
A subprocuradora geral da República, Lindôra Araújo, afirma nos pedidos referentes à Operação da Polícia Federal Sangria que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), comanda e orienta fatos ilícitos no governo estadual. A informação consta na decisão do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Francisco Falcão, que tramita em segredo de justiça e o blog teve acesso e no release divulgado à imprensa pelo MPF (Ministério Público Federal).
“Com efeito, como apontado desde o início da apuração, os fatos ilícitos investigados têm sido praticados sob o comando e orientação do governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, o qual detém o domínio completo e final não apenas dos atos relativos à aquisição de respiradores para enfrentamento da pandemia, mas também de todas as demais ações governamentais relacionadas à questão, no bojo das quais atos ilícitos têm sido praticados”, destaca Lindôra Araújo no pedido ao STJ de busca a apreensão que atingiu o governador do Amazonas.
Nesta terça-feira, dia 30, a PF deflagrou a Operação Sangria que investiga o desvio de recursos que deveriam ser aplicados com urgência no sistema de saúde para enfrentamento ao Covid-19. A operação focou no caso dos 28 respiradores inadequados comprados de uma fornecedora de vinhos com suspeita de sobrepreço.
Wilson Lima foi alvo de busca e apreensão, bloqueio de bens e pedido de prisão feito pela PF e negado no STJ, além de várias manifestações da subprocuradora geral da República, Lindôra Araújo, de que ele comanda e tem conhecimento de irregularidades com o dinheiro público em organização criminosa montada para desviar recursos do erário.
A investigação apura suspeita de formação de organização criminosa, corrupção, fraude à licitação, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro novamente envolvendo a Susam (Secretaria de Estado de Saúde).
No pedido de busca e apreensão da investigação que tem como alvo Wilson Lima, a subprocuradora acusa o governador de deter domínio “completo e final” não apenas dos atos relativos à aquisição de respiradores suspeitos de sobrepreço como nas demais ações do governo relacionadas à pandemia.
Segundo a subprocuradora, “no bojo” das ações de enfrentamento à covid-19 “atos ilícitos têm sido praticados”.
Governador “afronta” princípios da administração pública previstos na CF
Ainda no entendimento de Lindôra Araújo, a atuação do governador no caso que envolveu desvio de recurso público num dos piores momentos da rede pública de saúde é uma “afronta” aos princípios da administração pública previstos na Constituição Federal.
“A atuação dos agentes públicos acima relatada, dentre eles o principal gestor daquela unidade da federação, afronta os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal orientadores da administração pública. Os crimes estão ligados ao exercício funcional, praticados no desempenho dos cargos e com abuso deles, causando enorme prejuízo à sociedade amazonense”, afirma a subprocuradora em outro trecho que consta na decisão do ministro Falcão.
Prisão de Wilson Lima: “não se justifica, ao menos neste momento”
A subprocuradora, sustenta na manifestação que coube à procuradora a respeito do pedido de prisão contra o governador, apresentado pela PF, que o mesmo não seria necessário “ao menos neste momento”.
“Entretanto, a despeito de existirem fundadas razões a propósito do efetivo envolvimento do governador do estado do Amazonas Wilson Miranda Lima nos crimes do objeto da presente investigação, não se justifica a imprescindibilidade da decretação da extraordinária medida cautelar de privação de liberdade do chefe do Executivo Estadual, ao menos neste momento”, indica a decisão do STJ à repeito da manifestação da subprocuradora.
Provas contra Wilson estão em entrevistas e redes sociais
Como indícios dessas “fundadas razões” a propósito do efetivo envolvimento do governador nos crimes investigados na Susam a decisão do ministro Falcão apresenta manifestações da subprocuradora em que ela indica as entrevistas e as publicações nas redes sociais sobre o caso em que o governador assumiu a defesa do ato considerado irregular pelos órgãos de controle, quando o assunto foi noticiado pela mídia.
“Com relação ao governador do AM, Wilson Lima, há elementos que indicam a ciência e participação no processo de dispensa de licitação para a aquisição dos respiradores pulmonares, que culminaram com a contratação da empresa FJAP, cuja atividade comercial é comércio de bebidas alcoólicas Constam nos autos, vídeos e divulgações feitas pelo próprio governador em suas redes sociais , além de entrevistas concedidas, nas quais há menção expressa às circunstâncias nas quais os equipamentos foram adquiridos sempre negando as irregularidades amplamente apontadas pela imprensa”.
