Wilson Périco: “80% da população do mundo já teve ou terá contato com o vírus mais cedo ou mais tarde”

Foto: Wilson Périco

Espinha dorsal da economia do Amazonas e com atividades suspensas há um mês, a ZFM (Zona Franca de Manaus) voltou à ativa no momento que a saúde do estado vive sua pior crise com colapso na capacidade de atendimento em meio à pandemia do coronavírus, que tem alto índice de contágio e de letalidade em casos graves.

Questionado sobre os riscos e cuidados com os 50 mil trabalhadores que voltaram às fábricas na semana passada, o presidente do Cieam (Centro das Indústrias do Estado do Amazonas), Wilson Périco, declarou que medidas de segurança em relação à saúde dos empregados do distrito foram adotadas há dois meses .

O presidente do Cieam afirmou que a indústria suspendeu atividades por um mês na ZFM (Zona Franca de Manaus) porque o mercado consumidor diminuiu demanda e não em função de riscos de infecção nas fábricas.

“Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se o mercado tivesse consumindo, a atividade da indústria não estaria parada. A indústria parou não foi por conta pura e simplesmente da pandemia. A indústria parou por causa dos mercados consumidores, por conta do isolamento social que foi determinado por vários estados e município”, declarou.

A entrevista foi concedida ao programa Exclusiva da Rádio BandNews Difusora, na semana em que o Amazonas alcança registros alarmantes de infecção por covid-19 com repercussão internacional e no mês em que a paralisação da indústria e do comércio ameaçam a arrecadação do Estado.

“As medidas de segurança foram tomadas desde março. Então, não é essa a nossa preocupação”, disse.

Solicitadas, as entidades da indústria, a Suframa e o Sindicato dos Metalúrgicos não forneceram à reportagem informações precisas sobre o número e perfil de trabalhadores da ZFM infectados pela covid-19 até este momento

Na entrevista, Périco diz que, de forma individual, as empresas tomaram medidas para a volta dos funcionários aos postos de trabalho, mesmo com mercado consumidor retraído e com a falta de leitos nas unidades hospitalares do estado. Ele admite que a indústria não podem evitar a infecção dos funcionários.

“Não é que os trabalhadores do distrito não vão ser contaminados. Não, não é isso. Nós estamos tomando medidas para que não haja crescimento grande de pessoas contaminadas por conta do contingente dentro das empresas”, declarou.

Périco diz que grupos de riscos não retomarão as atividades e pessoas que apresentem sinais da doença também não entrará nas fábricas.

“É normal (aumento de casos da covid-19 em Manaus). 80% da população do mundo já teve ou terá contato com este vírus mais cedo ou mais tarde”, disse Périco.

Lockdown e preparo do governo pós-pandemia

Para o presidente da Cieam, o governo teria que fazer análise profunda antes de cogitar lockdown no Estado do Amazonas e analisar pós e contras.

“Eu não faria isso sem fazer uma avaliação muito, muito, muito profunda dos prós e contras dessa decisão.”, disse.

Na entrevista, Wilson Périco diz que o governo precisa estar atento à queda da arrecadação em função da retração do mercado e dos desempregos nos mercados consumidores, que mantém a ZFM.

“O governo do Estado precisa estar preparado para que a máquina pública seja do tamanho do novo momento pós-pandemia. O que estou falando? Eu acho muito difícil o Estado arrecadar em tributos o que arrecadou 60 dias atrás, há dois meses. Isso não deve acontecer pelos próximos 12 ou 18 meses. Porque a tendência é que haja uma retração”, disse.

O presidente do Cieam diz que até este momento não há demissões provocadas pela pandemia, mas que o resultado da retração do mercado será avaliado individualmente pelo fôlego de cada empresa.

Leia a entrevista na íntegra:

Rosiene Carvalho (RC): Como está funcionando hoje o Distrito? Em março, as maiores – Samsung, Yamaha, Moto Honda – fecharam e as que fornecem a elas, foram paralisando também.

Wilson Périco: Não é que fecharam. Deram férias coletivas. Algumas parciais, outras totais. Algumas voltaram e outras prorrogaram o período de licença. Devem retornar algumas na semana que vem (esta semana) e outras em 20 dias.

“Não temos nenhum informação de demissão por conta da pandemia.”

RC: Sindicato de Metalúrgicos e assessoria de comunicação da Suframa dizem que quem adia esse retorno total é o setor de duas rodas: a Moto Honda e as empresas que fornecem para a Moto Honda. Eles calculam que 35 mil trabalhadores ainda não voltaram. E que há, até este momento, cerca de mil demissões.

