantava! (Parte 2)
Elis e o Sinal Fechado (Parte 3)