Pronunciamentos de Wilson o expuseram “como comandante de organização criminosa” e “homem por detrás de atos ilícitos“
Na decisão do STJ, consta ainda a indicação de um forma diferenciada de atuação de atos irregulares. Segundo a subprocuradora, o “comandante” costuma evitar se expor, o que Wilson Lima não fez se expondo pelos pronunciamentos a respeito da irregularidade.
“Em delitos como os investigados nestes autos, é corriqueiro que o real detentos do comando da organização remanesça exercendo seu mando a partir dos bastidores, sem se expor. Isso faz com que as atividades ilícitas do real agente criminoso não sejam percebidas pelos órgãos de investigação”.
E acrescenta: “No caso concreto, entretanto, embora Wilson Lima tenha se valido dessa estratégia, já que a operacionalização dos ilícitos ficou a cargo de agentes integrantes de escalões inferiores da organização, os próprios pronunciamentos do chefe do poder Executivo deixaram transparecer o homem por detrás dos atos ilícitos praticados no Governo do Amazonas”.
Mandado de prisão atinge secretária de Saúde
Um dos mandados de busca a apreensão ocorreu no endereço do governador Wilson Lima, em Manaus. Outro no aeroporto em Brasília, onde Wilson foi abordado antes de embarcar para Manaus e teve apreendido o celular e tablet. Fonte do blog no governo informou que o governador se recusou a entregar à PF suas senhas.
Foram cumpridos oito mandados de prisão temporária, entre os quais o da secretária de Estado de Saúde, Simone Papaiz, que assumiu a pasta no dia 10 de abril após deixar a secretaria de saúde do município de Bertioga, no litoral paulista e o ex-secretário executivo da Susam e procurador-chefe da Suhab (Superintendência de Habitação do Estado do Amazonas), João Paulo Marques.
A PF informou que foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão. Já o MPF indicou que os mandados de busca e apreensão foram 14 e acrescentou que foram alvo desta diligência “pessoas ligadas ao governador”.
PF aponta superfaturamento e fraude
A PGR chegou à conclusão de superfaturamento e fraude pelos mesmos caminhos que a CPI da Saúde da ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) apontou há cerca de duas semanas: montagem de processos de licitação para acomodar decisões tomadas fora dos parâmetros técnicos e valor acima do mercado.
Em pesquisa feita pela PGR, o preço dos respiradores comprados pelo Governo do Amazonas, em média, por R$ 106.285, 71 custam no mercado R$ 45.485 – “valor máximo unitário registrados nas pequisas da investigação em 2019 e 2020”.
Quando comparados os dois valores, a investigação conclui que houve sobrepreço de 133, 67%, o que daria um R$ 60.800,71 em cada um dos 28 aparelhos. O montante total do valor a mais pago pelo governo seria de R$ 1.702.419,88.
Três governadores e a Saúde do AM
É a primeira vez que uma operação da PF, que investiga desvio de recurso público, atinge um governador no exercício do cargo no Amazonas.
No entanto, escândalo de corrupção com dinheiro público da saúde não é mais novidade no Amazonas desde a operação Maus Caminhos deflagrada em 2016 e que teve desdobramentos até no ano passado. A pasta é um dos maiores orçamento do estado e já tinha como investigados por desvios o ex-governador José Melo, o senador Omar Aziz (PSD) e ex-secretários de Estado. Todos negam as acusações.
Outro lado
O governador do Amazonas, Wilson Lima, postou um vídeo na noite desta terça-feira declarou que não houve nenhuma ordem para práticas ilegais, corrupção ou “qualquer coisa neste sentido”. Lima se disse surpreso, mas considera importante o esclarecimento dos fatos.
O governador disse que no pico da pandemia determinou que se salvasse vidas e que, em função disso, houve necessidade de celeridade em processos para aquisição de materiais.
“Sou o principal interessado de que isso seja efetivamente apurado” (…) Estou absolutamente tranquilo e na certeza que esses fatos serão logo esclarecidos”, declarou.