Wilson Périco: As reduções que aconteceram se deram pela sazonalidade de alguns produtos. O ar-condicionado, por exemplo, tem uma atividade forte no segundo semestre exatamente para atender a demanda do verão das regiões sul e sudeste do País. Aí, essa demanda cai no inverno e tem um ajuste normal. Isso que aconteceu este ano também. Não temos nenhum informação de demissão por conta da pandemia. Agora, isso vai acontecer? A atividade pós-pandemia vai atender a demanda do mercado e o risco que se tem por conta do desemprego que deve aumentar para o País todo é uma queda pelo seguinte: a pessoa que perdeu o emprego, ela perdeu o poder de compra. A pessoa que está empregada não tem a tranquilidade e a segurança  e também vai reduzir o consumo até que essa tranquilidade seja retomada. Isso pode se refletir na queda da demanda e nas linhas de produção. Mas não é o momento. Não temos este reflexo.

“Existe uma incerteza de qual será esta demanda e este mercado pós-pandemia.”

RC: Quantas fábricas voltaram ao trabalho e em que regime? Questionei Suframa e Sindicato dos Metalúrgicos e me informaram que as entidades da indústria poderiam informar melhor. Quais medidas de segurança foram adotas em relação à saúde dos trabalhadores?

Wilson Périco: As medidas de segurança foram tomadas desde março. Então, não é essa a nossa preocupação. As medidas tomadas pelas empresas por conta do fechamento do comércio, isso traz às empresas dificuldades de escoar as suas produções, foram essas: férias coletivas – em alguns casos, o tempo não foi suficiente, então, se lançaram mão de outras medidas como suspensão de contratos, banco de horas, redução da jornada. Para aguardar até o final da pandemia que, se espera, aconteça em junho. E, aí, poder tomar decisão de acordo com a demanda de mercada. Quando você fala das empresas impactadas, na verdade, todas foram impactadas. Umas um pouco mais e outras um pouco menos. A maioria dos produtos que produzimos aqui são produtos que você não encontra na farmácia. Em alguns supermercados, sim, mas o nível de insegurança é alto. Ninguém vai sair trocando televisor por impulso. Está tendo venda eletrônica. Aprendemos a comprar coisas, sem sair de casa. Isso vai ser uma mudança de hábito, que veio para ficar. Mas não dá hoje para dizer que a demanda não caiu. Existe uma incerteza de qual será esta demanda e este mercado pós-pandemia.

“As coisas estão num compasso meio de: deixa como está para ver como fica, sabe? As empresas estão esperando e aguardando para tomar a melhor decisão, no momento oportuno. “

RC: É só o setor de duas rodas que não voltou?

Wilson Périco: Duas rodas você tem as concessionárias que estão todas fechadas. O eletroeletrônico tem grandes supermercados que atendem, mas os grandes revendedores também estão fechados. Então, não é que só Duas Rodas que está parado. O eletroeletrônico também está tomando medidas para se ajustar a este momento. Ninguém está exportando nada. O mercado parou no mundo todo. Inclusive, continuam faltando insumos da China. As coisas estão num compasso meio de: deixa como está para ver como fica, sabe? As empresas estão esperando e aguardando para tomar a melhor decisão, no momento oportuno.

“O governo do Estado precisa estar preparado para que a máquina pública seja do tamanho do novo momento pós-pandemia. O que estou falando? Eu acho muito difícil o Estado arrecadar em tributos o que arrecadou 60 dias atrás, há dois meses. Isso não deve acontecer pelos próximos 12 ou 18 meses. Porque a tendência é que haja uma retração.”

RC: A gente pode dizer que o distrito ficou parado nesses dias de março para abril? Ficou parado?

Wilson Périco: Pelo menos um mês, praticamente todo. Se você considerar que as grandes empresas, todas elas, pararam parcialmente ou totalmente por um período de pelo menos 15 dias, umas um pouco mais até, nós podemos dizer que sim, o distrito ficou parado um mês já. Basta ver o impacto na arrecadação do Estado. Uma coisa importante, isso me assustou, e é importante falar: o governo do Estado precisa estar preparado para que a máquina pública seja do tamanho do novo momento pós-pandemia. O que estou falando? Eu acho muito difícil o Estado arrecadar em tributos o que arrecadou 60 dias atrás. Há dois meses. Isso não deve acontecer pelos próximos 12 ou 18 meses. Porque a tendência é que haja uma retração, diminuição do tamanho do mercado, que a indústria do polo industrial vai atender, por conta do desemprego, que pode ser maior do que estão anunciando nos grandes centros consumidores, que é sul e sudeste.

RC: O impacto negativo é inevitável para a ZFM e para a arrecadação do Estado?

Wilson Périco: Exatamente. Se a atividade da indústria cai, se o desemprego aumenta, o consumo vai cair. Quando você tira este consumo, você deixa de faturar, o estado arrecada menos, o município e a União vão arrecadar menos.

RC: O Ciem tem algum levantamento do impacto desse um mês de distrito parado?

Wilson Périco: Se nós estamos falando que a indústria ficou um mês parada, é você fazer uma conta simples: pega o faturamento do ano passado, que foi de R$ 103 bi, divide por 12, aí vai ter o quanto é a queda do faturamento no mês e consequentemente na arrecadação dos poderes.

“Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se o mercado tivesse consumindo, a atividade da indústria não estaria parada. A indústria parou não foi por conta pura e simplesmente da pandemia. A indústria parou por causa dos mercados consumidores, por conta do isolamento social que foi determinado por vários estados e município. Alguns impedem inclusive circulação de caminhões que não sejam produtos essenciais. A indústria está produzindo e não consegue vender. O comércio está todo fechado. Não tem loja para nós entregarmos porque ninguém está aberto para vender. ”

RC: Voltando à suspensão do trabalho no distrito, o senhor disse que as empresas adotaram medidas de segurança desde março, mas, ainda assim, acharam prudente, suspender atividades….

Wilson Périco: Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se o mercado tivesse consumindo, a atividade da indústria não estaria parada. A indústria parou não foi por conta pura e simplesmente da pandemia. A indústria parou por causa dos mercado consumidores, por conta do isolamento social que foi determinado por vários estados e município. Alguns impedem inclusive circulação de caminhões que não sejam produtos essenciais. A indústria está produzindo e não consegue vender. O comércio está todo fechado. Não tem loja para nos entregar porque ninguém está aberto para vender. Então, foi por isso que a indústria parou.

“Não é que os trabalhadores do distrito não vão ser contaminados. Não, não é isso. Nós estamos tomando medidas para que não haja crescimento grande de pessoas contaminadas por conta do contingente dentro das empresas.”

RC: Fale das medidas de segurança com a saúde dos trabalhadores.

Wilson Périco: As medidas que a indústria adotou e é bom falar isso também. Os especialistas estão falando desde o começo que mais 80% da população do planeta vai ter contato com este vírus mais cedo ou mais tarde. Então, não estamos falando que as medidas que adotamos foram para que não haja contaminação para os trabalhadores, que não vivem 24 horas dentro da indústria. Eles vão para os seus lares também. Foram medidas que têm por objetivo minimizar o crescimento da curva de contaminação por conta do contingente de pessoas dentro do mesmo ambiente fabril. É por isso que foram tomadas medidas de verificação  de temperatura. Deixar pessoas de grupo de risco em casa, aumentar o espaçamento entre pessoas, reduzir quantidade de pessoas no transporte. Empresas que trabalhavam em um turno só, passaram a dois. Reduziram o número de pessoas no transporte, na fábrica e nos refeitórios. Um monte de medidas foram adotadas: máscara, álcool em gel, orientação para assepsia.  Mas não é que os trabalhadores do distrito não vão ser contaminados. Não, não é isso. Nós estamos tomando medidas para que não haja crescimento grande de pessoas contaminadas por conta do contingente dentro das empresas.

RC: Há levantamento de trabalhadores infectados?

Wilson Périco: Existe informação de trabalhadores detectados com variação de temperatura. Há pessoas que foram detectadas com alta temperatura, na entrada de fábrica. Foram para casa, não foi confirmado se era ou não, mas essas pessoas foram para casa e passaram por acompanhamento. O que estamos falando é que essa pessoa com um pouco de febre não adentrou a fábrica e consequentemente o nível de contaminação que poderia ter causado foi evitado. Agora, é lógico, tem uma orientação, se a pessoas está sentindo mal estar, está com febre, está com dificuldades, ela não vai para a fábrica. Ela liga e a fábrica vai prestar todo acompanhamento necessário. Isso é de cada uma das empresas e todos os casos levantados e confirmados. São informados à Vigilância de Saúde e eles têm toda contabilização.

“O aumento (dos casos de covid-19) em Manaus não foi pela não paralisação das atividades. Porque muitas das empresas estavam de férias coletivas, parcial ou total, e foi exatamente no período que estavam retornando que teve aumento de casos em Manaus, que é normal também. Porque 80% da população do mundo já teve ou terá contato com este vírus mais cedo ou mais tarde.”

RC: Qual contribuição que as empresas da ZFM têm dado ao Estado neste momento?

Wilson Périco: Muitas fábricas estão cedendo de suas linhas de produção para serem doadas ao nosso sistema de saúde: protetores faciais, máscaras, computadores e telefone celular, pneu para ambulância, álcool em gel. Tem doação de garrafas. Tem muita coisa. Tem engajamento muito grande que boa parte da indústria em atividades que não são inerentes ao produto que produzem, mas, sim, pela expertise que têm de produzir para ajudar neste momento. O aumento (dos casos de covid-19) em Manaus não foi pela não paralisação das atividades. Porque muitas das empresas estavam de férias coletivas, parcial ou total, e foi exatamente no período que estavam retornando que teve aumento de casos em Manaus, que é normal também. Porque 80% da população do mundo já teve ou terá contato com este vírus mais cedo ou mais tarde.

RC: Empresas do distrito podem se adaptar às necessidades do mercado e passar a produzir insumos para a saúde, como respiradores, por exemplo?

Wilson Périco: Estamos buscando uma alternativa de um respirador que seja exequível localmente, seja possível de ser fabricado para atender demanda do nosso estado. São três frentes: UEA e Moto Honda; Senai e Transire; e a Fundação Paulo Feitosa com a Bic estão trabalhando nestes três protocolos para fazer aprovar isso junto aos órgãos de saúde. Se tivermos um produto aprovado, este produto poderia ser replicado pelo próprio Senai para todos os estados do Brasil. Mas não é um produto que estejamos desenvolvendo para produção contínua em Manaus. É para atender a demanda pontual deste momento de guerra contra o vírus. Ninguém esta fazendo um produto para ser perene.  Porque isso já existe no mercado.

“Se, por acaso, o governo estadual achar que tem que decretar lockdown, ele só tem que botar na balança aquilo que está sendo produzido aqui para atender o sistema de saúde. Se ele não precisar disso, pode decretar lockdown e as empresas vão acompanhar e assim que terminar isso a gente volta.”

Mas eu não faria isso sem fazer uma avaliação muito, muito, muito profunda dos prós e contras dessa decisão.

RC: Qual a sua opinião sobre lockdown?

Wilson Périco: Primeiro, que nós vamos seguir toda e qualquer determinação dos poderes competentes. Segundo, o distrito industrial teve uma paralisação praticamente completa durante o mês todo de março.  Se, por acaso, o governo estadual achar que tem que decretar lockdown, ele só tem que botar na balança aquilo que está sendo produzido aqui para atender o sistema de saúde. Se ele não precisar disso, pode decretar lockdown e as empresas vão acompanhar e assim que terminar isso a gente volta. Mas eu não faria isso sem fazer uma avaliação muito, muito, muito profunda dos prós e contras dessa decisão.

RC: Sobre esse inevitável impacto no Distrito Industrial, até que ponto as empresas aguentam?

Wilson Périco: Isso vai depender muito de segmento para segmento e de empresa para empresa. No momento, as empresas têm tomado as ações permitidas legalmente. Questões trabalhistas. O Governo Federal tem trabalhado para disponibilizar linhas de crédito e financiamento para que as empresas possam se socorrer na folha de pagamento e caixa. As empresas vão se socorrer e trabalhar com aquilo que estiver disponível no mercado. Se você me perguntar quanto tempo cada uma aguenta, vai depender do bolso de cada uma. Vai depender muito de empresa para empresa.

RC: A indústria iniciou algum estudo para a implementação de medidas necessárias durante e pós-pandemia? Nos EUA, alguns estados estão fazendo isso de forma independente do Governo Trump. Tudo com base em estudos. A ZFM está fazendo essas prospecções?

Wilson Périco: Quem faz esse tipo de análise é o gestor estadual. Nós participamos toda semana de algumas reuniões com secretários de Estado. Mas quem, como lição de casa, tem que fazer esse tipo de análise é o gestor do estado e o gestor do País. Isso  não pode ser delegado ao segmento do comércio e da indústria porque você não vai ter a visão do todo.

“Micro e pequenas empresas que geram muito emprego devem deixar de existir. O risco de desemprego aumenta, mas na dificuldade que a gente encontra os melhores caminhos para o crescimento. Tenho certeza que sairemos, como cidadãos e como sociedade, muito mais fortalecidos desse momento.”

RC: Agradeço a entrevista. O senhor quer acrescentar mais alguma coisa?

Wilson Périco: Temos uma certeza: a pandemia vai passar. A gente só não sabe quando de verdade. Temos certeza que ela vai deixar alguns impactos: impactos sociais, algumas vidas que vão se perdendo, infelizmente, e alguns impactos econômicos. Principalmente, micro e pequenas empresas que geram muito emprego devem deixar de existir. O risco de desemprego aumenta, mas na dificuldade que a gente encontra os melhores caminhos para o crescimento. Tenho certeza que sairemos, como cidadãos e como sociedade, muito mais fortalecidos desse momento todo que estamos passando. Espero que nosso estado e País também saiam fortalecidos disso.